03| Enquanto você não volta - Parte 3

O SONO AGITADO de Dorian deixara Caíque preocupado, as sobrancelhas dele quase se uniam e a respiração havia se tornado um pouco ruidosa. Temendo que algo ruim estivesse acontecendo com o filho, ele saiu a procura do médico que estava de plantão naquela tarde, mas nada encontrou. Todos pareciam estar ocupados naquele hospital.

Resolveu que não deixaria Dorian sozinho por tanto tempo, voltou rapidamente para o quarto, mas assim que abriu a porta sentiu o coração disparar no peito e uma sensação gélida tomar todo seu corpo. Os músculos paralisaram e a respiração se tornou entrecortada.

Dorian havia se acalmado e voltado ao estado natural de sono, no entanto, a presença daquele homem ao lado dele fez com que Caíque estremecesse. Rapidamente ele fechou a porta e se aproximou a fim de afastá-lo.

— O que está fazendo aqui?

Ainda de costas para Caíque e sem revelar seu semblante, a voz grave daquele homem reverberou:

— Vim visitar meu filho.

— Acho que se enganou de quarto, ele é meu filho.

Uma risada curta, porém, carregada de ironia, preencheu o quarto por alguns segundos. Lentamente, ele se virou para Caíque, revelando as feições extremamente parecidas com as de Dorian, principalmente os olhos bicolores.

Caíque por muito pouco não caiu, forçou as pernas a o manterem de pé quando os joelhos falharam e a respiração falhou. Por alguns segundos, a voz desapareceu e um tremor tomou conta de todo corpo. Ele não era ignorante em relação a quem aquele homem era, o tinha visto vezes o suficiente na vida para nunca mais querer tornar a encontrá-lo. No entanto, ali estava ele, lhe lançando um sorriso irônico e desafiador.

— O que foi? Perdeu a voz? – Provocou.

— Saia daqui. – Foi tudo o que Caíque conseguiu sussurrar.

— Sairei quando eu quiser. Por enquanto, ficarei aqui com meu filho.

— Eu já lhe disse que ele não é seu filho. Você sequer participou da vida dele, sequer lhe mostrou seu rosto em algum momento.

— O fato de eu nunca ter me mostrado não significa que ignorei sua existência ou que não cuidei dele. Muito pelo contrário, eu zelei por Dorian a vida toda.

Sentindo uma súbita raiva tomar todo o corpo, Caíque diminuiu a distância entre eles, e encarando aquele homem nos olhos, o desafiando, retorquiu:

— Mesmo? Então onde você estava quando fizeram isso com ele?

— Eu posso fazer a mesma pergunta a você, Delyon. Onde estava?

Aquela frase o atingiu em cheio, já havia se martirizado por tudo o que acontecera a Dorian, mas ouvir aquela frase virar contra si e dita pelo próprio Corbeau fez Caíque se sentir miserável.

— Eu nunca tive poder para protegê-lo o tempo todo,... Cobeau. Eu fiz o que pude, o que estava ao meu alcance.

— Então não me julgue por ter falhado dessa vez. Já o salvei mais vezes do podem sequer pensar.

— Eu nem imagino as medidas que tomou para isso. – Respondeu Caíque, irônico – É por isso que fiz questão de deixá-lo longe de você. Para que ele não soubesse que tipo de homem era o pai dele.

Deixando uma risada desgostosa escapar, Corbeau deu as costas para Caíque e se acomodou na poltrona, dirigindo os olhos repletos de monotonia para o outro, que ainda continuava de pé.

— Por favor, me poupe de seu drama, Delyon. Pare de me colocar como vilão dessa história, nós dois sabemos que a verdadeira criatura perversa por trás de tudo isso era Celine.

— Não se atreva a falar da minha esposa! – Bradou Caíque, irritado.

Corbeau, no entanto, sequer fazia questão de reagir à fúria daquele homem, apenas levou o dedo aos lábios sinalizando para que ele se aquietasse.

— Shhh, fale baixo. Dorian está dormindo. Além disso... Caíque... você precisa mesmo parar de defender aquela mulher. Ela manipulou e enganou nós dois. Tudo o que eu fiz foi porque me importo e amo o Dorian. Eu só queria o meu filho. E ela, sem o menor remorso me afastou dele. Não deixou nem mesmo você ser de fato um pai para o garoto. No fim, nenhum de nós dois foi um bom pai para ele.

Por longos segundos o silêncio tomou aquele quarto, Caíque havia paralisado, atingido por cada frase que ecoara da boca do homem diante de si. Os olhos procuraram novamente por Dorian e permaneceram o observando dormir, alheio à discussão que seus dois pais tinham.

Não queria ter de concordar, mas Corbeau estava certo. Nenhum dos dois foi de fato o pai que Dorian merecia.

Ainda assim, aquele argumento que Corbeau lançava, ainda não era capaz de convencer, Caíque. Tomando uma longa respiração, ele rebateu:

— Não que eu quisesse que isso acontecesse, mas se gaba tanto do poder que tem. Poderia facilmente ter a guarda de Dorian quando quisesse.

— Tem razão, Delyon, mas por mais que me doesse, tive que abrir mão dele. Não queria que Dorian fosse exposto ao mundo em que vivo. Admito que ele estava mais seguro com vocês.

— Oh, mas que bom pai você é. – Ironizou.

O semblante impassível de Corbeau desapareceu naquele instante. Até o momento, ele tentava não se importar com as acusações de Caíque, mas sua paciência nunca foi muito longa. Se apoiando nos braços da poltrona, ele se levantou vagarosamente, os olhos permaneciam cravados em Caíque, enquanto se aproximava. Sua voz soou pela primeira vez mais grave e ameaçadora.

— Não teste minha paciência, Delyon. Ela é muito curta e você já abusou demais dela.

— Sei bem quem você é, do que é capaz, e não tenho medo. Não faria nada de ruim a mim.

— É mesmo? Quem garante?

— Como disse, você jamais machucaria o Dorian, não faria sequer algo que pudesse magoá-lo, e sabe que se fizer algo comigo o atingiria também.

Um leve sorriso estremeceu os lábios de Corbeau, mas os olhos bicolores ainda continuavam cravados em Caíque, estudando cada traço daquele homem à sua frente, que o desafiava sem um pingo de medo. Não saberia dizer se era uma valentia admirável ou uma burrice cega, mas poucas pessoas foram capazes de demonstrar tamanha confiança como aquele professor. Na verdade, Corbeau nunca encontrara alguém que lhe olhasse daquela forma. Sem medo algum.

Ele tomou uma respiração curta antes de se aproximar um pouco mais, parando com o rosto a centímetros de Caíque, procurando lhe intimidar.

— Você tem razão, Delyon, eu jamais faria algo para machucar ou magoar o Dorian. Eu quero vê-lo feliz e bem. Mas isso não quer dizer que você pode brincar com a sorte, seu único trunfo é tê-lo criado. Sei que ele precisou e sempre precisará de você, mas não pense que está a salvo só por isso.

Mesmo com toda aquela postura imponente, Caíque não recuou. Se forçou a encarar Corbeau nos olhos, devolvendo o olhar confiante. Sabia que estava brincando com o perigo, mas se recusava a ceder àquela intimidação. E ainda que custasse em admitir, sentia seu peito arder com certa raiva que o tomava. Não importava o que diziam, ele era o pai de Dorian, e não admitiria que ninguém diminuísse aquilo.

— Pode dizer o que quiser, repetir quantas vezes achar necessário que é o pai dele, mas nada disso, nenhuma palavra ou convicção sua mudará o fato de que fui quem esteve esse tempo todo ao lado dele. Era eu quem acordava todas as madrugadas com ele chorando nos primeiros meses dele. Era eu quem passava noites e mais noites zelando por ele quando estava doente. Era eu quem o acompanhava até o hospital todas as vezes que ele precisava de atendimento médico. – As frases saíam sem que Caíque tivesse controle, simplesmente saltavam de seus lábios como um desabafo, aumentando cada vez mais o tom de sua voz a cada constatação. Sentia até mesmo os olhos arderem, contendo as lágrimas que ameaçavam escorrer – Fui eu quem o socorreu quando ele caiu de bicicleta quando estava aprendendo a andar, eu fiz cada lição de casa junto dele, eu ouvi todos os problemas que ele tinha com os colegas, cuidei dos ferimentos dele todas as vezes que ele se metia em brigas. Eu o ensinei a se barbear. Eu o levei para comprar o primeiro terno para ir a um baile. Eu o levei na porta da faculdade em seu primeiro dia. Eu estava lá em todas as ocasiões da vida dele. Ocasiões essas que você nunca compareceu, então me perdoe se me sinto no direito de reivindicar a paternidade de Dorian, porque no fundo você não passa apenas de um procriador, Corbeau... ou devo chamá-lo de Conrad?

A reação de Corbeau foi brusca e rápida. Quando percebeu, Caíque se viu prensado contra a parede do quarto, os dedos de Corbeau estavam ao redor de seu pescoço o apertando, a altura, ligeiramente maior, lhe conferia mais vantagem, de modo que Caíque não conseguisse se libertar. Em vão tentou libertar o pescoço daqueles dedos, mas quanto mais lutava mais sem forças se sentia. O ar já não entrava em seus pulmões e tudo o que ele conseguia enxergar eram aqueles olhos diferentes, injetados de puro ódio.

— É melhor tomar cuidado com suas palavras, Delyon, já matei homens por muito menos que isso, e não é porque criou meu filho que está impune de pagar por sua petulância. Se eu quiser, faço você desaparecer e ninguém nunca mais o encontrará.

Quando sentia seu último fôlego se esgotar e a visão começar a escurecer, Caíque conseguiu escutar a única voz que seria capaz de lhe salvar e dar forças naquele momento. Inesperadamente a voz de Dorian soou baixa e rouca, chamando a atenção dos dois.

— Pai... Pai...

Os olhos de Caíque se voltaram imediatamente para ele, e ainda que se sentisse sem fôlego esticou a mão em direção ao filho, como se pudesse socorrê-lo de alguma forma e acalmar o sono dele, que mais uma vez se mostrava agitado.

— Do-Dorian... – Balbuciou quase sem voz.

Corbeau também direcionou sua atenção para Dorian, se esquecendo completamente do que estava fazendo, e foi nesse momento de descuido que Caíque se aproveitou para se livrar dos dedos que o apertavam. Diferente do esperado, porém, ele não revidou, em lugar disso correu na direção de Dorian, ignorando como seus pulmões queimavam pela falta de ar, ou como seu pescoço se tornara incrivelmente dolorido.

Se acomodando na cama, Caíque pousou a mão sobre a testa de Dorian, enquanto a outra subia e descia por seu braço, procurando o acalmar.

— Filho. Calma, eu estou aqui. Dorian, se acalma, está tudo bem. É só um sonho. Eu estou aqui.

Como que por mágica, Dorian se acalmou, ainda permaneceu com o cenho franzido e a respiração um pouco agitada, mas seus movimentos bruscos haviam cessado. Resmungou algumas coisas inaudíveis por alguns segundos e depois se aquietou, voltando para o sono tranquilo. Um certo alívio recaiu sobre Caíque, que apenas abaixou a cabeça para logo em seguida a erguer e encarar Corbeau, esperando que algo fosse dito. No entanto, tudo o que ele fez foi continuar parado ali, por alguns segundos, com os olhos fixos em Dorian, demonstrando certa preocupação e medo. Não demorou muito tempo para recobrar a postura e se voltar para Caíque com a expressão austera de sempre.

— Não pense que isso muda alguma coisa. Eu ainda continuarei aqui e não vou me afastar dele.

Sem sequer esperar por alguma réplica, abriu a porta do quarto e rapidamente saiu, a batendo atrás de si.

Caíque ainda continuava paralisado no mesmo lugar, perplexo com o que havia acabado de acontecer, e assustado com o que poderia ter acontecido se Dorian não houvesse intervindo, ainda que inconscientemente.

Deixando um suspiro finalmente sair, ele se abaixou até ter a testa colada a de Dorian e ali onde estava sussurrar:

— Obrigado. Você salvou minha vida, filho.

"Olá, meu amores, como estão? Então, estão gostando do desenrolar da história?

Vim trazer uma pequena notinha no fim desse capítulo para esclarecer alguns pontos.

Primeiramente, não apoio qualquer tipo de crime que existe nesse livro, muito menos amenizo as ações dos personagens, e por isso resolvi trazer esse alerta (achei um pouco necessário). A intenção aqui jamais foi romantizar o que os personagens fazem, principalmente por parte do Corbeau. Pode começar a parecer para vocês que ele é super protetor com o Dorian, que só é um pai preocupado, mas isso não diminui as atitudes dele. Assim, como Dorian, ele ainda é um criminoso, e pior ainda, perigosíssimo - o que ele fez com o Caíque nesse capítulo é prova - e terá que pagar pelo que faz.

Acredito que a maior questão desse livro, é mostrar que mesmo aqueles que acreditamos serem monstros, na verdade, continuam sendo pessoas, humanos, com sentimentos, medos e traumas como qualquer um. Ainda que isso não justifique coisas erradas que fazem.

Enfim, era só esse recadinho para alertar a todos e esclarecer um pouco mais do que irá acontecer na história. Obrigada a quem leu até aqui. E até a próxima semana.

Beijos,

Rafa."

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