47| Primeiras lições - Parte 2

UM TEMPO depois, Melina resolveu colocar seu treinamento em prática quando viu Dorian se dirigir para a cozinha novamente. Se esgueirou silenciosamente atrás dele e esperou até que estivesse distraído fazendo seu chá. Se aproximou por trás dele, fazendo movimentos lentos e silenciosos, aproveitando-se da posição que ocupava às suas costas. Levou a mão lentamente ao bolso dele e de lá tirou o celular vagarosamente, pensou até que teve bom êxito quando começou a se afastar, porém, logo sentiu a mão de Dorian agarrar seu cotovelo e os olhos dele lhe lançarem um olhar entediado, enquanto ele estendia a mão pedindo o celular de volta.

— A tentativa foi boa, mas senti você tirando o celular do meu bolso. Precisa ser mais rápida.

Melina não disse nada, apenas devolveu o celular e saiu da cozinha revirando os olhos. Não desistiria tão fácil, Dorian havia a subestimado quando simplesmente lhe desafiou a roubar o celular, certamente ele pensava que ela não era capaz, mas estava disposta a mostrar que ele estava muito enganado. Passou anos estudando o perfil dele, aquilo deveria servir de algo.

Quando a hora do almoço de aproximava, ela fez mais uma tentativa. O andar estava praticamente vazio, quase todos os agentes haviam saído para almoçar, sobrara somente ela, Dorian e mais dois agentes, que estavam concentrados demais em suas tarefas. Dorian, no entanto, havia se levantado e estava parado em frente a um arquivo, a pasta aberta em suas mãos e os olhos concentrados mostravam o quanto estava imerso na leitura. Propositalmente ele havia deixado o celular no bolso novamente. Melina adotou a mesma estratégia anterior, porém, daquela vez seus movimentos não eram tão lentos, não chegou sequer a esticar a mão, Dorian a impediu antes disso. Ainda de costas para ela e com os olhos fixos nos documentos disse:

— Se está pretendendo roubar meu celular agora, sugiro que antes controle sua respiração ou então procure um otorrinolaringologista, está com problemas respiratórios, consigo ouvir daqui. – Ela urrou irritada e se afastou a passos rápidos, se jogando em sua cadeira, enquanto Dorian continuava – Não adianta ficar bravinha comigo não.

A terceira tentativa dela havia sido pela tarde, se esgueirou abaixada pelo chão até se embrenhar bem debaixo da mesa de Dorian, ele estava mexendo no computador e digitando suas anotações quando notou, pela visão periférica, a mão de Melina saindo debaixo de sua mesa e tateando tudo ao redor a procura do celular. Não pensou duas vezes antes de acertar um tapa em sua mão e escutar o grito surpreso dela vir de seu esconderijo. Se abaixou a encarando e com sua melhor expressão de desprezo disse:

— Que merda de plano foi esse?

— Você me bateu? – Questionou ela, parecendo incrédula.

— Bati, sua mão simplesmente apareceu tateando minha mesa! Você é mais inteligente que isso, Melina, está roubando um objeto muito valioso, não um docinho da mesa do seu coleguinha da quinta série.

— Eu desisto!

Melina simplesmente se levantou e saiu bufando em direção à cozinha. Ele não tentou ir atrás, sabia que ela estava irritada demais com ele e acabaria piorando as coisas se dissesse algo. Esperou até que ela voltasse, ainda com a feição irritada, e se encostasse na mesa dele, cruzando os braços.

— Eu não quero mais. – Disse ela, por fim.

— Vai desistir? Simples assim?

— Eu não nasci para isso, Dorian! Não nasci para roubar, nasci para prender quem rouba.

— Isso meio que não te deixa à frente de quem é ladrão? Você mapeia e sabe as técnicas que os ladrões usam, então isso te dá uma certa vantagem.

— Posso saber as técnicas, mas não sei executá-las.

— Nenhuma técnica é uma boa técnica se você não treina. – Respondeu ele virando a cadeira na direção dela – A teoria serve de guia, mas ela não é muito útil se você não a aplica. E para aplicá-la bem, necessita que treine, todo treino tem que começar do zero, com você sabendo nada e aprendendo a partir de seus erros.

— Você daria um ótimo coaching, Dorian.

Ele abriu um sorriso, sabendo que finalmente Melina começava a se abrir um pouco mais e até debochava dele.

— Acha que se eu lançar um curso para ladrões terão muitos inscritos?

Ela se inclinou para mais perto e parou com o rosto rente ao de Dorian, o encarando diretamente nos olhos.

— Acho que eu poderia ser a primeira.

Dorian se surpreendeu com a forma que Melina se mantinha tão perto dele, não se inibindo, nem se intimidando pelo lugar que estavam. A mão dela enrolada em sua gravata fez seu corpo se aquecer imediatamente, sem conseguir tirar os olhos dos dela por um segundo. Admitia que estava hipnotizado e faria qualquer coisa que Melina lhe pedisse naquele momento. A boca dela tão perto da sua o fazia parar de pensar e seu raciocínio simplesmente desaparecer.

Mas um resquício de seu instinto despertou naquele momento, alertando todo seu cérebro do perigo daquela jogada dela, e o plano que Melina executava. Voltou a si bem a tempo de impedir que ela recuasse a mão que havia afanado o celular sem que ele percebesse.

Abrindo um sorriso matreiro ele disse:

— Está melhorando, essa eu quase não percebi.

O elogio aparentemente não havia agradado Melina, sua feição se tornou irritadiça quando ela puxou a gravata de Dorian para baixo, o fazendo colar o rosto na mesa, enquanto ela esbravejava:

— Me dê a porra desse celular!

Com a voz um pouco fraca pelo aperto da gravata em sua garganta, Dorian respondeu:

— Essa é uma boa tática para um assalto. Não vai funcionar com Rochefort.

Bufando contrariada, Melina largou a gravata de Dorian e lhe deu as costas, visivelmente frustrada por não conseguir. Notando o quanto aquilo a afetava, ele se aproximou vagarosamente por trás dela, com a voz mansa para consolá-la.

— Escuta, não vai ser de primeira que você vai conseguir, mas isso não quer dizer que nunca será capaz de executar um golpe perfeito. Tente mais uma vez, se concentre.

— É extremamente difícil, Dorian! – Bradou ela, se voltando para ele.

As mãos de Dorian sobre os braços de Melina a fizeram se acalmar por alguns instantes, enquanto os olhos dele lhe miravam, cheios de encorajamento.

— Por esse momento deixe de pensar como uma federal, é isso que está te atrapalhando, você está pensando demais. Relaxe, pense como uma ladra. Pense em mim como uma presa, me estude, saiba onde e quando estou distraído o suficiente e então ataque. Controle seus pensamentos e respiração. – Quando ela balançou a cabeça concordando, ele emendou – Relaxe um pouco e tente mais uma vez.

Sabendo que Melina precisava de espaço para pensar melhor, Dorian se afastou e voltou para sua mesa, se concentrando no trabalho que tinha. Acabou se afundando tanto que sequer percebeu quanto tempo havia passado, só se deu conta do horário quando Melina se aproximou dele, lhe chamando a atenção.

— Vamos? Já está tarde, precisamos descansar para amanhã.

Olhando pela janela se surpreendeu com o fato de já estar escuro, sem dúvida Ceres estaria ansiosa esperando pelo passeio da noite. Se espreguiçando se levantou e esfregou o rosto para despertar melhor, enquanto acompanhava Melina para fora da divisão.

— Podemos parar em um lugar antes? Preciso comprar a ração da Ceres, está acabando.

— Mas é claro. – Respondeu ela, apertando o botão do térreo.

Levando a mão ao bolso a fim de já deixar o dinheiro separado, Dorian notou sua falta. Apalpou os outros bolsos a procurando, tendo a certeza de que a havia guardado anteriormente.

— Temos que voltar, acho que esqueci minha...

— Carteira? – Questionou Melina, erguendo o objeto entre os dedos indicador e médio.

Os olhos de Dorian se arregalaram ao mesmo tempo que a boca se abriu, demonstrando sua surpresa, ele havia desafiado Melina a roubar seu celular, e ela foi além, roubando a carteira. Ele nem mesmo sabia quando ela havia afanado, sequer percebeu os dedos dela. Um sorriso se abriu em seu rosto, se alargando cada vez mais, sem esconder o orgulho que sentia.

Não trocaram uma palavra sobre aquilo, não precisavam, Melina apenas lhe devolveu a carteira e seguiram silenciosamente o caminho daquela noite.


"Eu vivi para ver o Dorian ensinando a Melina a roubar, e ela sendo uma boa aluna! Esses dois não cansam de me surpreender. Estão preparados para vê-los trocar de lugar?"

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