54| O despertar do desespero - Parte 1
TENDO a personalidade dele restabelecida e até mesmo mil vezes pior do que costumava ser, iniciaram imediatamente as investigações. A primeira coisa que fizeram foi identificar a pessoa que os vigiara detrás da árvore, o homem foi encontrado em tempo recorde e Maxine precisou assumir o comando do interrogatório e pedir que Dante permanecesse o tempo todo junto de Dorian do lado de fora, para manter a integridade física do interrogado.
Ela só não conseguiu manter a integridade psicológica do homem, pois assim que ele deixou bem claro que trabalhava para Rochefort e que estavam envolvidos com Dimitri Kuznetsov, Dorian fez questão de fazer da vida daquele homem um inferno, ainda que estivesse do lado de fora. O suspeito havia dito que Rochefort e Kuznetsov eram parceiros de negócios e que Dimitri era o maior inimigo de Corbeau, a partir daquela revelação, tudo se tornara muito claro na mente dos agentes ali.
Eles só não contavam que Dorian conseguiria intimidar o interrogado apenas usando sua voz e seus olhos bicolores. Antes que Max pudesse pressionar mais o homem, que se encontrava extremamente reticente, uma voz muito estranha e ameaçadora soou da sala ao lado pelo comunicador, ressoando uma ameaça que fez até mesmo os cabelos de Max se eriçarem. O pior daquilo, era que ela nunca havia ouvido aquela voz, o que significava que quem estava por trás daquilo só poderia ser Dorian.
— O que pensa que está fazendo? – Esbravejou ela, assim que saiu da sala irritada por ser interrompida.
— Fazendo ele abrir a boca e cantar como um canarinho. – Respondeu Dorian.
— Que voz era aquela? Quem estava imitando?
— Alguém conhecido.
Aquela resposta de Dorian não serviu para acalmar Maxine, o medo que o suspeito ainda estampava em seu rosto, indicava que aquela voz que Dorian fizera só poderia ser uma pessoa. Corbeau. Ela não achava ruim o método que Dorian utilizara, mas sim o modo como ele sabia imitar Corbeau. Como ele poderia ter aquela informação se nunca o havia encontrado?
Só poderia significar uma coisa... Dorian havia se encontrado com o pai.
Max não sabia o que era pior, mas por aquele momento, lidaria com a crise maior. Balançando a cabeça de modo desgostoso, voltou para dentro da sala, a fim de terminar aquele interrogatório, estava tão consternada que não percebeu que havia deixado a porta entreaberta, e foi só quando os olhos do homem à sua frente se arregalaram mais e ele começou a falar até o que não haviam lhe perguntado, que ela percebeu os olhos de Dorian espiando pela porta, fixos no suspeito.
Ele estava usando a voz de Corbeau e seus olhos idênticos para fazer algum tipo de tortura psicológica naquele homem?
Delyon era pior do que ela pensara, não que não esperasse algo daquele tipo vindo dele.
Quando o suspeito lhes deu um endereço, ela não hesitou em deixá-lo sob os cuidados de outro agente, enquanto mobilizava uma equipe para ir junto dela para o local indicado. Dorian, obviamente, se recusou a ficar e foi junto, sentindo o coração martelar agitado dentro do peito. No entanto, a decepção recaiu sobre todos quando notaram o galpão vazio sem nenhuma pista sequer de Melina.
A noite já começava a adentrar e o cansaço já se apoderava de todos ali, embora fosse um consenso de que não queriam parar por ali, sabiam que precisavam descansar. Pouco a pouco, as equipes foram voltando para os carros, derrotados, enquanto seguiam de volta para a agência, restando apenas Max e Dorian naquele espaço vazio.
Ele parecia o mais afetado ali, havia se sentado em um canto, abatido, segurando a cabeça entre as mãos e tentando regular a respiração.
— Precisamos ir, de nada adiantará ficarmos aqui. – Soou a voz de Max.
— Eu pensei que pudéssemos encontrá-la. Pensei que aquele idiota pudesse revelar algo relevante se levasse um susto.
— Falando nisso... de quem era aquela voz que imitou, Dorian?
— Eu já lhe disse, alguém conhecido.
— Mesmo? Conhecido o suficiente para colocar medo no suspeito? – Diante da falta de resposta de Dorian, Max resolveu ir direto ao ponto – Era a voz do seu pai? Se encontrou com Corbeau para saber como é a voz dele, Dorian?
Ele não respondeu de imediato, se levantou de onde estava e começou a caminhar lentamente para fora do local.
— Não posso afirmar nem negar.
Caminhando decidida atrás dele, Max alcançou o braço de Dorian, o virando de frente para si, sem conseguir encará-lo nos olhos por causa de seu olhar baixo.
— Mas que inferno, Dorian! Você se encontrou com ele! – Nenhuma resposta foi emitida, ele continuou em silêncio – Sabe o que isso pode causar?
— Eu não disse que me encontrei com ele.
— Não, mas teve contato.
— Você quer mesmo discutir isso agora? A Mel ainda precisa de nós e você quer parar para discutir sobre meu pai?
— O que quero, Dorian, é que tome cuidado. Tudo na agência é filmado o tempo todo, se Adria perceber que imitou a voz de Corbeau, ela vai ligar os pontos tão rápido quanto eu, e te garanto que ela não vai ser tão tolerante quanto estou sendo com você. Só vou deixar isso passar por enquanto porque temos urgência em outro assunto, mas não pense nem por um segundo que escapará de uma conversa séria.
Ditando a última sentença, ela caminhou na direção do carro o ligando e apenas esperando que Dorian também o adentrasse para voltarem para a agência.
Naquela noite nenhum dos dois voltou para casa, passaram a madrugada toda na agência tentando achar outros meios de localizar Melina. A única coisa fora daquele caso que Dorian fizera, foi ligar para Helena, pedindo que ela levasse Ceres para sua casa enquanto ele estivesse fora.
A manhã chegou trazendo um extremo cansaço sobre os dois, principalmente sobre Dorian que já alcançava dois dias sem dormir e havia perdido a conta de quando fora sua última refeição. Passou a madrugada e manhã toda do dia seguinte sentado em sua mesa fazendo levantamento de qualquer lugar que Melina pudesse estar. Quando se levantava, era para sair com uma equipe em uma busca que sempre se revelava infrutífera.
Max até tentou fazê-lo parar para descansar por alguns instantes, mas ele se recusava e seguia firme, quanto mais as horas avançavam trazendo consigo o fim do prazo, mais Dorian parecia desesperado e empenhado em achar Melina. Ninguém naquele lugar estava tão mais obcecado do que ele.
Ao adentrar da tarde, Maxine não pôde mais suportar o estado que ele se encontrava, o rosto se tornara tão pálido pela falta de alimentação que destacava o tom arroxeado das olheiras, a esclera avermelhada demonstrava que os olhos já estavam cansados de terem permanecido tanto tempo abertos sem um descanso.
Se aproximando dele, ela recolheu os papéis que ele analisava, ditando:
— Já chega, vamos embora.
— Não. – Respondeu ele, puxando os documentos de volta.
— Dorian, por favor, você precisa descansar.
— Eu preciso achar a Mel, o prazo está acabando.
— Não a encontrará se desmaiar de exaustão, faz dois dias que você não dorme, Dorian. Está apenas acabando com sua saúde desse jeito.
— Eu quero que se foda minha saúde, eu tenho outras prioridades.
Os olhos dele pareciam tão injetados e as respostas tão rápidas que Max suspeitava que ele sequer estava pensando direito. Dorian estava entrando em um estado alarmante e ela sabia que se não fizesse algo ele poderia se comprometer severamente. Sabia também que de nada adiantaria continuar naquela discussão com ele, precisava fazê-lo enxergar o quanto estava chegando a seu limite.
Abaixando consideravelmente a voz, Max tentou novamente:
— Dorian, por favor, se continuar assim apenas irá se prejudicar. Eu entendo que quer encontrar a Melina, eu também quero mais do que nunca, mas precisa estar inteiro para isso. Olhe para você, não irá conseguir ajudá-la estando fraco dessa maneira.
— Eu não estou fraco.
— Não? Então levante-se.
— Levanto.
Dorian não esperava que suas pernas estivessem tão fracas ao ponto de mal conseguir sustentá-lo, tampouco esperava que o a divisão ao redor começasse a girar daquela forma. Precisou se apoiar na mesa para não cair e ainda assim pensou que fosse desmaiar a qualquer instante.
Max precisou ampará-lo e esperar até que ele se recuperasse para dizer:
— Está vendo? Você precisa descansar. Vamos fazer o seguinte, você vai para casa, toma um banho, come alguma coisa e depois eu te busco e voltamos para cá.
Sem ter muitas opções, Dorian acabou concordando, ainda que a contragosto. Não queria de fato sair dali, mas Max tinha razão em uma coisa, não conseguiria ajudar Melina estando naquele estado.
Ao adentrar no galpão, a única coisa que conseguiu fazer foi tomar um banho e trocar suas roupas, ainda se sentia entorpecido demais para comer algo e preocupado demais para pensar em tirar pelo menos alguns minutos para dormir.
Se sentou no sofá e enterrou a cabeça nas mãos buscando mais uma vez traçar qualquer plano que pudesse solucionar aquilo. Sempre dispôs de tantas ideias, por que naquele momento não lhe ocorria nenhuma?
Sentia como se seu mundo houvesse perdido o rumo, como uma bússola sem a agulha para apontar a direção ou quem sabe como se sua alma tivesse sido arrancada.
Levantou os olhos brevemente se deparando com o celular que usava para falar com Aquiles sobre a mesa de centro. Uma única ideia lhe ocorreu naquele momento, talvez a mais estúpida de sua vida, mas era a que parecia ser a solução de seus problemas. Rapidamente, pegou o celular e hesitou por alguns instantes, ainda permanecia sentado no sofá, encarando o aparelho em suas mãos. Sabia que se utilizasse aquele celular não teria mais volta, sua vida seria completamente afetada, mais do que já estava sendo. Sabia que se tomasse aquela decisão que estava em sua mente, nada seria como antes, se venderia e estaria completamente nas mãos de Corbeau. Talvez Melina jamais o perdoasse, mas sendo sincero, preferia conviver com o rancor dela por toda vida do que jamais tornar a vê-la ou perdê-la. Ao menos, a sua existência poderia ser de alguma valia pelo menos naquela vez.
Inspirando profundamente, desbloqueou o celular e mandou uma mensagem para o único número que havia gravado ali. Aguardou ansiosamente a resposta, que não levou mais do que cinco minutos para chegar e decido, se levantou, vestiu roupas que não pudesse ser reconhecido e rumou para o telhado do galpão se aproveitando das entradas destrancadas, onde sabia que poderia escapar sem que os agentes que Max havia deixado em sua porta o vissem.
Dez minutos depois estava sentado do lado de dentro de uma cafeteria. Estava um pouco molhado pela chuva que caía sem trégua naquele dia, mas suas roupas e seu cabelo enxarcado eram o que menos lhe importavam naquele momento. Sentado aos fundos da cafeteria, na última mesa, curvado sobre a mesa que abrigava duas largas poltronas de cada lado, Dorian sentia o peito se apertar cada vez mais, não sabia dizer se devido ao fato de ainda permanecer sem notícias de Melina, ou pelo encontro vindouro.
A xícara de café ainda estava sobre a mesa, enquanto seus dedos brincavam com ela, a verdade era que ele não estava muito disposto a tomar nada, a preocupação havia tomado todo o espaço dentro de si.
Encarou a vidraça ao seu lado e à frente da cafeteria, procurando por qualquer sinal vindo de fora, mas nada encontrou. Acabou se contentando em abaixar a cabeça e permanecer ali, esperando um pouco mais.
— Eu nunca pensei que pudesse vê-lo tão abatido. Todo seu vigor desapareceu. – Soou aquela voz já conhecida para Dorian.
Rapidamente ele ergueu a cabeça, encarando Aquiles parado à sua frente. As roupas pretas dele pareciam impecáveis, enquanto os cabelos claros estavam escondidos dentro de uma touca. Se acomodando na poltrona à frente da de Dorian, ele continuou:
— Perdoe-me a demora, estava atendendo um paciente antes de vir para cá.
— Está tudo bem. Eu sabia que não iria me deixar simplesmente esperando. – Respondeu Dorian, com os olhos cravados na xícara novamente.
Aquiles não deixou de se surpreender com o modo do irmão. Ele já havia percebido que Dorian parecia sem força alguma, mas a voz incrivelmente baixa dele, junto dos ombros caídos denunciavam que a situação era muito mais séria do que imaginava. O fato de Dorian lhe procurar já acendera certo alerta em sua mente, sabia que ele não lhe procuraria por qualquer coisa. Um pouco preocupado, ele inquiriu:
— O que aconteceu?
Ainda procurando manter a calma, Dorian lhe relatou tudo o que havia acontecido nos últimos dias, mantendo a voz baixa para que não fosse ouvido, enquanto Aquiles lhe escutava atentamente, com o cenho franzido e os lábios comprimidos, demonstrando claro incômodo.
Quando Dorian terminou todo o relato, Aquiles cruzou os braços e se recostou, ainda observando o irmão mais novo, impressionado com a rapidez com que a vida tinha sido praticamente drenada dele.
— Há quanto tempo não dorme, Dorian?
— Não é essa a questão aqui, Aquiles. Te chamei para outra coisa, não para me examinar, eu não preciso de um médico.
— Vai precisar se continuar assim. – Respondeu ele se inclinando para frente e puxando a pálpebra inferior do Dorian para baixo, incapaz de deixar o comportamento médico de lado – Está desidratado. Então, agora quer nossa ajuda?
— Eu estou sem saída e desesperado. Não queria envolvê-los nisso, mas... é a Mel. Você tem proximidade suficiente com Corbeau para convencê-lo
— Certo. Eu posso tentar, só não posso garantir que ele vá querer ajudar. Afinal, sua amiga é uma federal.
Dorian ainda tomou um certo tempo, absorvendo aquela resposta de Aquiles, até erguer os olhos e de forma determinada, dizer:
— Em troca eu me entrego, ele pode fazer o que quiser comigo. Sou dele.
Os olhos de Aquiles se arregalaram brevemente, Dorian não deixava de surpreendê-lo, e naquela frase, diferente do que ele estava transparecendo anteriormente, não havia hesitação nenhuma. Ele estava realmente decidido. Aquiles não sabia dizer se aquilo era bom ou não.
Balançando a cabeça em concordância, ele quis saber novamente:
— Quando disse que acaba o prazo?
— Hoje à noite.
— Muito bem. – Respondeu Aquiles, se apoiando na mesa e se levantando – Nos dê duas horas.
Ele já se afastava da mesa quando os dedos esguios de Dorian agarraram seu punho, o detendo, enquanto seus olhos praticamente suplicavam.
— Me prometa que se a encontrar me dirá, que me enviará uma mensagem.
Aquiles ainda permaneceu paralisado por alguns segundos, mas acabou concordando com a cabeça.
— Prometo. – Bagunçando os cabelos de Dorian, acrescentou – Tente descansar.
Rapidamente Aquiles partiu, deixando Dorian ainda sentado, encarando a xícara, ele até procurou algum resquício de sua força para se levantar e sair dali, mas ao que parecia seu corpo se recusava obedecer a comandos. Talvez Aquiles tivesse razão, se continuasse daquela forma precisaria de um médico, além disso, Melina ainda precisava dele, não poderia fraquejar naquele momento.
Acabou entornando o café morno de uma única vez e quando se preparava para se levantar, sentiu uma mão pousar em seu ombro e a voz de Max lhe chamar:
— Dorian.
Erguendo os olhos rapidamente, Dorian demonstrou certa surpresa, preocupado se Max teria visto Aquiles sair dali, porém, o meio sorriso que ela lhe lançava, tentando lhe consolar, demonstrava o contrário. Se Maxine tivesse visto o encontro dos dois, estaria socando a cara de Dorian naquele mesmo segundo, sem se importar com quem visse.
— O que está fazendo aqui? – Questionou ela – Pensei que houvesse dito que ia descansar.
— Eu precisava esfriar a cabeça, saí para dar uma volta.
Ele se levantou e buscou uma nota dentro da carteira, a atirando sobre a mesa e já se encaminhando para a saída, porém, foi detido pela mão de Max pousando sobre seu ombro novamente enquanto os olhos dela se fixavam determinados no rosto dele.
— Olha, eu sei que está preocupado e com medo. Todos nós estamos, Dorian, mas por favor, confie em nós. Estamos trabalhando o máximo que podemos e nós vamos encontrá-la.
Pela primeira vez naqueles dias, a determinação brilhou nos olhos de Dorian, e quando eles encontraram os olhos de Max, pareceram cheios de confiança, enquanto a voz firme dele apenas confirmava.
— É. Nós vamos.
Ao contrário do que Max pensava, Dorian não estava se referindo aos federais, ela mal poderia imaginar o que ele havia acabado de fazer, e se soubesse, era provável que o matasse ali mesmo.
Ele poderia até mesmo se sentir culpado com aquilo, mas seu desespero fazia qualquer resquício de remorso desaparecer.
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