55| O despertar da fúria - Parte 2
QUANDO voltou para casa, pediu para ficar sozinho novamente, e passou as duas horas que Aquiles havia pedido sentado no sofá, na mesma posição e imóvel.
Os braços estavam apoiados sobre as pernas, enquanto os dedos se cruzavam, os olhos estavam fixos no celular, esperando por qualquer resquício de comunicação. Seus sentidos estavam fixos apenas naquele aparelho, sequer percebera que havia parado de chover ou que o volume de carros naquela avenida estava incrivelmente baixo. Tinha a sensação de que só respirava e piscava porque eram coisas automáticas de seu corpo, porque se pudesse controlar, até mesmo aquilo estaria paralisado.
Quando uma mensagem fez a tela do celular se acender, ele não levou mais do que meio segundo para pegar o aparelho e ler a mensagem de Aquiles.
" A encontramos. Está no haras Equus que foi desativado há pouco tempo, estamos nos encaminhando para o local, nos encontramos lá. Não vá sozinho, espere até chegarmos."
Levantando os olhos da tela, Dorian murmurou para si mesmo:
— Me perdoe, Aquiles.
Atirou o celular de lado e pegou um grande casaco, um boné e um óculos escuros, se encaminhou para o telhado novamente e daquela vez escolheu correr e saltar para o telhado do prédio vizinho para que os agentes não notassem sua movimentação. Saindo por aquele prédio poderia facilmente se passar por algum morador.
Conseguindo adentrar o último andar, Dorian caminhou rapidamente na direção do elevador, apertando o botão incontáveis vezes para chamá-lo, ansioso por acabar com aquilo.
Pareceu uma eternidade até chegar ao térreo e sair do prédio, chamou um táxi e pagando uma boa quantia, conseguiu convencer o taxista a correr mais do que o devido, ainda assim, não lhe parecia que estavam rápidos o suficiente. Principalmente quando sua tornozeleira começou a apitar, indicando que havia saído dos limites estabelecidos, sem dúvida Max viria atrás dele. Em partes aquilo o confortava, pois sabia que o reforço viria, mas outra parte de si, rogava para que não chegassem a tempo de impedi-lo de acertar suas contas com Rochefort.
Não soube exatamente quanto tempo levou para chegar ao aras, mas assim que desceu do carro, marchou decididamente pela entrada, pulando a porteira de madeira, e seguindo pelo longo caminho de terra, cercado de grandes palmeiras. Ao lado direito havia uma grande quadra de areia, cercada por madeira, enquanto todo o resto de sua extensão era tomada pelo verde da grama, no entanto, o alvo de Dorian, era o grande galpão que se erguia ao final da propriedade. Provavelmente aquele era o lugar onde os cavalos ficavam quando o aras ainda funcionava, e era exatamente ali que Melina deveria estar. Não tinha um plano formulado em sua mente e, na verdade, não estava se importando muito com isso, seu único plano era tirá-la de lá.
Chegando rapidamente ao galpão feito inteiramente de madeira e pintado de branco, Dorian não soube exatamente o que fazer. Contornando o local, observou através de uma fenda na madeira, constatando que Melina estava realmente lá, atada a uma pilastra no segundo andar. Havia pelo menos seis homens ali com ela, cada um em um ponto do galpão. Voltando a caminhar preocupado pelo gramado, Dorian tentava pensar em algo que pudesse fazer, até encontrar alguns tambores de lata atirados em um canto, se aproximando mais, ele também encontrou um balde repleto de sódio puro, não sabia ao certo quem deixaria algo como aquilo ali, nem o motivo, mas estava grato por aquele descuido, o universo parecia estar conspirando a seu favor, tudo o que ele precisava para completar o plano que começava a elaborar era água. Arrastando os tambores até a entrada do galpão, Dorian os organizou um ao lado do outro, levou consigo também o sódio e rodou mais uma vez pelo local, até localizar uma torneira, onde começou a coletar a água e colocar seu plano em prática.
Do lado de dentro, David estava de pé ao lado de Melina, encarando o relógio em seu pulso, puramente por provocação. A agente, no entanto, ainda tinha uma esperança de se soltar, esfregava o punho, atado por uma corda, na madeira daquela pilastra, na esperança de enfraquecer a corda. Sabia que deveria ser cautelosa, no andar debaixo ainda tinham pelo menos mais cinco pessoas a vigiando.
— Eu acho que deveria deixar de ter esperanças, agente, seu querido ladrão não deu sinal de vida. Não sei nem mesmo porque eu pensei que ele se entregaria, não se importa com ninguém além de si mesmo. Ele não virá por você.
Melina nada respondeu, apenas continuou encarando a parede à sua frente e tentando controlar toda a raiva que sentia naquele momento. Se pudesse, faria Rochefort engolir as próprias palavras.
No entanto, o momento de silêncio não durou muito tempo, um grande estrondo foi ouvido vindo do lado de fora, sendo seguido de vários outros estrondos, como explosões que chegavam até mesmo a sacudir algumas madeiras que estavam um pouco mais frágeis.
Alarmados com o que estavam acontecendo, os cinco do andar debaixo saíram correndo pela porta, para conferir, enquanto David permanecia paralisado, encarando a entrada.
— O que estava dizendo mesmo? – Provocou Melina.
David nada respondeu, continuou com os olhos cravados na porta de entrada, que começava a se abrir lentamente, revelando um Dorian completamente descabelado e com as roupas e rosto repletos de sangue. Sem hesitar, ele marchou até parar no centro do galpão, encarando David diretamente no andar de cima, enquanto a mão direita se escondia atrás das costas.
— Eu receio que seus amigos tenham tirado alguns minutinhos de folga, Rochefort. – Disse ele.
— O que você fez, Delyon?
— Eu os explodi. Não é óbvio?
Diante daquela frase, Melina se contorceu, até conseguir encarar Dorian, ainda parado, com uma das expressões mais assustadoras que ela já havia visto em seu rosto, não saberia dizer se ele estava blefando ou não naquele momento.
Interrompendo os pensamentos dela, ele retomou:
— Isso é entre eu e você, David. Deixe Melina fora disso.
— Ah, que gracinha! Todo preocupado com a agente. Não foi ela quem o prendeu há alguns anos?
— Solte ela. – Repetiu Dorian, avançando um pouco mais.
— Eu acho que não.
David levou a mão às costas e sacou a arma, apontando diretamente para Melina, no entanto, ele não teve sequer a chance de tomar qualquer outra atitude, Dorian também puxou o braço escondido nas costas, revelando a pistola que havia surrupiado de um dos homens que havia saído. Apontou diretamente para David e sem hesitar por um segundo, atirou diretamente em seu ombro, o fazendo gritar de dor e soltar a arma.
Tudo aconteceu tão depressa que Melina sequer teve tempo de se surpreender, na verdade, se encontrava mais assustada que surpresa. Dorian sempre deixara muito claro que não chegava sequer perto de uma arma, e ali estava ele, atirando em alguém. Nem mesmo sabia que ele tinha uma mira tão boa como aquela.
Quando David se voltou para ela, disposto a recuperar a arma, ela agiu rapidamente, usando o pé, puxando a arma para perto de si e a jogando para baixo. Aquilo foi o que bastou para deixar David ainda mais furioso, sem nem mesmo se importar se iria machucá-la, ele agarrou seu pescoço a puxando para cima, enquanto a corda atada a pilastra fazia força contrária, a puxando para baixo.
Dorian avançou novamente, correndo na direção deles, mas hesitou quando David puxou um canivete do bolso e o colocou rente ao pescoço de Melina.
— Você, continua onde está, Delyon. – Gritou enfurecido – Acha mesmo que pode bancar o herói?
Dorian queria poder atirar, mas David havia sido esperto o suficiente para colocar Melina à sua frente, procurando distrai-lo enquanto executava seu verdadeiro plano. Ele nem mesmo percebeu que a corda que atava Melina havia sido cortada.
— Eu já disse para soltá-la, David.
— Bom, já que você insiste tanto...
Para o desespero de Dorian, Rochefort empurrou Melina contra o pequeno cercado que havia naquele andar, deixando praticamente metade do corpo dela pendurado. Enquanto Dorian corria, tentando alcançá-la, Melina foi ágil o suficiente para enlaçar a cintura de David com as pernas, garantindo sustendo e não deixando que ele a atirasse dali de cima. Seu plano teria sido exitoso se ele não a houvesse puxado de volta apenas para bater sua cabeça contra a pilastra que antes a prendera, fazendo sua consciência se esvair no mesmo instante, sem a resistência dela, ele a empurrou sem remorso algum. O que ele não havia notado, era que toda aquela distração, havia dado tempo o suficiente para Dorian alcançá-la e evitar que Melina se chocasse com o chão, caindo exatamente nos braços dele.
Dorian tinha de admitir que aquele não fora seu melhor plano, com o impacto do corpo de Melina sobre o seu corpo ele também havia caído, mas evitara que ela se machucasse gravemente.
O completo desespero tomou conta dele ao notar o quanto a cabeça dela sangrava, a acomodou em seu colo tomando o máximo de cuidado que podia, com medo de machucá-la ainda mais. Se esqueceu completamente do que acontecia ao redor, apenas focava no rosto desacordado de Melina, na esperança de que ela acordasse revelando que estava bem.
— Mel. Mel, por favor, fala comigo. Por favor, por favor, acorda. – Pedia ele desesperadamente.
— Agora eu entendi. – Soou a voz de Rochefort à sua frente – Você a ama, não é mesmo?
Lentamente, Dorian ergueu os olhos, visualizando o homem parado à sua frente, com a arma em mão novamente. Sabendo o que poderia vir dali, Dorian acomodou Melina no chão com delicadeza e se levantou, se colocando à frente dela na intenção de protegê-la, enquanto encarava Rochefort de frente.
— Que irônico. – Continuou o homem – Você tem síndrome de Estocolmo, Delyon? Atraído por quem acabou com sua liberdade.
— Você não sabe o que está dizendo. Cala a boca. – Ameaçou Dorian.
Uma risada divertida escapou de Rochefort, enquanto ainda encarava Dorian na sua versão de mais pura fúria.
— Nunca pensei que chegaria a esse ponto, que humilhação. Você poderia encontrar coisa melhor que uma agente que não passa de um verme.
Aquilo foi que o bastou para Dorian deixar sua fúria assumir o controle, partiu em direção a Rochefort em uma velocidade que nem mesmo ele sabia que tinha, mesmo uma arma apontada em sua direção não o intimidou. A falta de mira de Rochefort também o ajudou, ignorou os dois tiros de raspão em seu braço e sua perna e se atirou em direção ao pescoço de seu adversário.
A vantagem de Dorian sempre ter se metido em brigas na escola, era que naquele momento em sua vida adulta sabia muito bem se defender e principalmente, sabia onde atacar o inimigo.
Desferiu um murro certeiro no rosto do Rochefort, emendando outro na costela, o deixando sem ar por alguns instantes. O homem até tentou se defender, mas a arma que usaria para tirar Dorian de cima de si havia caído muito longe, dessa forma lhe restou também acertar as costelas de Dorian e tentar encaixar um soco baixo na região do estômago. Usando o peso do próprio corpo, rolou para o lado, levando Dorian consigo e se aproveitando dos fenos que havia ali para atrapalhar a visão.
Dorian, no entanto, não permitiu que Rochefort levasse vantagem, agarrou a camiseta do homem e o puxou para baixo novamente, o fazendo se chocar violentamente contra o chão, não esperou que ele se recuperasse, cerrou a mão e punho e desferiu um novo soco em seu rosto com a maior força que conseguiu, sabia que seu oponente não era conhecido por saber brigar bem, mas sim pela trapaça. Mesmo sabendo que deveria estar atento àquilo, Dorian estava tão tomado de fúria que sequer se preocupou com seus pontos vulneráveis, continuava a distribuir golpes tão fortes que demonstravam o tamanho da ira que levava dentro de si, nem mesmo dava chance para que Rochefort o provocasse.
Deveria saber que aquele homem desprezível se aproveitaria de seu descontrole, em um momento de descuido quando teve o soco bloqueado, sentiu uma dor aguda na coxa e instintivamente recuou, colocando a mão sobre o ferimento aberto pelo canivete de Rochefort, aquilo foi o que bastou para que o homem escapasse de suas mãos e invertesse as posições, tentando golpeá-lo novamente com o canivete. Por mais esforço que Dorian dispusesse para evitar ser atingido, sentia a lâmina cada vez mais próxima a seu rosto, a fraqueza que sentia pelo esgotamento não o ajudava e assim como seu oponente, precisou apelar para a trapaça. Deixou que Rochefort acreditasse que ele estava enfraquecendo, apenas para voltar o golpe contra ele mesmo, fazendo o canivete se cravar no ombro esquerdo de David.
Aproveitou que o homem ainda gritava de dor para atirá-lo no chão novamente e puxar o canivete de volta, estando por cima, empunhou a lâmina pronto para enterrá-la em Rochefort, mas antes que pudesse desferir o golpe, sentiu algo pesado atingir sua nuca, trazendo uma tontura imediata e o fazendo perder o equilíbrio instantaneamente, tombando para o lado.
Em meio a visão embaçada não conseguiu identificar quem o acertara, mas teve a noção de que os homens que nocauteara do lado de fora haviam recobrado a consciência e adentrado o galpão para ajudar Rochefort. Naquele instante, toda a fraqueza se apoderou do corpo de Dorian, não conseguia sequer mais mover seu corpo, os músculos pareciam pesados e a respiração acelerada não o ajudava a se recuperar mais rápido.
— Pensou mesmo que em algum momento levaria vantagem? – Questionou Rochefort se abaixando à sua frente, agarrando o rosto de Dorian, completou – Você é fraco. Deveria ter me matado quando teve a oportunidade. Porque agora, sou eu quem vai te matar, dessa vez de verdade.
David pressionou a ponta do canivete contra o peito de Dorian, o empurrando e fazendo a ponta a afiada perfurar as primeiras camadas de pele, arrancando um resmungo de dor. No entanto, foi detido quando um tiro cortou o ar o acertando precisamente na mão.
O que aconteceu no instante seguinte Dorian não soube descrever, ouvia sons de disparos ecoando por todo lugar, como se estivesse em meio a um campo de batalha, no entanto, sua única preocupação era proteger Melina. Se arrastou até estar próximo o suficiente dela e a abraçar, a protegendo com o próprio corpo, esperando que tudo aquilo acabasse.
Não soube quanto tempo passou ali, encolhido contra Melina, só soube que tudo havia acabado quando ouviu aquela voz feminina já tão familiar.
— O que Aquiles lhe disse, seu teimoso? – Questionou Chloe tocando seu ombro e lhe chamando a atenção – Olha só para você, está todo machucado!
— Chloe... – Constatou ele com voz baixa.
— Estou aqui, não se preocupe. Vocês não correm mais perigo, já cuidamos de tudo. Mas temos que nos apressar, os federais estão chegando e não podemos ser vistos.
— O quê...?
— Vamos, levante-se. – Interrompeu ela, o puxando pelo braço e o fazendo se levantar – Tire sua amiga daqui, eu e os outros vamos dar uma limpada, não encare muito.
Dorian até tentou ignorar, mas o cenário de puro caos e sangue ao redor o deixou entorpecido, o único que fora poupado naquele lugar era Rochefort que por motivos óbvios teria um destino muito pior depois que fosse preso. Não queria se sentir satisfeito com aquilo, mas admitia que estava muito feliz.
Tomando Melina no colo novamente, Dorian caminhou para fora do galpão a passos tão lentos que temia cair a qualquer instante, a perna latejava insistentemente, enquanto sentia o sangue escorrer por sua camiseta, se misturando com o suor.
Quando chegou ao lado de fora, sentiu a brisa gelada na da noite que acabara de adentrar atingir sua pele e fazer os ferimentos arderem. Não soube como não vira ou ouvira os federais chegarem, talvez o ouvido estivesse zunindo tanto que afetara sua capacidade de percepção, quando percebeu uma ambulância já havia parado diante de si e Max entrava em seu campo de visão, completamente desesperada.
— Dorian, o que aconteceu? – Questionou ela, o trazendo de volta.
— Corbeau mandou... alguém. – Respondeu ele, completamente desnorteado.
Max teria o interrogado mais, mas preferiu dar prioridade para Melina, que precisava de atendimento. Guiou Dorian até que chegasse um pouco mais perto da ambulância e fez com que ele colocasse Melina com cuidado sobre a maca, para que recebesse os devidos cuidados dos paramédicos.
Enquanto ela era atendida e levada ao hospital, Max voltara a tentar conversar com Dorian, procurando saber o que havia acontecido para deixar aquele cenário de guerra no lugar, no entanto, ele permanecia tão aéreo que sequer tinha forças para responder. Seu corpo, minutos antes banhado em adrenalina parecia começar a desacelerar, trazendo uma exaustão tão grande que não permitia que movesse um músculo sequer ou que respondesse a perguntas. Entrou em um estado de torpor tão grande que voltou a sentir a visão desfocar e as pernas perderem a força, os joelhos cederam o levando ao chão e antes que Max pudesse socorrê-lo todo o corpo desabou de encontro ao solo arenoso, fazendo o pouco que tinha de consciência se esvair e o mundo enfim entrar em um completo silêncio.
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