07| Inferno - Parte 1
QUANDO abriu os olhos novamente notou certa voz conversando com ele, não sabia quem era, mas tinha a certeza de que o questionava sobre algo. O entendimento ainda demorou um pouco para voltar e a visão se ajustava aos poucos. A primeira coisa que teve percepção foi da algema em seu punho direito o prendendo à cama.
Tentou inutilmente puxar o braço, mas foi interrompido pela voz de Max:
— Não é assim que vai abri-la.
Voltou o olhar um pouco assustado para a agente, que estava de pé ao lado da cama, o encarando com os braços cruzados e um semblante bastante irritado.
— Me algemaram! – Constatou ele.
— Você surtou! Simplesmente espancou o médico sem razão alguma e por pouco não quebrou o nariz dele.
— Ele matou a Emily! – Bradou ele, como aquilo explicasse tudo.
Deixando um suspiro escapar, Maxine se acomodou na poltrona e encarou Dorian fixamente, parecendo não acreditar em uma palavra do que ele dissera.
— Um médico? Envolvido com o submundo do crime e ainda cometendo assassinatos?
— Diz isso como se não fosse possível.
— Eu sei que é possível, Dorian, mas uma pessoa com o perfil que você nos relatou dificilmente estaria atendendo em um hospital como esse.
Abaixando a cabeça decepcionado, Dorian analisou os nós dos dedos, constatando os esfolados que havia ali por dar tantos golpes. Sem emoção alguma na voz, disse:
— Se não acredita em mim, então verifique a ficha dele. Revire sua vida e veja o que encontra.
— Nós já fizemos isso. – Rebateu Max, de pronto.
Os olhos de Dorian se voltaram arregalados para ela, como se estivesse incrédulo com a calma que ela apresentava. Sem dúvida alguma haviam encontrado algo, e se haviam encontrado, não havia razão para estar escutando aquele sermão. Mas diferente do esperado, o que ele ouviu fez certa ira se inflamar em seu coração novamente.
— Como?
— Enquanto estava sedado nós verificamos todo o perfil do doutor Jonathan Montenegro, e não constava nada. Quer dizer, constava uma formação com honras, como o primeiro da classe de medicina de 1998, um currículo impecável, algumas especializações e registros nos melhores hospitais do país.
— É tudo mentira! Eu estou falando a verdade, Maxine, ele mente. Foi ele que matou a Emily, foi para ele que fizemos nosso último trabalho, era ele quem estava lá. – Quando Max ainda manteve o olhar austero, Dorian abaixou o tom de voz, tentando parecer menos desesperado quando implorou – Por favor, acredite em mim.
Os olhos vermelhos dele e repletos de lágrimas fizeram a postura de Maxine ceder. Descruzando os braços, ela relaxou os ombros e voltou a se aproximar dele, daquela vez com a expressão mais branda quando disse:
— Por tudo o que já fez, Dorian, e por nossa amizade lhe darei esse voto de confiança. Pesquisarei mais à fundo todas as associações dele e tentarei tirar você daqui o quanto antes. Mas, por favor, não faça mais nenhuma besteira. Mantenha a calma e deixe conosco.
— Prometo.
— Ótimo. Agora preciso ir, Melina foi na frente e seu pai logo chegará.
— Contaram a ele?
— O próprio hospital o comunicou.
Dorian apenas balançou a cabeça, parecendo aquiescer e se calou, se recostando no travesseiro. Não parecia satisfeito, mas resolveu não rebater.
Antes de se afastar, Max apenas deu um leve empurrão no ombro dele, em forma de cumprimento, e lhe dando as costas saiu do quarto o deixando no completo silêncio.
Ponderou por alguns minutos o que poderia fazer, mas chegou à conclusão de que se tentasse alguma coisa, iria piorar sua situação, mesmo que aquela constatação o fizesse se encher de fúria. Nenhum bom sentimento o possuía naquele momento. Estava sedento por acabar com Jonathan ou quem quer que fosse aquele homem. Queria vingança. A mais pura e dolorosa vingança, iria fazê-lo pagar por tudo o que ele lhe havia feito, por ter tirado Emily de si. Mas não poderia agir como havia feito anteriormente, se quisesse de fato se vingar, teria de agir calculadamente.
Quando ouviu a porta começar a se abrir, pensou em qualquer desculpa que pudesse dar a seu pai, mas diferente do que havia pensado, não fora Caíque que passara por aquela porta. Ali, parado à sua frente, estava aquele médico novamente, o encarando com puro deboche estampado em seu rosto ferido. Dorian ainda se questionava o que ele ainda estava fazendo ali.
— Tem punhos muito fortes, Dorian.
A respiração ofegante de Dorian deveria ter servido como aviso, no entanto, ele ainda fez questão de rilhar os dentes e esbravejar novamente:
— O que ainda está fazendo aqui, seu filho da puta?
— Você é meu paciente, preciso assisti-lo.
— Você não é médico, pare de tentar manter a farsa. Não precisa fingir, não tem ninguém aqui, sei bem quem é você e quero que fique longe de mim.
— Eu não pretendo fingir para você, Dorian. Apenas quero esclarecer algumas coisas.
Se levantando subitamente da cama, Dorian tentou se aproximar do médico, mas a algema o impediu.
— Não há nada o que esclarecer. Você matou a Emily e ponto.
— Eu não matei a Emily, Dorian, nada é como você está pensando.
— Fale o que quiser, mas não vou acreditar. Eu vou acabar com você.
Notando que ele não cederia facilmente e tampouco estava disposto a ouvi-lo, Jonathan apenas suspirou e lhe deu as costas, saindo novamente do quarto, mas não sem antes parar na porta para dizer:
— É melhor que saiba que Emily não era quem você pensava e eu vou fazer você abrir os olhos. Teremos tempo.
— Do que está falando?
— Que não sairá daqui, Dorian. Não lhe darei alta.
Não esperando por mais nenhuma resposta, Jonathan bateu a porta atrás de si, deixando Dorian incrédulo com aquela última sentença. Voltando a se sentar sobre a cama, procurou pelo quarto qualquer coisa que pudesse ajudá-lo a abrir a algema e sair dali. Não precisava receber alta para ir embora.
Nos dias que se passaram, Dorian se mostrou mais impaciente e furioso, todas suas tentativas de escapar dali haviam sido frustradas. Era como se mantivessem vigilância constante sobre ele. Para piorar a situação, escutou sermões vindos de seu pai, Helena e Melina, todos os três pareciam não acreditar nele e aquilo fazia uma mistura de decepção e raiva se inflamar dentro dele. A única que parecia estar a seu lado era Max, que mantinha esforços hercúleos para encontrar algo suspeito sobre Jonathan, mas nenhuma de suas tentativas havia tido o retorno que esperavam.
O médico, no entanto, parecia não se intimidar com a personalidade de Dorian, ainda o visitava pelo menos duas vezes ao dia, sempre acompanhado de alguém, apenas para dar a desculpa de que ainda o deixaria sob observação, mesmo que sua saúde estivesse totalmente recuperada.
Dorian não suportava mais ficar naquele hospital, se sentia um prisioneiro e estava cansado dos joguinhos de Jonathan, e em certo dia, resolvera pôr um fim em toda aquela história. Talvez se prejudicasse, mas estava farto de esperar pacientemente, de forçar uma calma que nunca havia sido sua.
Em certo dia, ele se aproveitou da distração dos enfermeiros, fingindo dormir profundamente quando eles visitaram seu quarto. Convenientemente, estava sozinho naquela tarde, o que favorecera para que seu plano fosse posto em prática.
Assim que teve a oportunidade, abriu lentamente a porta do quarto, verificando se havia alguém no corredor e aproveitando que naquele minuto ninguém vagueava por ali, se esgueirou por outros corredores, sempre atento aos enfermeiros que passavam e se escondendo sempre que podia.
Poderia tentar mais uma fuga, mas sabia que aquilo era exatamente o que esperavam dele, sem dúvida estariam atentos a qualquer saída dali. Mas naquele dia, fugir não era sua opção, na verdade, se não podia ter alta por bem, teria alta por mal.
Sabia muito bem que direção tomaria e quando viu o descuido de uma enfermeira com o equipamento que carregava, deixando uma bandeja com curativos e uma tesoura em cima de um balcão, ele se aproveitou, pegando o objeto pontiagudo e marchando rapidamente para o corredor desejado.
Quando encontrou a sala que procurava, abriu a porta lentamente, avistando Jonathan de costas para ela, parecendo analisar algo que tinha em suas mãos. Entrou silenciosamente, mas fez questão fazer barulho ao trancar a porta. O médico, no entanto, parecia já esperar por alguém, quando se virou dizendo:
— Que bom que chegou, Maria, eu estava procurando... – Parou abruptamente ao encarar Dorian parado à sua frente, segurando firmemente a tesoura – Dorian, não deveria estar aqui.
— Tem toda razão. Eu deveria estar na minha casa, ter voltado para meu trabalho, mas eu continuo aqui. Por sua causa. – Respondeu ele, levantando a ponta da tesoura e direcionando diretamente para Jonathan.
O médico levantou as mãos em rendição, se afastando lentamente, abrindo o máximo de distância que podia.
— Não é assim que se resolvem as coisas, rapaz.
— Acha que não sei? Só que você me forçou a isso. Me fez passar por mentiroso e agora ninguém acredita em mim quando digo que você é um assassino.
— Porque eu de fato não sou.
— Pare de mentir. – Berrou Dorian, diminuindo a distância – Me deixe ir embora e acabamos logo com isso.
— Eu não posso.
— Não pode por quê? Vai querer me matar também? Que serventia eu tenho para você?
— Nenhuma, mas é meu dever.
Diante daquela frase, Dorian hesitou, não saberia o que pensar, mas tinha a ligeira impressão de que o dever a que Jonathan se referia não era o dever médico. Se forçou a recobrar a postura e firmou a tesoura na mão, mantendo os olhos fixos no médico. Se sentia um lunático fazendo aquilo, principalmente porque sua aparência não devia ser das melhores e o pijama que haviam levado para ele também não ajudava em nada.
— Estou pouco me fodendo para seu dever, me tira logo daqui.
— Dorian, tem que acreditar em mim quando digo que é para seu próprio bem. – Respondeu Jonathan, parecendo realmente sincero – Se pudesse já tinha o deixado ir, mas não posso.
— Meu bem! – Desprezou Dorian – Desde quando quer meu bem? Desde quando matar a esposa de alguém é fazer o bem?
— Eu já disse que Emily não era quem você pensa. Ela era perigosa e mentia para você. Estava te colocando em risco.
— Pare de inventar coisas, porra!
Notando certo vacilar na postura de Dorian, Jonathan abaixou os braços e lentamente diminuiu a distância entre eles.
— Eu não estou inventando, você mesmo já deveria desconfiar, mas estava cego demais para ver claramente. Ela estava te usando.
— É mentira!
— Mentira era o que ela disse para você todo o tempo que passaram juntos. Mentira é ela fazer você pensar que estava morta.
A última frase, fez os olhos de Dorian se arregalarem e a respiração já ofegante se acelerar. O coração disparou dentro do peito, causando até mesmo certo zunido em seus ouvidos, a garganta se fechou e de repente ele se sentia zonzo demais para responder alguma coisa. Sem deixar que ele se recuperasse, Jonathan continuou:
— Emily está viva, Dorian.
— Não. Não, eu vi. Eu a vi, ela estava morta, eu... eu...
— O que você viu foi uma ilusão. Ela de fato estava muito ferida, mas não morta. Também pensei que tivesse concluído o serviço, mas ela é mais astuta que nós dois. A mim ela enganou com teatro, quanto a você, só pensou que a havia perdido porque entrou em choque.
Erguendo os olhos vermelhos e banhados em lágrimas, Dorian encarou Jonathan e rilhou os dentes antes de responder:
— Estava até agora negando que a havia matado, mas acabou de admitir que fez o serviço.
— E eu de fato não a matei. Acabei de lhe explicar que ela me enganou.
— Então por que fez isso?
A voz de Dorian já não soava mais com tanta fúria, na verdade, parecia cansado, exausto por não saber de coisas que aconteciam em sua própria vida. Notando o abatimento dele, o médico tornou a voz mais branda, na tentativa de fazê-lo se acalmar e compreender.
— Fiz porque seu pai pediu. Assim como me pediu para mantê-lo aqui agora, tudo o que fiz foi proteger você, Dorian.
— Não é possível. – Riu Dorian, com certo amargor tomando sua voz – Tudo gira em torno dele, a minha vida está virando um inferno.
— Sempre foi, você que não percebia. Ser filho do Corbeau sempre te colocou em risco, Dorian, a diferença era que antes as pessoas não sabiam exatamente quem você era, e quando se aproximavam, ele tomava precauções para que você não fosse exposto, colocando pessoas para protegê-lo. Como é meu caso e o caso da própria Emily.
— Como é? Ela... ela também...?
— Trabalhava. Ele a deixou na sua vida porque notou o quanto você a amava e pensou que talvez ela também te amasse. Mas ela traiu a confiança dele, estava fazendo um jogo duplo e iria te entregar para um dos maiores inimigos dele. Por isso, ele me pediu para matá-la.
Cansado e confuso ao ouvir tudo aquilo, Dorian levou as mãos à cabeça, tapando os próprios ouvidos, como se com aquele gesto pudesse afastar toda a sombra que rodeava sua vida, toda a podridão que acabara de ter conhecimento, com aquilo tentava se esconder, tentava fugir da verdade finalmente exposta à sua frente. Porque no fundo ele sabia que Jonathan tinha razão. No fundo, ele nunca confiara totalmente em Emily e sua intuição sempre parecia estar berrando para que ele a ouvisse, mas a amava demais para ver o óbvio.
Diminuindo totalmente a distância entre os dois, Jonathan conseguiu finalmente tomar a tesoura das mãos de Dorian, enquanto tentava abraçá-lo. Não conseguiu, no entanto, Dorian se desviou rapidamente, se afastando completamente e parando praticamente do outro lado daquele consultório.
— Fica longe de mim. – Berrou.
— Dorian, eu só estou tentando te ajudar. Você tinha que saber a verdade.
— Pare de falar! Eu não quero saber de mais nada, vocês me manipularam e mentiram para mim a vida toda.
Mais uma vez Jonathan se aproximou, mas daquela vez Dorian não se afastou, foi contido quando o médico segurou seu rosto, o forçando a olhar para ele. Sem ter mais força para resistir, ele cedeu.
— Escuta, eu sei que está confuso e assustado, que é tudo muito novo para você, mas precisa confiar que seu pai só quer o seu bem. E é por isso que preciso te manter aqui, as coisas estão muito ruins lá fora. Quando puder sair terá todas as respostas que quer, mas por enquanto, terá que ficar.
Dorian teria respondido ou reagido, se não tivesse voltado a sentir uma fraqueza e sonolência fora do comum e foi só quando Jonathan afastou a mão de seu pescoço que ele notou que o médico o havia sedado novamente. Ele sequer havia percebido a movimentação dele, de qualquer forma, não havia mais como escapar. Quando seus joelhos cederam, Jonathan o emparou, se sentando no chão, o aconchegando no colo, enquanto dizia:
— Você não me deixa muita escolha, sempre tenho que andar com um desses quando se trata de você. Mas vai ficar tudo bem.
A última coisa que sentiu foi seu corpo sendo acomodado no chão.
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