44| Feridas do passado - Parte 1
EMBORA não transparecesse, estar em frente a seu filho de volta naquele escritório, fazia Conrad se sentir receoso. Principalmente por ter de contar a ele tudo o que havia acontecido desde o incidente, e o motivo pelo qual se afastou. Foi uma das épocas mais dolorosas para Conrad e ter de recordar fazia o peito se apertar como se estivesse vivenciando tudo novamente.
O fogo da lareira já havia se extinguido fazendo a sala esfriar e se tornar pouco acolhedora, o chá da mesma forma já estava frio e ele se aproveitou justamente dessas situações para protelar suas explicações.
Pediu que trouxessem um chocolate quente e acendeu novamente a lareira, até mesmo colocou uma manta sobre os ombros de Dorian para aquecê-lo melhor e só depois que já estavam com suas xícaras com o líquido quente, se acomodou na poltrona à frente do filho.
O encarou por alguns segundos, vislumbrando a expectativa em seus olhos e inspirou profundamente antes de começar:
— Você tinha seis anos. Eu queria me aproximar mais de você, deixá-lo saber que eu era seu pai e fazer você se acostumar comigo. Eu o queria por perto, Dorian. Então depois de muito conversar com seus pais e de praticamente implorar, eles acabaram cedendo e deixaram você passar alguns finais de semana comigo.
Os ombros de Dorian permaneciam caídos e seu olhar preso na xícara em suas mãos, mas o semblante não escondia a confusão diante do que ouvia.
— Acontece que passamos bons meses assim. – Continuou Conrad – Você já estava se acostumando conosco, interagia bem com seus irmãos.... Só que um acidente aconteceu.
— Que acidente? – Questionou Dorian erguendo a cabeça.
Dizer aquelas palavras era como se Conrad estivesse vendo tudo se desdobrar à sua frente novamente, era como se tivesse voltado no tempo e levado para vivenciar o mesmo dia outra vez.
Aquele fim de semana havia sido um dos melhores que ele havia tido com Dorian, o pequeno o acompanhara a um evento onde passou boa parte do dia correndo pelo lugar atrás de Chloe, os dois até mesmo dormiram juntos pela noite e na manhã seguinte quando acordaram fizeram questão de pular sobre o pai para acordá-lo também. Até mesmo Aquiles que era o mais quieto não resistiu à brincadeira dos outros dois mais novos.
A hora de ir embora sempre era a pior, Chloe agarrava Dorian e não deixava que seu pai o colocasse dentro do carro para levá-lo, sempre precisava inventar algo que distraísse os dois para que se separassem. E naquele dia não foi diferente.
Enquanto estavam no carro, voltando para a casa de Dorian, ele observava o filho balançar as perninhas, ainda agitado com o fim de semana que tinha. Tagarelava animadamente sobre como contaria tudo o que tinha feito a seu pai.
— O papai vai ficar feliz quando eu entregar a surpresa. – Dizia ele, girando um pequeno livro nas mãos – Ele gosta de livros.
— Eu sei. – Respondeu Conrad, ajeitando os cabelos rebeldes de Dorian – Livros são bons companheiros.
— Você também gosta, papai?
— Gosto. Gosto muito. Da próxima vez vou te mostrar a biblioteca de casa, o que acha? Ainda não visitou lá.
Os olhinhos de Dorian se iluminaram ao voltá-los para Conrad, bradando alto demais:
— Eu quero!
— Então está combinado. Vou separar algumas histórias para lermos juntos.
Se contentando com a resposta, Dorian voltou a atenção para o livro, o apertando contra o peito e o segurando como se fosse o maior tesouro de sua vida.
Conrad deveria ter tomado mais precauções ou quem sabe se atentado ao veículo que parou atrás deles quando estacionaram em frente à casa. Dorian sempre fora agitado demais e quando estava empolgado com alguma coisa não pensava direito até que tivesse feito exatamente o que queria. E esse foi justamente o problema daquele fim de tarde.
Ao perceber que já tinha chegado em casa, Dorian não esperou que o pai abrisse a porta e segurasse sua mão para atravessar a rua, simplesmente saltou do carro sozinho, enxergando seus pais do outro lado da rua, o esperando. Estava tão empolgado que atravessou a rua correndo, sem se dar conta do carro que vinha em sua direção. Foi tudo tão rápido que Conrad mal teve tempo de alcançar Dorian, ele bem que tentou salvar o filho, mas não conseguiu evitar que o para-choque do carro o acertasse. Tudo o que conseguiu fazer foi amortecer sua queda e segurá-lo nos braços.
Ficou tão apavorado com a imagem do filho ensanguentado e desacordado que nem mesmo percebeu que Celine e Caíque se aproximaram correndo, gritando desesperados. Com toda a movimentação, a vizinhança toda havia saído de suas casas, e embora se acumulassem ali, cada um se mobilizou de alguma forma para ajudar, seja isolando a área ou acionando a emergência.
Conrad não soube quanto tempo ficou ali com Dorian nos braços, mas só voltou a si quando a ambulância chegou e o levou para o hospital com a sirenes ligadas, indicando a gravidade da situação. Caíque e Celine haviam ido junto da ambulância, enquanto ele ficava para trás, ainda em choque, sentindo o peito se apertar e temendo que a situação de um ano antes se repetisse. Sentia que não aguentaria se perdesse outro filho.
Quando um dos seus seguranças avisou que haviam anotado a placa do carro e até mesmo o localizado, não hesitou em dar a ordem para que levassem o responsável até a base. Mas não se ocuparia com aquilo naquele momento, tudo o que desejava era se certificar de que seu filho ficaria bem.
Descobrindo para onde Dorian havia sido levado, Conrad passou boa parte da noite e da madrugada nos corredores do hospital, sempre observando de longe toda a movimentação em busca por informações.
Já passava das duas da manhã quando a médica que atendera Dorian se aproximou de Caíque e Celine, sem que percebesse que seus pés haviam se movido automaticamente, Conrad também se aproximou.
Aparentemente Dorian estava fora de perigo, mas ainda requeria alguns cuidados, principalmente porque havia quebrado um braço e possuía um ferimento grave na cabeça. Provavelmente não acordaria tão cedo.
Aquela informação só fez com que Conrad se sentisse ainda mais miserável, a ira se inflou em seu peito só de imaginar o que faria ao responsável. Dorian era só uma criança, ele tinha apenas seis anos!
Como alguém poderia ter coragem de machucá-lo?
Ao mesmo tempo, lançava sobre si mesmo aquela culpa. Poderia ter sido mais atento, poderia ter segurado Dorian, poderia não tê-lo envolvido em sua vida. Porque no fim de tudo, sabia que só haviam feito aquilo com ele por ser filho de quem era.
Celine pareceu ter lido seus pensamentos, e assim que a médica se afastou, se voltou para ele com uma fúria que ele nunca havia visto em seu rosto. Aquela foi a primeira e única vez que a viu agir como mãe.
— A culpa é sua! – Gritou ela, o empurrando – A culpa é toda sua, seu desgraçado! Você o levou para sua casa, eu não deveria ter deixado você colocar as mãos nele. Tudo o que você toca é amaldiçoado!
— Celine, por favor, se acalma. – Pedia Caíque, a puxando para trás, tentando contê-la.
Ainda assim, ela continuava tentando avançar na direção de Conrad, esbravejando:
— Matou seu próprio filho e agora quer matar o meu!
Aquela frase foi como uma facada dolorosa em seu coração, Conrad estava pronto para reagir, mas sabia que todas aquelas ofensas só eram proferidas por Celine porque ela estava com medo. E com raiva. Ele não a poderia julgar, também sentia o mesmo.
— Eu não matei meu filho, Celine, tampouco desejaria qualquer mal a Dorian. – Respondeu com voz firme.
— Não me interessa, a culpa sempre foi e sempre será sua. Fica longe do meu filho!
Ainda que estivesse fazendo certo esforço para segurar a esposa, Caíque voltou os olhos sérios na direção de Conrad, lhe lançando um aviso silencioso. Ele também o culpava, porém, não proferiria o que pensava sabendo que apenas alimentaria o sentimento negativo de Celine.
— Acho melhor ir embora, Conrad. – Avisou ele.
— Eu não vou sair daqui enquanto não ver meu filho.
— Por favor, não piore a situação. Vá para casa, nós ficaremos aqui. Te avisamos caso precisemos de algo.
Sabendo que não era bem-vindo ali e que se insistisse os dois poderiam proibir a entrada dele, Conrad teve de ceder e a contragosto se afastar. Sentia que estava abandonando seu filho, mas não arriscaria ser proibido de vê-lo.
O caminho para a casa e o resto daquela madrugada foram amargos para Conrad, passou o resto da noite acordado, atirado de qualquer forma sobre a poltrona em seu escritório, enquanto esvaziava a garrafa de uísque. Pensava nas mais diversas formas de castigar e se vingar do homem que seus seguranças haviam capturado, mas não tinha forças para se levantar dali.
Dorian passou a semana toda desacordado, e em todos os dias Conrad estava ao lado dele, ainda que a relação entre ele e Caíque junto de Celine não fosse nada boa. O medo voltou a rondá-lo quando a médica disse que o acidente poderia ter afetado a memória do menino, não sabiam de quanto tempo exatamente estavam falando, deveriam esperá-lo acordar.
E foi justo o dia que Dorian abriu os olhos que marcou o início do tormento de Conrad. Naquele dia que adentrou o quarto encontrou o filho sentado na cama, brincando com Caíque. Conrad parou na porta, finalmente sentindo o alívio sobre si, mas foi quando Dorian voltou os olhos para ele que seu corpo inteiro retesou, o garoto não teve nenhuma reação, continuou o encarando como se encontrasse um estranho, e quando ele se aproximou, Dorian agarrou a camisa de Caíque, se encolhendo contra ele, como se buscasse proteção.
— Filho... – Ele tentou, levando a mão à bochecha do menino, mas só fez com que ele se encolhesse mais.
Na tentativa de ajudar, Caíque se abaixou, sussurrando:
— Está tudo bem, ele não vai te machucar.
— Não... – Resmungou ele.
— Lembra dele?
Dorian apenas balançou a cabeça negando e puxando mais as cobertas.
Conrad congelou naquele instante, se negando a acreditar que o próprio filho o havia esquecido e embora fosse bom que Dorian não lembrasse do que havia lhe acontecido, não pôde deixar de sentir o peso daquela situação. Ajeitou a postura, tentando disfarçar os olhos marejados e voltou o olhar na direção de Caíque, e por incrível que parecesse não encontrou julgamento, o professor apenas lhe lançou uma expressão compreensiva e talvez até compassiva, sabendo a dor que Conrad enfrentava naquele momento. Ele sabia que Corbeau amava Dorian profundamente.
Mesmo que quisesse fazer o menino se lembrar, ele não voltou a insistir. Assustá-lo não era sua intenção.
A voz de Celine soando atrás dele foi o que o tirou do entorpecimento e fez com que Dorian se sobressaltasse na cama, assustado.
— O que está fazendo aqui? – Gritou ela.
— Eu vim ver o Dorian.
— Eu já disse para ficar longe do meu filho!
Notando o quanto o menino ficara assustado e se agarrara ainda mais em Caíque, começando a chorar, Conrad abaixou o tom de voz, na tentativa de amenizar a situação.
— Celine, eu só queria ver como ele estava.
— Você não tem mais esse direito, lhe demos uma chance e você quase o matou!
— Celine, por favor. – Interveio Caíque – Está assustando Dorian.
Mesmo com a repreensão, Celine não parou de discutir com Conrad e até mesmo tentou acertar um tapa nele, mas foi detida quando ele segurou seu punho com força, se esforçando para não perder a paciência ali mesmo. Estava farto daquela situação.
— Chega! – Bradou ele – Eu só vim ver o meu filho, não devo mais nada a você. Pare de dar chiliques.
— Chiliques? – Esbravejou ela, puxando a mão de volta – Como quer que eu fique vendo meu filho assim com sua presença?
— Ele estava muito bem até você chegar.
Com um riso de deboche, ela se aproximou de Dorian rapidamente, ignorando a forma com que ele se encolheu mais e abraçou Caíque como se quisesse se fundir a ele. Chorava desesperado, molhando toda a camisa do pai, enquanto escondia o rosto em sua roupa.
Quando ela tentou tocá-lo seu grito aumentou, ecoando por todo o quarto e até mesmo pelo corredor. Dorian gritava tanto que parecia estar sendo profundamente assombrado.
— Filho, calma, sou eu a mamãe. – Ela tentou.
Nada do que ela fizesse o fazia se voltar para ela ou se acalmar, puxava tanto a camisa de Caíque que praticamente arrancava os botões.
— Não! – Ele gritava – Papai, não deixa! Não deixa!
Conrad estranhou a forma com que Dorian reagiu a própria mãe, mas não suportaria vê-lo tão assustado daquela forma, tanto ela como ele mesmo precisavam sair dali para que ele se acalmasse.
Puxou lentamente o cotovelo dela, tentando tirá-la dali, mas recebeu um bofetão em resposta, fazendo o choro da criança aumentar ainda mais.
Caíque pareceu se irritar com toda a situação e abraçou Dorian, tentando protegê-lo de toda aquela situação, enquanto bradava:
— Já chega, vocês dois! Estão assustando ele e o fazendo mal. Saiam agora!
— Caíque... – Celine tentou.
— Eu disse fora!
Nenhum dos dois ousou contrariar aquele pai furioso, lentamente os dois saíram do quarto, mas aquilo não impediu que Celine voltasse a ofender Conrad.
— Eu espero que tenha entendido de uma vez por todas que deve ficar longe do Dorian.
— Eu sou tão pai quanto você é mãe, não pode e não vai me fazer ficar longe dele. – Rebateu Conrad, rilhando os dentes, nem mesmo percebeu o que dizia – E não me importa quanto tempo leve, eu vou fazê-lo se lembrar de mim.
Celine viu aquela frase como um ótimo argumento para contra-atacar no ponto onde mais sabia que doeria.
— Pois então aproveite que ele não sabe quem você é e desapareça da vida dele, porque você estando ou não estando aqui não vai fazer diferença. E é bom lembrar-se que não pode recorrer a nada na justiça. Pelo sei está foragido, não é mesmo? Tente se aproximar do meu filho novamente e eu o denuncio.
Ela não esperou por uma resposta vinda dele, sem medo algum lhe deu as costas, caminhando de volta para o quarto, sabendo que Conrad não faria nada ali em meio a tantas pessoas. Mas o que ele mais desejava naquele momento era enforcar aquela mulherzinha abusada. Estando por perto e vendo como a situação se desenrolava e quase como se adivinhasse o que se passava por sua mente, Bruno, seu melhor amigo e braço direito, se aproximou, chamando sua atenção e o aconselhando a sair dali.
Não deu uma palavra no caminho para casa e quando chegou, se trancou em seu escritório, sem querer falar, ver ou saber de ninguém. Ponderando consigo mesmo o que faria a partir dali. Soube que havia passado tempo demais enclausurado quando ouviu a porta do escritório se abrir e seu pai, na época ainda vivo, passar por ela e caminhar em sua direção até se acomodar ao seu lado e fazer alguns segundos de silêncio.
— Como o garoto está? – Questionou finalmente.
— Acordou hoje.
— Então vai sobreviver?
— Sim.
— É uma boa notícia. Mas acredito que agora deva deixá-lo.
Conrad voltou o olhar indignado na direção do pai, incrédulo que ouvia uma sugestão como aquela pela segunda vez no dia.
— Não posso deixá-lo. É meu filho.
— Um bastardo.
— Eu não admito que o senhor o chame assim! Dorian é tão meu filho quanto os outros.
— Dorian não é filho da Diana, os outros são. Legítimos. Ele tem o sangue misturado.
— Ah, não! O senhor não vai começar com isso agora. – Respondeu se levantando de onde estava atirado.
Alecio acompanhou o filho com a monotonia banhando suas feições, enquanto continuava calmamente:
— Pense, Conrad, o garoto mal tem contato conosco.
— E como pode falar algo assim de um neto seu? Ele é só uma criança!
— Ele não é meu neto. A genética pode dizer o que quiser que estou pouco me fodendo, eu acho que deveria deixar essa história de lado e parar de tentar substituir o Bryan.
Aquela última frase fez todo o controle que Conrad havia lutado para ter se esvair, voltou os olhos furiosos na direção do pai, gritando:
— Eu não estou tentando substituir o Bryan! Ele é único. Da mesma forma que Dorian é.
— Pare de agir como um garotinho mimado e comece a agir com a razão. Ouvi seu amigo dizer que o menino não se lembra de você. Isso já deveria bastar para você entender o que pode acontecer com ele se continuar perto de nós. Ele não tem a mesma proteção dos outros, então está mais exposto do que deveria. Aproveite que ele não se lembra quem você é e se afaste, seja justo com o garoto e o deixe viver uma vida normal, longe de tudo isso. Vou pedir para espalhar o boato de que ele morreu, assim o deixarão em paz.
Conrad não queria ceder, não queria ter de concordar com o pai, mas sabia que ele tinha razão. Como uma última tentativa de convencer seu pai, e talvez a si mesmo de que não estava sendo egoísta, lançou o argumento:
— Eu só queria que ele nos conhecesse, que soubesse quem somos. Que tivesse uma família.
Antes de atravessar a porta, Alecio parou sob o batente, encarando o filho por cima dos ombros antes de responder:
— Ele já tem uma família. E não somos nós.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top