45| Tragédias do passado - Parte 2

DORIAN ainda se sentia entorpecido com tantas informações que havia recebido, tentava buscar na memória algum resquício de lembrança, mas era tudo um vazio, tanto tempo já havia passado que ele nem mesmo se importava mais. Mas naquele momento, sentiu como se ferimentos antigos se abrissem novamente. Instintivamente levou a mão à cicatriz que tinha perto do cotovelo, se questionando porque todo aquele tempo tinha acreditado que fora sua mãe quem quebrara seu braço na infância.

— Então não foi ela? – Questionou baixinho – Não foi minha mãe que quebrou meu braço?

Franzindo o cenho com aquela pergunta, Conrad respondeu:

— Não, por que pensou que fosse?

— Não sei. Uma memória falsa talvez.

Lentamente Conrad concordou com a cabeça e deixou um suspiro escapar, em partes aliviado por ter contado tudo o que ocultava por todos aqueles anos. Mas a tensão que via no rosto de Dorian, o fazia se sentir igualmente tenso, sem saber quais pensamentos passavam pela mente do filho.

— Entende agora por que me afastei? – Questionou quebrando o silêncio – Eu não podia permitir que se machucasse novamente. Não por minha culpa. No fim de tudo, Celine tinha razão. Não queria que ganhasse mais cicatrizes como essa.

Se inclinando na direção de Dorian, Conrad enlaçou os dedos nos cabelos do filho, tocando em um ponto muito específico da cabeça de Dorian, sabendo que encontraria ali uma outra cicatriz daquele acidente.

— Ainda está aí. – Resmungou.

— Essa também foi do acidente?

— Foi. Você sofreu alguns cortes e precisou de sutura.

— Pelo visto tenho muitas memórias falsas. Me disseram que essa eu ganhei quando tentei descer a escada de casa pelo corrimão.

Conrad abriu um sorriso breve com a careta que Dorian fazia, e recuou, voltando a se encostar na poltrona e bebericando um pouco do chocolate já morno. Sentiu um arrepio correr pelo corpo com a pergunta seguinte de Dorian, mas sabia que deveria ser honesto, havia prometido aquilo a ele.

— Posso te perguntar quem é Bryan?

— Seu irmão. – Respondeu ele, depois de alguns segundos de silêncio – Era meu segundo filho, nasceu dois anos depois de Aquiles.

— E por que fale dele no passado?

— Ele morreu... quando tinha sete anos. E foi minha culpa.

— Sua?

— Na época os federais estavam no encalço do meu pai, eu era o braço direito dele e seu substituto, então também era um alvo. Eles conseguiram pegar o Bryan e em troca dele queriam que eu me entregasse.

— Mas... os federais não podem fazer isso, quer dizer... é imoral. – Respondeu Dorian inconformado.

— Imoralidade é o que mais existe nessas agências, Dorian, e acredito que já tenha notado isso. – Respondeu Conrad, se referindo aos agentes corruptos – Eles não se importavam com os meios, apenas com os resultados. Eu me entregaria de bom grado e estava até mesmo fazendo um acordo com eles, mas meu pai e minha esposa não permitiram. – Emitindo um riso nostálgico, completou – Eu até entendia meu pai, mas Diana.... Pensei que ela seria a primeira a me pedir para me entregar, mas ela estava tão furiosa de terem sequestrado e usado o filho dela para nos chantagear que estava disposta até mesmo a um plano arriscado. Não sei exatamente como ocorreu, foi rápido demais. O Bryan já estava nos meus braços, ele já estava seguro, mas os federais não desistiram. Eles atiraram. E quando vi... meu filho estava morto.

Dorian não soube porque, mas sentiu uma dor profunda no peito ao ouvir aquela história. Talvez porque envolvesse uma criança indefesa, talvez porque envolvesse os federais, os quais tinha profunda amizade. Não queria acreditar que aquela agência seria capaz de uma atrocidade daquelas.

A voz de Conrad foi o que o tirou de seus pensamentos:

— Eu perdi meus dois grandes amores naquele dia. Diana ficou tão furiosa que não mediu consequências, enfrentou os federais com toda a fúria que uma mãe possuía. Mas eles me tiraram ela também. Só que não vou permitir que isso se repita, e agora que a responsável por isso resolveu dar as caras, eu vou destroçá-la. Da mesma forma que ela fez comigo.

Encarar o olhar furioso de Conrad foi uma das coisas mais assustadoras que Dorian já havia visto em sua vida. Os olhos dele haviam tomado um tom avermelhado, contendo as lágrimas que os empoçavam.

— E... quem é essa responsável? – Questionou receoso.

— Adria Salt. – Conrad proferiu com amargor – Sua nova chefe. Por enquanto. Fique longe dela, Dorian, por favor.

Engolindo em seco e sentindo a garganta arranhar, Dorian abaixou os olhos, bebericando um pouco do chocolate, na tentativa de umedecer os lábios.

— De qualquer forma ela já me afastou mesmo. – Resmungou.

— O que disse, filho?

— Nada. – Respondeu Dorian, elevando a cabeça rapidamente, e na tentativa de dissipar o clima tenso que havia se estabelecido, opinou – Então foi o senhor quem escolheu meu nome?

— Como sabe?

— Estamos em ordem alfabética. Aquiles, Bryan, Chloe e Dorian. Além disso, meu pai sempre dizia que se tivesse escolhido meu nome, eu me chamaria Noah.

Um sorriso orgulhoso se abriu nos lábios de Conrad antes de admitir:

— Você sempre foi muito bom em deduções.

Um curto sorriso surgiu no rosto de Dorian, enquanto ele voltava a beber o chocolate, apreciando o silêncio que havia se estabelecido. Ainda possuía muitas dúvidas e de fato queria saber muito mais sobre o passado, mas naquele instante seu coração pedia por trégua, precisava de um momento apenas para absorver tudo o que havia escutado.

Passou o resto do dia acompanhado do pai, andando pela propriedade e até conhecendo algumas pessoas que trabalhavam ali, não conseguia se sentir confortável mesmo com todo o luxo que lhe era oferecido.

Percebeu que já não era mais o mesmo ao constatar tal sentimento, fosse antes sem dúvida alguma se aproveitaria de tudo o que tinha disponível, mas naquele momento não. Algo estava o incomodando, sabia disso. E sabia principalmente que a mudança era dentro dele.

Quando a tarde começou a se findar, pediu para voltar para casa, e mesmo com a insistência de Conrad e a oferta de poder se livrar definitivamente da tornozeleira, se recusou a aceitar, o que de certa forma despertou a curiosidade naquele pai. Se questionava o que levara o filho cativo a gostar de seu cativeiro.

— Ainda quer voltar para aquele lugar? – Questionou Conrad.

— Mais do que qualquer outro.

Um sorriso zombeteiro se abriu no rosto do mais velho antes que ele abaixasse a cabeça conformado e voltasse o olhar na direção de Dorian, dizendo:

— Acredito que tenha encontrado seu lugar finalmente. Mas acredite quando digo que nada mudou e ainda é o mesmo aqui dentro. – Apontou para o peito de Dorian e continuou – Não pense que seus modos e seu caráter mudaram completamente porque eles tornarão a aparecer mais cedo ou mais tarde. Não tente ser o que não é apenas para agradar aos outros, mesmo que os ame.

— Está enganado. – Respondeu Dorian, com convicção.

— Estou? Então por que ainda não contou a suas amigas sobre o banker secreto que possui? Por que não conta a elas sobre Aquiles ou sobre mim? – Diante do silêncio de Dorian, Conrad apontou – Vê? Entende agora o que quero dizer? Uma mudança não é uma mudança se ela não for totalmente sincera. Não estou aqui para te julgar, filho, apenas quero alertá-lo para o que está fazendo de sua vida. Nunca imaginei que estaríamos de lados tão opostos, mas agora me questiono se realmente estamos.

— Se pensa por um segundo que seguirei seus passos depois de ter me contado tudo, está muito enganado.

— Não estou pedindo para seguir meus passos, Dorian. Na verdade, quero te propor algo.

Dorian sabia que nada de bom poderia vir de fato dessa proposta, mas para sair dali de uma vez, estava disposto a aceitar o que fosse. Sempre soube quando o ambiente e a situação não estavam a seu favor, e naquele momento, todos seus instintos gritavam que sem dúvida alguma deveria sair o mais rápido possível, antes que se comprometesse.

— Que proposta?

— Posso te devolver seu trabalho e suas amigas em poucos dias, e em troca quero que renuncie ao caso contra mim e não atrapalhe meus negócios.

— Eu não vou trabalhar para você.

— Não estou pedindo que trabalhe, estou pedindo que recue. Porque a única ameaça a mim que existe naquela agência, Dorian, é você. E Adria sabe disso, ela te usará para me atingir, mas com ela poderei lidar, com você não.

— Por lidar o senhor quer dizer...

— Que eu vou cumprir o que prometi há vinte e sete anos. Não estou disposto a deixar outro filho em meio ao fogo cruzado. Por isso que estou te pedindo, saia da frente, Dorian.

Dorian pôde sentir todos os cabelos de sua nuca se eriçando com aquela última frase, reconheceu no tom de voz de Conrad que ele não estava brincando, e ainda que não concordasse totalmente com o que ele dizia e estava disposto a fazer, não pôde julgá-lo pela sede de vingança. Em seu lugar talvez fizesse o mesmo, pois naquele momento nutria profundo rancor por Adria.

Aquele sentimento foi o bastante para ele estender a mão e aceitar o acordo, não sabia a que caminhos aquele simples gesto poderia levá-lo, e temia que ao aceitar uma proposta de Corbeau fosse obrigado a aceitar outras. Mas que escolhas teria? Sem isso, não conseguiria voltar ao que mais amava fazer.

Em seu íntimo começava a perceber que talvez seu pai tivesse razão, talvez ele não houvesse mudado tanto assim. Havia acabado de firmar um acordo muito duvidoso apenas para satisfazer seus caprichos e seu ego. E não se arrependia nem por um segundo.

— Dê-me alguns dias, talvez uma semana. – Retomou Conrad, assim que se afastaram – Eu conheço um senador, ele está me devendo alguns favores e tem considerável influência sobre sua agência. Terá sua divisão de volta, filho.

O sorriso que se abriu automaticamente no rosto de Dorian surpreendeu até ele mesmo. Max e muito menos Melina poderiam sequer desconfiar de com quem ele estava conspirando.

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