51| Consequências do triunfo - Parte 1

DORIAN passou a noite em observação e só saiu pela manhã para ir ao galpão tomar um banho e trocar as roupas. Quando voltou a agência parecia uma nova pessoa, com fôlego revigorado e muito disposto a continuar com aquele caso. Antes de pôr os pés para dentro, porém, sentiu dedos fortes e esguios agarrarem seu cotovelo e o puxarem para um canto mais isolado. Teria resistido e chamado por ajuda se não notasse os cabelos loiros de Aquiles logo de primeira.

— Precisa elaborar mais suas abordagens, nem parece que é tão discreto. – Debochou Dorian, encarando o rosto preocupado do irmão.

— Não tem como ser discreto quando os boatos que correm é de que você foi morto.

— Ah, isso? Pois é, você está falando com um fantasma. Agora se puder me soltar preciso entrar, não posso correr o risco que me vejam.

Se recusando a ceder, Aquiles mais uma vez puxou Dorian para um canto mais isolado e se pôs à frente dele, tentando ocultá-lo de quem passasse por ali.

— O papai ficou apavorado, e só piorou quando foi até sua casa e não estava lá.

— Ele foi até o galpão?

— O que você acha? Pensávamos que estava realmente morto. Tive que passar a madrugada toda vigiando o lugar para ver se aparecia alguém.

Aquiles estava realmente preocupado, embora se esforçasse para esconder o leve tom de raiva que possuía sua voz. Em momento algum Dorian havia pensado em como Corbeau reagiria, estava tão focado em resolver aquele caso que não havia considerado outras vertentes. O tom de voz envergonhado fez um pouco da raiva de Aquiles ceder quando o ouviu dizer:

— Me desculpe, eu não queria assustá-los. Só queria acabar com isso de vez e ajudar a Mel.

Deixando um suspiro escapar, Aquiles balançou a cabeça a abaixando por alguns segundos, para depois levantá-la, questionando enquanto olhava no fundo dos olhos do irmão caçula.

— Por que fez isso?

— Melina está infiltrada em uma missão, para ganhar a confiança de Rochefort precisava me matar.

— Rochefort? – Bradou o mais velho, parecendo irritado – Aquele desgraçado.

— O conhecem?

— Tivemos alguns desentendimentos e ele ameaçou o papai.

— Então não foi pela tapeçaria persa?

A sobrancelha de Aquiles se arqueou ante aquela pergunta de Dorian, até estava curioso, mas sabendo do passado do irmão ele já suspeitava o que poderia ter acontecido.

— Talvez não. Ainda não sabemos se ele tem a informação de que você é filho de Corbeau, mas se for isso pode ter certeza de que ele vai se arrepender muito.

— Não, não, não. – Interrompeu Dorian – Fiquem longe disso, esse caso é nosso e eu não fingi minha morte para nada. Nós vamos pegá-lo.

— Está querendo disputar quem o pega primeiro? – Questionou Aquiles com um sorriso matreiro.

— Eu estou falando sério, não se metam nisso. É a única chance que temos de chegar perto dele.

— Sabe que o papai não vai querer deixar por isso mesmo sua suposta morte. Quando ele souber que foi Rochefort que encomendou vai imediatamente atrás dele.

— Pois então não conte que foi ele.

— Dorian...

— Me escuta, por favor. Se fizerem algo vamos perder tudo o que já trabalhamos para conseguir. Adria não tem facilitado para nós e se perdermos essa chance de agora já era.

Por alguns instantes Aquiles permaneceu paralisado, encarando os olhos suplicantes de Dorian e sabendo que ele fazia aquilo propositalmente. A outros ele poderia enganar, mas Aquiles já era acostumado o suficiente com aquele tipo de manipulação. Por fim, bufou resignado e respondeu:

— Primeiro de tudo para de fazer essa cara.

— Que cara?

— Já disse para parar, não funciona comigo. Não acredito que vai me fazer ser seu cúmplice, Dorian. E pior ainda, cúmplice dos federais.

— Eu já venho sendo seu cúmplice há muito tempo, nada mais justo que uma troca de favores.

— Tudo bem. O que quer que eu faça?

— Primeiro, que tire Corbeau da reta de Rochefort. Invente uma desculpa, diga que foi para um caso, que estou bem, mas em momento algum mencione o cretino. Em segundo lugar, quero que espalhe que estou morto.

— Já está se espalhando. Por que acha que estou aqui?

— Mas vocês são a elite do mundo criminoso, toda informação chega em vocês primeiro. O que estou me referindo é ao baixo escalão do submundo. Quero que cada ladrãozinho de esquina saiba que fui dessa para melhor.

— Para não deixar rastros e não deixar Rochefort saber a verdade.

— Exato. E principalmente porque queremos que ele entre em contato com Melina para contratar os serviços dela. Acredito que ele precise ser mais persuadido, se souber que deu certo e ele se safou, o teremos na palma da nossa mão. E então ele será detido.

— E depois?

Dorian sabia o que aquela pergunta significava, mas sabia também que se Corbeau quisesse alcançar Rochefort, nada poderia fazer. Além disso, seu lado vingativo despertou ao lembrar que ele havia encomendado sua morte.

— Depois não é problema meu. – Respondeu.

Com mais um acenar de cabeça, Aquiles deu um passo para o lado, cedendo passagem para Dorian, enquanto olhava ao redor, constatando:

— Entre. Mortos não transitam entre nós, nem conversam. E eu não sou médium.

Um sorriso ladino se abriu nos lábios de Dorian, enquanto ele se apressava em se afastar, dizendo:

— Obrigado, Aquiles. Mantenho contato do além.

— Está me devendo uma.

Erguendo o próprio celular para sinalizar, ele respondeu:

— Usa o tabuleiro ouija para me cobrar depois.

— Idiota. – Resmungou Aquiles, observando o irmão desaparecer tão rápido quanto um piscar de olhos.

Se já não o tivesse visto e socorrido mais vezes do que poderia contar, de fato pensaria que ele realmente era um fantasma.

Quando finalmente chegou em casa, encontrou seu pai andando de um lado para o outro, agitado, enquanto ditava algo no celular, mas quando o viu encerrou a ligação e se aproximou rapidamente, sem rodeios o questionando:

— Falou com ele?

— Falei, pai, o Dorian está bem. Não foi nada demais.

— Nada, demais?! Estão dizendo que ele morreu, Aquiles!

— E esse é o plano. É algum tipo de investigação dos federais, Dorian precisou forjar a própria morte.

Os olhos de Conrad se estreitaram desconfiados, enquanto ele os fixava mais em Aquiles, questionando:

— E que tipo de investigação é essa que ele precisou morrer?

Aquiles não era tão bom em mentiras, desconfiava seriamente que havia nascido sem aquela habilidade familiar, mas sabia que seu pai confiava em sua palavra, e era exatamente por isso que contornava a verdade, sem admiti-la totalmente. Aquele sempre foi o truque que usou.

— Eu não sei, pai, não procurei saber. Não quero me envolver nos planos dos federais e quero passar bem longe deles. De qualquer forma não precisamos nos preocupar, ele só está fazendo o trabalho dele.

Não queria dar mais tempo para contestações, virou-se e rapidamente saiu da sala subindo direto para a biblioteca da casa, onde sabia que não seria interrompido. Ao tentar fechar a porta, porém, foi interrompido pelo pé de Chloe, ela nem mesmo esperou ser convidada, adentrou o lugar e fechou a porta atrás de si, a trancando.

— Você sempre foi muito ruim em mentir, maninho. – Disse ela, caminhando em direção à grande mesa e se sentando sobre ela.

— O que quer, Chloe? Se não reparou, quero ficar sozinho.

— Quero saber o que escondeu do papai.

— Eu não escondi nada.

— Ah, eu já disse que você é um péssimo mentiroso. Você escondeu sim, e vai precisar ser mais convincente para que ele não volte a te interrogar. Talvez precise de ajuda.

Revirando os olhos, Aquiles caminhou em direção às prateleiras e se recostou em uma, cruzando os braços.

— Você já está indo longe demais com seus devaneios, Chloe.

— Hum... deve ser algo bem sério para se manter tão reticente assim. – Ouvindo um profundo suspiro vir do irmão, ela insistiu novamente – Vamos, eu prometo que não conto para ninguém, te ajudo a esconder do papai!

— Não seja curiosa. – Respondeu ele se dirigindo para um aparador e se servindo de uma bebida.

— Ah, então não estou de todo errada. Vamos, Aquiles, me conta! – Choramingou ela, e tirando um pequeno canivete do bolso abriu um corte na palma da mão, completando – Olha, como prova da minha palavra, estou te fazendo uma promessa de sangue.

Encarando o corte na mão da irmã, Aquiles rapidamente deixou a bebida de lado e pegou um guardanapo de pano que ali havia, envolvendo a mão de Chloe, enquanto ralhava:

— Chloe! Por que fez isso?

— Para te dar minha palavra que guardo segredo.

— Você tem que parar com isso, estou falando sério.

— Mas você só acredita em mim assim.

— Não é verdade. – Deixando um suspiro escapar e ainda apertando o corte de Chloe, finalmente cedeu – Olha, eu prometi para o Dorian não contar.

— Prometeu não contar para o papai, mas não para mim.

Aquiles permaneceu mudo por alguns instantes, daquela vez Chloe havia o encurralado, ela estava totalmente certa.

— Tudo bem. Mas me prometa que não irá comentar nada com o papai, é um caso importante para o Dorian e se interferirmos, vamos arruinar tudo.

— Eu prometo, já disse. Minha mão cortada já deveria te bastar.

— O caso é contra Rochefort. Os federais estão indo atrás dele.

— Aquele que ameaçou o papai? – Bradou Chloe.

— O próprio. Ele foi atrás do Dorian.

— Ele é o mais desprotegido, longe não podemos cuidar dele o tempo todo.

— Exatamente.

— Precisamos trazê-lo para cá, Aquiles.

— Isso é uma decisão que cabe ao Dorian, Chloe, não podemos forçá-lo.

— Mas ele está exposto!

Na tentativa de acalmar a irmã, Aquiles a segurou levemente pelos ombros, enquanto abria um sorriso tranquilizador.

— Chloe, o Dorian sabe se cuidar, ele é esperto. Não se preocupe.

Tirando as mãos do irmão de si, ela se afastou, daquela vez com o semblante sério e extremamente ameaçador, constatando:

— Acontece, Aquiles, que se os federais não tivessem intervindo e feito desse caso uma armadilha para Rochefort, ele mandaria outro matar o Dorian, e eu duvido muito que eles soubessem que esse era o plano dele o tempo todo. Só descobriram por pura coincidência.

— Os federais estão protegendo-o, Chloe, ele vai ficar bem.

— Não, não vai. Eles com as leis idiotas deles não sabem da metade do que acontece no nosso mundo e quando sabem já é tarde demais. Se o Dorian se machucar de novo por causa deles e da fantasia que eles chamam de justiça, eu juro que caço um por um daquele lugar.

Sem dar tempo para uma réplica, Chloe saiu a passos rápidos da biblioteca, batendo a porta atrás de si, enquanto Aquiles permanecia parado onde estava, resmungando consigo mesmo:

— E é por isso que eu não queria contar.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top