37| Reparações - Parte 1
FOI SÓ quando o dia raiou que tomou coragem de ligar para Caíque.
Melina sabia muito bem que Dorian ficaria furioso por ela ter chamado o pai dele, mas em um momento como aquele, ela não imaginava ninguém melhor do que o professor para recorrer, ele saberia exatamente o que fazer com o filho.
A princípio se sentira um pouco tensa e culpada, mas ver o semblante preocupado de Caíque assim que ele apareceu na porta, fez certo alívio recair sobre ela, sabia que Dorian estaria em boas mãos e teria alguém muito melhor que ela para compreendê-lo e conversar com ele.
Explicar toda a situação para Caíque e o que levara Dorian à recaída foi mais difícil do que imaginava, nunca pensou que veria aquele homem tão furioso com alguém como ele estava com Verena. Sem dúvidas o sentimento de ira surgira em seu peito ao se lembrar de tudo o que Dorian havia passado com a morte dela, e principalmente o quanto aquele pai havia lutado pelo filho. E saber que justamente a mulher que arruinara a vida de Dorian estava, na verdade, viva e enganara a todos, fez até mesmo a postura sempre correta e calma do velho homem ceder.
Dorian não demorou a acordar depois que as agentes foram embora, os olhos se abriram lentamente se adaptando à pouca claridade que a cortina cinza deixava transpassar, a visão ainda era turva, mas soube distinguir perfeitamente que estava no sofá-cama. Ao abrir um pouco mais os olhos foi atingindo em cheio por uma forte dor de cabeça e uma vertigem. Os fechou novamente e resmungou contrariado chamando a atenção de Caíque, que logo se aproximou:
— Filho? Como está se sentindo?
Aquela não era exatamente a voz que Dorian esperava reconhecer naquela manhã, na verdade, esperava que estivesse sozinho e que os vestígios de lembranças de Melina não passassem de uma ilusão de sua mente, no entanto, a ilusão não explicaria o fato de ter trocado suas roupas e estar devidamente acomodado.
Lentamente ele abriu os olhos novamente, tendo a visão completa do pai, parado à sua frente, segurando uma xícara nas mãos. O olhar preocupado de Caíque foi o que fez a culpa atingir Dorian antes mesmo que ele pudesse ter consciência de qualquer outra coisa que ocorresse ao seu redor.
Se arrastou pelo sofá e se sentou devagar, suspirando profundamente antes de elevar o olhar envergonhado na direção do pai.
— Bom dia. – Caíque disse primeiro, estendendo a xícara para Dorian.
— Bom dia. – Resmungou em tom baixo, cheirando o líquido e identificando o chá.
— Como está se sentindo?
— Um lixo.
— Por quê?
Aquela pergunta pegou Dorian desprevenido, ele esperava qualquer reação de seu pai, em especial o julgamento e a acusação, mas vendo-o parado ali em sua frente, lhe encarando serenamente e parecendo de fato esperar por uma resposta daquela pergunta, fez com que Dorian se sentisse estranhamente acolhido. Alguém estava de fato se importando com o que ele sentia?
Hesitante, abaixou os olhos, encarando o chá, sem coragem de encarar Caíque. Resmungou:
— Eu caí. Depois de seis anos eu caí.
— Pensou que jamais cairia novamente?
— Pensei.
— Impossível.
A constatação de Caíque fez com que Dorian elevasse rapidamente o rosto, daquela vez com estranheza banhando suas feições, principalmente porque mesmo com aquela simples palavra, mas de grande significado, seu pai continuava calmo. Antes que pudesse contestar algo, Caíque retomou:
— É impossível não cair, e não me refiro à bebida. É humanamente impossível não levarmos algumas quedas ao longo de nossas vidas, em qualquer aspecto que pensar. E é até bom que elas existam, é educativo.
— Mas dói!
— Eu sei que dói, em momento algum disse que não doeria ou que seria fácil, Dorian. Só que agora você já sabe por onde ir para não fraquejar mais. Tudo bem, erros acontecem, o que você não pode permitir que aconteça é que esses erros o façam ficar combalido. Se caiu, levante-se, limpe a poeira da roupa e comece de novo.
Até aquele momento Dorian tentava se manter firme, mas sem que percebesse as lágrimas invadiram seus olhos e quando despencaram pelo rosto, ele não pôde as controlar. Deixou a xícara na mesa ao lado, tentando em vão limpar as lágrimas, mas elas só aumentavam.
Por fim acabou cedendo e as deixando rolar livremente, enquanto mantinha a cabeça baixa, na tentativa de esconder sua vergonha. O choro, no entanto, entregava seu desespero, principalmente quando os ombros começaram a sacudir, indicando um choro convulsivo.
— Me desculpe, pai. Eu te decepcionei.
Aquela frase foi capaz de quebrar toda a imagem que Caíque havia montado, desconfiava seriamente que havia quebrado seu coração também. Sem perder mais tempo com a distância, ele se aproximou a passos rápidos de Dorian, se sentando sobre o sofá envolvendo o filho em seus braços, e deixando que ele deitasse a cabeça em seu peito.
— Não, filho, você não me decepcionou. Foi apenas um tropeço.
— Não, não foi. Eu joguei tudo fora, eu joguei seis anos fora, eu desperdicei seu esforço. Eu sou um erro.
— Não! Olhe para mim. – Caíque forçou Dorian a erguer o rosto e enxugou as lágrimas – Eu não quero que se julgue assim, meu ouviu bem? Você não desperdiçou nada e nunca mais torne a dizer que é um erro. Você foi e é um dos maiores acertos da minha vida Dorian e não vou desistir de você.
Notando que algumas lágrimas já banhavam os olhos de Caíque também, Dorian apenas abaixou os olhos, incapaz de se desprender do aperto do pai. Como se lhe custasse deixar a verdade sair, abaixou consideravelmente a voz ao dizer:
— Eu preciso de ajuda, pai.
— E você terá, eu estarei bem aqui do seu lado, nós vamos enfrentar isso juntos. Você não está sozinho Dorian, eu estou aqui, suas amigas também.
— Eu duvido que elas irão querer me encarar de novo. Elas não deveriam ter visto o que viram ontem. A Mel não deveria ter visto.
— Pelo pouco que pude ver tenho sérias dúvidas se será mesmo como está pensando, meu filho. O que vi nelas foi preocupação, foi cuidado. Elas saíram daqui prometendo voltar pela noite. – Sabendo exatamente porque Dorian pensava daquela forma, acrescentou – Eu sei que tem muito motivos para pensar que as pessoas irão te julgar ou que irão te abandonar no primeiro erro que demonstrar, mas dê uma chance para as pessoas se aproximarem. Dê essa chance a si mesmo de ser cuidado.
Parecendo concordar, Dorian apenas balançou a cabeça e enxugou as lágrimas que haviam parado de descer, infelizmente, elas fizeram com que sua dor de cabeça aumentasse.
O momento que tinha com Caíque foi interrompido com um sutil bater na porta e a voz de Laura soando hesitante. Imediatamente os olhos de Caíque se arregalaram, enquanto Dorian o encarava.
— Chamou a Laura para cá?
— Não, eu apenas disse que estaria com você hoje pela manhã, pedi que avisasse a universidade. Me desculpa, Dorian, não queria te expor.
Dando de ombros, Dorian se afundou nas cobertas novamente, como se não desse tanta importância àquilo.
— Ela já é da família mesmo.
Rapidamente Caíque marchou em direção à porta a abrindo e não escondendo a surpresa de encontrar a namorada ali. Laura, por outro lado, parecia ansiosa e reticente, as bochechas haviam tomado um tom avermelhado, combinando perfeitamente com os cabelos cobre.
Ainda parecia hesitante quando se explicou:
— Eu fiquei preocupada, pensei que Dorian poderia estar precisando de algumas coisas, então passei no mercado e na farmácia.
Com um sorriso se formando em seu rosto, Caíque abriu passagem para Laura, que timidamente adentrou, encarando Dorian e esperando que ele autorizasse.
Ao ver a mulher, ele prontamente se levantou novamente, se recostando no espaldar do sofá e tentando transparecer a melhor imagem que podia.
— Como está se sentindo, Dorian? – Questionou a mulher.
Um sorriso fraco se abriu no rosto dele, antes de responder:
— Eu poderia estar melhor, mas vou ficar bem. Obrigado.
— Bom, eu trouxe algumas coisas para você. Já tomou café da manhã?
— Ainda não.
— Na verdade, eu ia providenciar agora. – Se intrometeu Caíque.
— Oh, não, não. Deixem comigo, podem ficar descansados, eu mesma preparo o café.
— Não precisa se incomodar, Laura.
— Não é incômodo algum, Dorian. Trouxe as coisas exatamente para isso. Gosta de frutas frescas?
— Gosto.
— Ótimo, acabei de trazer algumas também. Acho que um suco pode ajudar. – Se aproximando mais, Laura notou o quanto Dorian parecia abatido e preocupação tomou as feições dela – Está pálido, querido, tem certeza de que está bem?
— Um pouco zonzo, talvez.
Abrindo uma das sacolas que havia deixado sobre o balcão da cozinha, Laura rapidamente pegou uma caixinha de comprimidos e pediu por um copo de água, estendeu os dois para Dorian, explicando:
— Pedi para um amigo meu que é farmacêutico, ele me disse que ajuda com o enjoo e a vertigem.
— Obrigado.
Assim que se sentiu satisfeita por Dorian ter aceitado o medicamento, Laura caminhou de novo na direção da cozinha e começou a abrir as outras sacolas, se dedicando a preparar o café da manhã com os recipientes que havia pedido para Caíque pegar.
Atônito a atitude da madrasta, Dorian voltou os olhos inconformados na direção do pai, que estava ao seu lado, e questionou:
— Mas o que é isso?
— Isso o quê?
— Por que ela está me tratando assim? Por que está preocupada?
Caíque pensou que não precisaria explicar aquilo para o filho, pensou até mesmo que ele estivesse fazendo alguma piada, mas ao ver o quanto ele parecia seriamente confuso, percebeu o que aquilo significava.
E doeu perceber.
Dorian não conhecia carinho e cuidados maternais, conhecia o que havia recebido de Helena, mas não era exatamente o que Caíque desejava para seu filho. De sua mãe ele só havia conhecido rejeição e crueldade, e o resultado daquilo era que sua desconfiança o fazia suspeitar de tudo. Até mesmo de pequenas atitudes.
— Ela só está preocupada com você, Dorian. – Explicou.
— Ela mal me conhece. – Rebateu ele de imediato.
— Pessoalmente talvez. Mas já falei sobre você e suas irmãs tantas vezes que é capaz de ela os conhecer muito bem.
— Ainda assim não tem motivos para ela estar fazendo tudo isso.
— Dorian, ela só quer te ajudar, apenas isso. O que acabei de dizer sobre permitir que as pessoas cuidem de você?
— É que isso não faz o menor sentido na minha cabeça. Acabamos de nos conhecer.
Um suspiro escapou dos lábios de Caíque, ele não queria ter que usar aquele argumento como uma cartada, mas sabia que talvez aquele fato clareasse um pouco o entendimento de Dorian.
— A Laura perdeu o filho dela, Dorian. – Respondeu com voz baixa, notando os olhos do filho se arregalarem – Ele era um adolescente quando aconteceu. Desde então ela está sozinha e não tem a quem direcionar o amor que existe nela. Não que ela vá te ter como um substituto, longe disso, mas Laura é uma pessoa muito amorosa e não hesita em se colocar à disposição das pessoas, em demonstrar o quanto se importa. E é por isso que ela está aqui, porque ela se importa com você. É óbvio que ela não é e nunca será sua mãe, mas isso... é cuidado maternal.
Um nó se formou na garganta de Dorian ao ouvir aquilo, voltou os olhos na direção da mulher que preparava alegremente o café da manhã e não pôde deixar de admirar o quanto ela parecia forte.
— Então isso é cuidado de mãe? – Questionou baixinho.
Caíque não respondeu, apenas deixou que Dorian absorvesse aquele momento, enquanto Laura se aproximava com uma bandeja, equilibrando um copo de suco e alguns biscoitos leves. Depositou tudo ao lado dele, enquanto abria um sorriso terno.
— Espero que goste, Dorian. Fiz uma pasta de ervas finas para comer junto com os biscoitos.
— Obrigado, Laura.
Ela respondeu com um leve aceno de cabeça e caminhou em direção à grande janela, a abrindo e deixando o ar fresco da manhã entrar, puxou as cortinas dando passagem para os raios de sol e até mesmo encarou Dorian brevemente, enquanto ele comia, se certificando de que a luz não incidia diretamente nele.
Esperou pacientemente até que ele comesse tudo para poder recolher as louças e lavá-las deixando tudo organizado. Não querendo se demorar mais, Laura se despediu rapidamente, deixando o número de seu celular disponível, caso Dorian precisasse de ajuda.
Caíque a acompanhou até o lado de fora e somente quando já estavam na porta do galpão que ela se voltou para ele, questionando receosa:
— Acha que ele se incomodou com minha intromissão?
— Claro que não, Laura. Por que pensa isso?
— Ele pareceu um pouco hesitante.
Caíque fez alguns segundos de silêncio, tentando encontrar uma maneira de explicar para Laura que nada era como ela estava pensando, não havia uma maneira fácil, deveria ser sincero.
— O Dorian nunca recebeu esse tipo de carinho e preocupação da mãe dele. Tudo o que Celine lhe ofereceu foi rejeição, então ele não sabe que sentimento é esse e não entende suas motivações. Isso não significa que ele não tenha gostado ou tenha se sentido incomodado, ele apenas não sabe como reagir ou demonstrar.
Os olhos de Laura se abaixaram por alguns instantes, parecendo pensar no que dizer, por fim, quando ergueu a cabeça, certa determinação se estampava em seu rosto, e Caíque pôde reconhecer até um pouco de irritação nos traços leves dela.
— Dorian é um bom rapaz, ele só se perdeu um pouco. Mas a mudança que você mencionou que tanto houve nele demonstra o caráter que tem. Ele é brilhante, Caíque, e só precisa de alguém para fazê-lo enxergar isso, porque apesar de tantas pessoas ao redor dele, consigo enxergar solidão, ainda falta algo dentro dele. Você e sua esposa tiveram um excelente filho, é uma pena que ela não soube reconhecer a aproveitar isso.
Aquela fala deixou Caíque sem ação e resposta, ele não poderia nem mesmo contrariar Laura, sabia que ela estava certa. Mas se havia algo que aquela mulher havia lhe ensinado, era que nunca se deveria desistir de alguém. Teve aquela convicção quando a viu se afastar, caminhando lentamente pela calçada.
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