20| Caro irmão - Parte 1
NAQUELA NOITE, Dorian ainda se mantinha constantemente estudando quais as posturas que teria que tomar, admitia que talvez estivesse um pouco obcecado com aquele caso, mas o fato de terem sido desafiados pelo senador o fazia se sentir ainda mais obstinado em capturá-lo. Havia se tornado questão de honra.
Incrivelmente na tarde daquele dia, Max havia conseguido encontrar um horário no cabeleireiro para Dorian, e naquele momento ele se encontrava em frente ao espelho, analisando os cabelos mais curtos e não tão arrumados como sempre eram, mas com um volume a mais na franja. Ele sabia que teria de se acostumar a não deixar os fios tão penteados pelo menos por aquele momento, Thomas tendia a usar o cabelo bagunçado por vezes, talvez isso refletisse a personalidade extremamente selvagem dele.
Se contentava em pelo menos ter aparado as pontas que tanto o estavam incomodando por já começarem a se enrolarem na nuca.
Fazia anotações em um bloco de notas, quando o celular de contato que Aquiles havia o dado tocou.
Receoso, ele permaneceu paralisado por alguns instantes, observando o aparelho vibrar em cima da mesa de centro, enquanto o nome de seu irmão brilhava na tela. Não estava receoso por Aquiles lhe ligar, afinal, ele já havia se aproximado tanto de ser irmão que conversavam praticamente todos os dias, tinha de admitir que havia se apegado a Aquiles, mas tinha a convicção de que uma ligação àquela hora da noite era muito suspeita.
Resolvendo que não deixaria o irmão esperando ser atendido, Dorian rapidamente pegou o aparelho e o levou até o ouvido.
— Aquiles. – Disse.
— Dorian. – Respondeu a voz baixa do outro lado – Pensei que não fosse me atender.
— Estava um pouco ocupado.
— Ainda o caso do senador?
— Sim, está sendo um desafio, mas acredito que tenha encontrado uma solução.
— Nunca duvidei de que fosse conseguir. Mas mudando um pouco de assunto, poderia vir aqui fora por alguns minutos?
Diante daquela última frase, Dorian se sentiu um pouco receoso, não era possível que Aquiles estivesse ali. Sabia que seu irmão era abusado, aprendera a reconhecer aquela característica nele com o tempo de convivência, mas se suas suspeitas fossem confirmadas, Aquiles era mais destemido do que pensara.
Correndo em direção à janela, a abriu, sentindo a brisa gelada da noite, e observou o beco escuro que ficava logo abaixo. Não conseguiu ver muita coisa, a sombra que o prédio vizinho projetava sobre o lugar o deixava em um completo breu, mas obteve a resposta que procurava quando a voz de Aquiles soou novamente:
— Não vai conseguir me enxergar se continuar apenas olhando pela janela. Eu posso te ver, mas você não pode me ver.
— Então por que não sai das sombras e sobe até aqui se quer tanto falar comigo?
A risada contida de Aquiles ecoou do outro lado, antes que ele respondesse.
— E correr o risco das suas amigas federais me virem através das câmeras que tem aí? Eu não sou estúpido, Dorian. Por favor, desça até aqui, prometo que não demorará.
Ainda hesitante, Dorian se afastou da janela e buscou por um casaco para vestir, enquanto dizia, antes de encerrar a ligação:
— Estou confiando em você, Aquiles, espero que não seja nenhum truque.
Dorian nunca se sentira muito confortável com aquele beco entre o galpão e o prédio vizinho, sabia que ele poderia muito bem servir de esconderijo para que qualquer pessoa suspeita se abrigasse ali. A prova disso era Aquiles se escondendo e só se permitindo ser visto quando Dorian adentrou o beco, forçando os olhos para tentar enxergar algo.
Só depois que foi chamado, que Aquiles se aproximou, seus cabelos loiros foram a primeira coisa a aparecer em meio a escuridão. O sorriso ao ver o irmão foi a próxima coisa que Dorian notou no mais velho. E apesar daquele encontro ser terrivelmente suspeito, não pôde deixar de se sentir um pouco melhor ao ver e abraçar o irmão. Era estranho ter a sensação de já ter visto Aquiles muito antes de conhecê-lo no hospital, mas mesmo que possuísse aquele sentimento estranhamente familiar, Dorian tinha a convicção de que nunca havia visto o irmão antes.
Deixando os pensamentos de lado, se escorou na parede e perguntou diretamente:
— Então, o que queria falar comigo?
— Nada em especial, na verdade. – Respondeu Aquiles, enfiando as mãos nos bolsos da calça social – Nosso pai apenas ficou preocupado com você por estar muito próximo à explosão e pediu que eu viesse examiná-lo pessoalmente.
Franzindo o cenho em estranheza, Dorian questionou:
— Mas por que isso agora? Eu já fui examinado, o médico já disse que estou bem, inclusive já voltei a trabalhar.
— Eu o entendo, mas uma das coisas que precisa saber sobre o papai é que ele não confia muito nas pessoas que não pertencem ao mesmo círculo que ele. Isso inclui, médicos que ele não conhece. Eu até tentei argumentar, mas não seria maluco de desobedecê-lo.
— Ele não iria machucá-lo se o desobedecesse... não é? – Questionou Dorian receoso.
Aquiles abriu mais um sorriso diante da pergunta e da postura receosa do irmão mais novo e se aproximou, deixando uma risada curta escapar.
— É claro que não, Dorian, mas eu não gosto de desagradá-lo. Ele só quer se assegurar, por um lado eu o entendo.
Coçando a cabeça, visivelmente constrangido, Dorian se desencostou na parede e diminuiu a distância que tinha do irmão. Deu de ombros, finalmente se rendendo e respondeu:
— Bom, se é só isso, vá em frente. Pode me examinar, estou intacto.
Tocando o rosto de Dorian com uma mão, Aquiles ergueu os cabelos que caíam timidamente sobre a testa, analisando os pontos que eles ocultavam. Por sorte, ou não, o ferimento de Dorian havia sido perto o suficiente do couro cabeludo e poderia ser disfarçado o suficiente.
Parecendo saber exatamente onde Dorian havia se lesionado, a mão desocupada de Aquiles se dirigiu exatamente para a costela que havia sido ferida, fazendo Dorian se sobressaltar e se afastar, emitindo um chiado de dor.
— Está intacto? – Questionou Aquiles, ironicamente.
— Quase intacto. Minhas costelas ainda doem.
— Fraturou alguma?
— Por sorte não, mas ainda doem com qualquer movimento brusco que eu faço.
Um resmungo indecifrável foi a única coisa que escapou de Aquiles, que não conseguiu disfarçar muito seu descontentamento e sua preocupação, ainda que Dorian estivesse relativamente bem.
— Vou comunicar isso a ele. – Anunciou finalmente.
Sentindo um arrepio correr por sua coluna, Dorian soube que dizer que ele havia se ferido mais seriamente do que pensavam não era uma boa ideia. Dependendo da reação de Corbeau, poderia ser prejudicado naquele caso.
— Não, Aquiles, eu não quero que diga nada.
— Dorian...
— Apenas dessa vez me escute. Eu não posso dar um passo fora da linha nesse caso, se Corbeau reagir ou fizer qualquer coisa para se vingar somente porque estou com alguns hematomas, eu estou arruinado. E não somente eu, toda a unidade. Pelo menos uma vez, me deixem agir por minha própria conta, sem tentarem se vingar ou me defender por qualquer coisa que aconteça.
Por alguns instantes, Aquiles permaneceu austero, encarando Dorian sem demonstrar o que se passava em sua mente naquele momento. Mas no fundo ele entendia o irmão, talvez estivessem mais prejudicando Dorian do que ajudando.
Abria a boca para dar uma resposta quando ouviu um ruído suspeito vir de cima deles, erguendo os olhos rapidamente pôde notar algo caindo na direção de Dorian e teria o machucado se Aquiles não fosse tão rápido em seus reflexos e saltasse sobre o irmão, o empurrando para o lado e o protegendo com o próprio corpo.
O impacto que Dorian sentiu no corpo ao aterrissar de modo tão brusco no chão, fez o ar escapar totalmente de seus pulmões, principalmente porque a costela ferida reclamou com mais aquele choque que levara. Teria resmungado de dor se dispusesse de algum fôlego.
Uma série de xingamento lhe veio à mente, pronto para proferi-los contra Aquiles, mas ao ouvir o barulho de algo se quebrando, voltou sua atenção para o alto, vendo algumas telhas do prédio vizinho se desprenderem do alto e caírem na direção deles. Se forçou a recobrar o fôlego e reagir. Voltou o olhar para Aquiles, na intenção de puxá-lo para saírem dali, mas quando notou o irmão caído desacordado e com a testa sangrando, sentiu o desespero tomar conta de si.
As telhas haviam parado de cair e apenas um cenário de cacos estava ao redor deles, mas Dorian não sabia exatamente o que poderia vir a seguir. Estavam sozinhos, em um beco sem qualquer tipo de iluminação, expostos, sem saber quem ou o que havia causado aquele desabamento e pior ainda, com Aquiles desmaiado e ferido.
Não poderia ficar ali parado, se arrastou na direção do mais velho e tocando seu ombro, o chamou, na esperança de ser respondido ou pelo menos de acordá-lo.
— Aquiles. Aquiles, acorda. Vamos, não podemos ficar aqui!
Diante da falta de reação, Dorian tomou o irmão no colo, o segurando pelos braços e se levantando, pronto para sair dali. Não estava disposto a continuar naquele beco à espera de saber o que poderia acontecer.
Internamente travava uma batalha, não queria levar Aquiles para o galpão para que não o vissem pelas câmeras, tampouco queria permanecer na rua, exposto e sozinho. Tinha certa dificuldade de arrastar Aquiles para fora do beco, o peso e o fato de ele não possuir reação alguma não colaboravam para que o trabalho de Dorian fosse fácil.
Quando finalmente saiu do beco e a iluminação de um poste incidiu sobre eles, Dorian pôde finalmente ver o quanto a cabeça de Aquiles sangrava, aquilo bastou para o completo desespero tomar conta de si, e uma decisão arriscada ser tomada. Não ficaria ali na rua com o irmão, tampouco arriscaria a vida dos dois.
Olhando para todos os lados, notou que a rua estava vazia, não havia uma alma viva sequer, qualquer coisa poderia acontecer com eles e ninguém notaria.
— Vamos, Aquiles, acorda! – Cobrou mais uma vez, enquanto continuava arrastando o mais velho.
Agradeceu quando finalmente entrou no galpão e fechou a porta a trancando, pelo menos estavam um pouco mais em segurança.
Utilizando o elevador de carga, conseguiu chegar até o andar de cima a arrastar Aquiles até o sofá, onde o acomodou com certa dificuldade e ajeitou uma almofada para que sustentasse sua cabeça. Ainda sem saber ao certo o que fazer, Dorian permaneceu perdido por alguns instantes, mas quando finalmente tomou a atitude de buscar o kit de primeiros socorros, escutou o celular tocar. Daquela vez, o que usava para se comunicar com Melina e Max.
Hesitou novamente por alguns segundos, sentindo as batidas do coração aumentarem cada vez mais. Mas sabia que se não atendesse, Melina saberia que alguma coisa havia acontecido. Então, rapidamente atendeu a ligação, forçando sua voz a sair o mais naturalmente tranquila possível.
No entanto, nem mesmo toda a atuação de que Dorian dispunha, foi capaz de deter Melina bradando do outro lado:
— Dorian, o que está acontecendo aí?
— Acontecendo? Nada. Não houve nada.
— Como não? Sua tornozeleira emitiu alerta assim que pôs os pés para fora do galpão. Onde você foi?
Dorian estranhou aquela informação, até onde sabia, ainda continuava nos limites do galpão.
— Mas ela não emite alerta somente quando ultrapasso os cinco quilômetros?
— Pela noite ela emite se você ousar colocar os pés para fora daí.
— Essa informação vocês não haviam me dado.
— Estou te dando agora. Onde estava?
Tentando desviar novamente do assunto, Dorian mentiu:
— Em lugar algum, Mel. Eu estava aqui o tempo todo, não coloquei um dedo para fora.
— Para de mentir, Dorian, eu te liguei três vezes e você não atendeu.
Três vezes? Aquilo era o recorde de Melina, geralmente na segunda tentativa ela já teria saído de sua casa e ido para o galpão. Temendo aquela personalidade impulsiva da agente, Dorian tentou novamente ludibriá-la, fazendo o possível para que ela não tomasse qualquer iniciativa de ir até ali.
— Eu estava no banho. Por isso não atendi.
Por alguns segundos, a ligação ficou muda e ele até pensou que tinha conseguido convencer Melina, mal sabia ele o que se passava na mente daquela agente. A calma que ameaçou incidir sobre Dorian evaporou quando a voz de Melina soou ameaçadora antes que a ligação fosse encerrada:
— Você pediu por isso, Dorian.
— Pedi pelo quê?... Mel... Melina, está me ouvindo?
Quando notou que estava falando sozinho e que Melina já não estava mais em ligação com ele, Dorian esbravejou, sabendo exatamente o que ela estava fazendo naquele momento. Não poderia deixar que Melina visse Aquiles ali, mas ao mesmo tempo, não poderia deixar o irmão sangrando e ferido daquela maneira.
Não foi muito difícil decidir o que faria naquele momento. Rapidamente se aproximou dele e se abaixou, pegando a caixa com os curativos e estancando o sangramento para depois limpá-lo. Já estava quase finalizando e colocando algumas bandagens quando notou as sobrancelhas de Aquiles franzirem e um resmungo vir dele, enquanto os olhos estremeciam levemente e se abriam vagarosamente.
— Aquiles? – Chamou – Consegue me ouvir?
Esperou mais alguns segundos até que o irmão estivesse completamente desperto e que seus olhos corressem por todo o galpão, analisando onde estava. Quando finalmente entendeu, Aquiles se levantou bruscamente, se sentando no sofá e levando a mão até a cabeça, fechando os olhos com força, para tentar conter a tontura.
— Ai... – Resmungou – Não acredito que me trouxe para dentro, Dorian.
— Não tive escolha. Não sabia o que mais poderia nos acontecer, se poderiam nos atacar novamente.
— Hum... nesse caso está perdoado. Conseguiu ver quem nos atacou?
— Não, estava muito escuro. Também não quis arriscar.
— Não tem problema. Fez bem em não se expor. – Notando os curativos nas mãos de Dorian e o quanto ele havia feito uma tremenda bagunça, Aquiles abriu um sorriso divertido e pegou algumas gases e uma solução dentro da caixa – Você não é muito bom como médico particular.
— Eu tentei.
— Deixe-me cuidar disso, está bem?
Se levantando vagarosamente, Aquiles caminhou em direção ao banheiro que Dorian havia apontado, cuidando ele mesmo dos próprios ferimentos, enquanto Dorian arrumava toda a bagunça que havia feito. Um certo silêncio recaiu sobre o galpão por um tempo, enquanto cada um se mantinha concentrado no seu afazer. No entanto, o ambiente foi tomado por certa tensão quando a porta do galpão de abriu e Melina passou rapidamente por ela, com Max a seguindo de perto. Parando bem ao centro, ela dirigiu um olhar cortante para Dorian, que permanecia paralisado, com os olhos arregalados e completamente sem ação.
Engolindo em seco, ele tentou disfarçar, abrindo um sorriso e relaxando os ombros, enquanto se aproximava delas, na tentativa de evitar que vissem Aquiles no banheiro.
— Não sabia que vinham uma hora dessas. O que fazem aqui?
— Você já foi melhor nisso, Delyon. – Respondeu Max – Não seja burro e fale de uma vez o que está havendo, porque não vou te perdoar por fazer Melina me tirar da minha cama quentinha.
— Eu já disse a ela que não está acontecendo nada, mas ela é obcecada demais, sempre acha que estou fazendo algo errado.
Tornando a expressão ainda mais severa, Melina diminuiu a distância que tinha de Dorian, praticamente colando seus corpos e erguendo a cabeça para olhar bem dentro dos olhos dele. Sabia que ele não conseguia manter a postura sempre que ela estava a uma ínfima distância dele, e era justamente aquela estratégia de intimidação que usaria naquele momento.
— Pensa que sou idiota, Dorian? O conheço muito bem para saber que está aprontando algo, não tente me enganar porque você não consegue mais.
Tentando apelar para o sentimento dela e para a manipulação, Dorian tornou a expressão terna e inclinando a cabeça para o lado abriu um sorriso, respondendo:
— Meu bem, eu sei que te dei motivos o suficiente para desconfiar de mim, mas juro que dessa vez...
Antes que Dorian pudesse terminar a frase, Melina rapidamente agarrou as bochechas dele com a mão, apertando e interrompendo sua fala, o puxou para baixo, diminuiu ainda mais a distância e com a voz extremamente baixa, ralhou:
— Se pensa que piscando esses olhinhos bonitos e usando essa voz mansa vai me manipular, está muito enganado. Já conheço bem seus truques.
Antes que ele pudesse formular qualquer outro argumento, Melina o soltou e caminhou decididamente na direção que Dorian tanto queria evitar que ela alcançasse. Em uma última tentativa de evitar uma confusão, que já se encontrava praticamente armada, Dorian agarrou o braço de Melina, tentando detê-la.
— Mel, por favor...
— Eu acho melhor sermos francos de uma vez, Dorian. – Soou a voz de Aquiles, vinda do banheiro.
Enquanto os outros três paralisavam em seus lugares, Aquiles saiu lentamente do cômodo, mostrando suas feições tranquilas, como se não se importasse com nada do que estava acontecendo. Um curativo já havia sido feito em sua testa, enquanto a camisa ainda se mantinha um pouco úmida e suja de sangue.
Calmamente, ele caminhou na direção das agentes e parou ao lado de Dorian, levando suas mãos aos bolsos da calça e abrindo um sorriso simpático. Dirigiu um olhar sugestivo para o irmão, como se esperasse ser apresentado, enquanto as agentes permaneciam estáticas e um pouco confusas. Embora já soubessem exatamente do que se tratava aquilo.
Sem ter mais nenhuma saída, Dorian deixou os ombros caírem e um suspiro escapar de sua boca antes de dizer:
— Mel, Max, esse aqui é o Aquiles, ele é meu...
— Não precisa terminar. – Interrompeu Max – É autoexplicativo e óbvio que ele é seu irmão. Parecem ter saído da mesma mãe inclusive.
— Isso facilita as coisas, não? – Zombou Aquiles, concentrando seu olhar nas duas – Por favor, não briguem com ele, Dorian estava apenas me ajudando.
Os olhos de Melina semicerraram, enquanto ela cruzava os braços, parecendo extremamente cética e desconfiada.
— Ajudando?
— É, aconteceu um pequeno acidente com o telhado do prédio vizinho. Construções antigas, sabem como são.
Se Dorian pensava que mentia bem, naquele momento tinha de admitir que Aquiles era incrivelmente melhor. A voz dele nem sequer tremia e ele não demonstrava nenhum tipo de hesitação em seus movimentos, ele fazia tudo parecer muito natural. Começava a acreditar que aquele era um dom de família.
— E o que fazia aqui uma hora dessas? – Questionou Max, juntando sua desconfiança à de Melina.
— Eu só vim visitá-lo.
— Visitá-lo ou trazer um recadinho do seu pai?
— Não sei do que está falando, agente. Eu só queria ver meu irmão.
— E para vê-lo age como se fosse um criminoso, sempre se escondendo nas sombras e esperando o momento mais oportuno para aparecer. Engraçado que nunca o vimos antes. Como resolve aparecer somente agora?
O brilho nos olhos do irmão, juntamente com o leve sorriso que insistia em curvar seus lábios para os lados, fez Dorian se sentir instantaneamente tenso, ele conhecia bem aquela expressão. Não pelo irmão, mas por ele mesmo. Sabia que nada de bom viria dali, e sabendo do curto pavio que Maxine possuía, tinha a convicção de que aquele diálogo não acabaria nem um pouco bem.
Tentando evitar que o pior acontecesse, se adiantou e aproximando-se da amiga, tentando argumentar:
— Nós nos conhecemos há pouco tempo, Max.
O semblante das duas revelavam que nenhuma delas tinha acreditado naquele argumento. Ao que parecia, ele já não conseguia enganá-las mais, principalmente porque aquele era um cenário que ele não havia previsto, tampouco havia tido tempo para elaborar qualquer outro plano.
Sentindo a mão de Aquiles em seu ombro, Dorian se voltou para o irmão notando o sorriso reconfortante que ele lhe lançava, juntamente com um olhar seguro de quem sabia o que estava fazendo. Ele estava assumindo a postura de irmão mais velho e protegendo Dorian.
— A verdade, agentes, é que não apareci antes justamente por temer essa abordagem de vocês. – Justificou ele – Tomei conhecimento do Dorian há pouco tempo e quis me aproximar, mas sabia que não seria fácil justamente porque vocês se mostram extremamente receosas acerca das pessoas próximas a ele.
O sorriso convencido de Aquiles e a postura extremamente segura fez o sangue de Max ferver, porque ela sabia que no fundo, por trás daquela face e da fala polida havia um sarcasmo e um deboche escondido. Sabia que Aquiles estava jogando com elas. Teria respondido algo, se Melina não tivesse previsto que nada de bom sairia de sua amiga e tomasse à frente, parecendo mais calma a controlada.
— A questão, senhor... como devo chamá-lo?
— Aquiles. Nada de senhor.
Aquele homem era mais astuto que Melina pensara, ele não caíra na armadilha, nem mesmo no blefe dela ao perguntar como queria ser chamado. Não lhe revelara seu sobrenome. Tampouco havia exposto quem realmente era.
— Aquiles. – Retomou ela – A questão é que Dorian ainda está sob nossa custódia, acredito que já deva ter conhecimento disso. – Quando ele apenas balançou a cabeça concordando, ela continuou – Então é mais do que claro que devemos sempre saber com quem ele se relaciona, quem está próximo dele e que a segurança dele é nossa prioridade. Não pode nos culpar por tentar protegê-lo de certa forma.
— E eu não as culpo. Pelo contrário, admiro e agradeço por isso. Mas não precisam desconfiar de mim. Eu só quero conhecer meu irmão.
Cansada da atitude passiva e calma de Melina, Max resolveu quebrar a calma que se estabelecera, e avançou na direção de Aquiles, rilhando os dentes e bradando:
— Já chega desses joguinhos, nós não vamos cair nas suas desculpas, sabemos muito bem que está associado a Corbeau.
As sobrancelhas de Aquiles se arquearam tanto que praticamente se uniram aos fios loiros do cabelo, enquanto Dorian praticamente se escondera atrás do balcão, sem saber o que mais poderia fazer.
— Eu? Associado a Corbeau? – Questionou Aquiles, parecendo surpreso – Não poderia estar mais engada, agente. Não tenho qualquer tipo de contato com ele.
— Pode mentir o quanto quiser, loirinho, nessa eu não caio. Você cometeu um grande erro vindo até aqui hoje, porque só vai sair desse galpão algemado.
— E sob que acusação?
— Já não é óbvio?
— Não para mim.
— Eu não vou repetir.
Notando que Maxine começava a se exaltar mais do que deveria, Aquiles abriu ainda mais seu sorriso e se atreveu até mesmo deixar uma risada escapar, enquanto respondia com tranquilidade:
— Eu não estou associado a nenhuma atividade de Corbeau, agente, apenas dei o azar de nascer filho dele, o que foi exatamente o que aconteceu com Dorian. Ele também é filho do Corbeau e nem por isso tem contato com ele, tampouco está relacionado com o que ele faz, não é mesmo? Estou certo?
Quem respondeu foi Melina, que com voz baixa concordou:
— Está.
— Pois bem, da mesma forma eu me encontro em situação igual. Não pedi para nascer em uma família de criminosos. Muito menos pedi para carregar esse fardo de sempre pensarem que trabalho para ele. Se conseguirem provar que o ajudo e faço parte do que Corbeau exerce, irei acompanhá-las de bom grado e não resistirei, mas caso contrário sairei daqui pela porta da frente. Não podem me prender baseadas somente em suposições e pressentimentos que têm sobre minha pessoa.
Tanto a expressão de Maxine quanto a de Melina permaneceram as mesmas. Demonstrando extremo incômodo e raiva.
Dorian sentia que a qualquer momento uma verdadeira briga aconteceria naquele lugar e temendo presenciar tudo, abaixou a cabeça e fechou os olhos com força, desejando ardentemente que nada daquilo fosse real.
Porém, seu pedido não foi atendido, diante do silêncio estarrecedor que ocupara o galpão, a voz de Aquiles soou novamente, mansa como sempre:
— E então... posso ir embora?
Diminuindo a mínima distância que já havia entre eles, Max se aproximou, encarando fixamente o rosto de Aquiles e fazendo questão de soar o mais ameaçadora possível.
— Da próxima você não escapa.
— E haverá uma próxima? – Provocou Aquiles de volta.
Sem obter nenhuma resposta, ele sorriu cinicamente e quebrando o contato visual, se voltou para Dorian. Chamando a atenção do irmão, ele deixou um tapinha carinhoso em sua bochecha e bagunçou seus cabelos.
— Nos vemos depois. – Resmungou para que só Dorian pudesse ouvir.
Calmamente caminhou em direção a mesa de centro e apanhou o celular que havia sido deixado ali, digitou alguma mensagem e depois partiu em direção à saída, mas somente desceu as escadas após se voltar para as agentes e desejar boa noite.
Por alguns instantes, a única coisa que reinou naquele galpão foi o silêncio. Puro e estarrecedor. Melina e Max ainda se mantinham estáticas, encarando Dorian e esperando por alguma reação dele, mas tudo o que ele fez foi deixar uma lufada de ar escapar e endireitar o corpo, dando as costas para as duas e se virando em direção à geladeira.
Pela primeira vez em sua vida não conseguia elaborar qualquer argumento ou lidar com uma situação extremamente constrangedora, era como se tivesse perdido toda a capacidade de se livrar de situações como aquela.
Ainda se mantinha abaixado, encarando a geladeira aleatoriamente, quando a mão de Melina pousou sobre a porta e a fechou. Erguendo os olhos, Dorian notou que ela ainda permanecia parada ao seu lado, com os braços cruzados e esperando por uma resposta.
— O que querem de mim? – Questionou.
— Que responda o que ele realmente estava fazendo aqui.
— Já foi esclarecido, ele veio me visitar. Só isso.
Um suspiro cansado escapou de Melina, enquanto ela deixava a postura ceder e seus olhos se fechavam, parecendo não quere encarar Dorian. Quando voltou a abri-los, uma grande decepção poderia ser notada neles.
Ela não queria retomar uma discussão que sabia que não levaria a lugar algum e, na verdade, ela já estava cansada de estar ali, de tentar achar uma explicação que já era óbvia. Se afastando, ela deu as costas para Dorian e caminhou em direção à mesa de centro, onde tinha avistado as cópias das chaves do galpão, que eram dele.
— Espero que saiba o que está fazendo, Dorian. – Foi tudo o que ela disse antes de sair do galpão, sendo acompanhada por Max e trancando a porta.
Ela havia mesmo trancado Dorian naquele galpão?
Por alguns segundos ele relutou em acreditar, mas depois de passar minutos esperando que ela voltasse ou que atirasse as chaves por debaixo da porta, percebeu que de fato estava trancado. Não que aquilo fosse algum empecilho para ele se quisesse sair daquele galpão, e sem dúvida alguma Melina saberia disso, mas talvez aquilo fosse só uma maneira dela de demonstrar o quanto a confiança nele havia sito abalada e o quanto havia passado de certos limites.
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