1- Primeiro Encontro
Era madrugada quando Zoe acordou pois sentiu falta de ar.
Ela odiava os hospitais, mas seu papai falou que era necessário, que só assim ela poderia ficar boa de novo.
Ela estava ali há um dia apenas, dessa vez, numa parte do hospital que tem letras engraçadas no nome que ela sempre esquecia. Uma parte só com crianças iguais a ela.
Todas também sem cabelos.
Como ela.
Zoe sentia falta do seu cabelo, mas o papai disse que quando ela ficasse boa ele cresceria novamente, ainda mais bonito.
"Quando ela ficasse boa." O pai dela dizia muito essa frase e, a cada vez, parecia um sonho mais e mais distante.
No quarto que ela estava havia mais uma criança, um menino que estava dormindo desde que Zoe chegou ali. Ela queria brincar, mas ele não acordava!
Ela sentou-se na cama, respirando profunda e calmamente como a médica legal a ensinou e graças ao exercício e o tubinho em seu nariz que soltava ar seu fôlego foi voltando.
Então, a menina notou que havia mais uma pessoa no quarto. Um homem alto e de roupas negras ao lado da cama do menino dorminhoco.
-- Você não é médico! -- Zoe diz, chamando a atenção do homem.
Ele virou-se para ela bem devagar, e a menina ficou encantada ao ver seus olhos. Eram verdes e brilhavam no escuro!
-- Você está me vendo. -- o homem diz.
Ele usava uma fantasia. Uma capa escura com um capuz. Estava tendo uma festa a fantasia ali que Zoe não sabia?
-- É claro que sim, moço. Minha doença é no sangue, não nos meus olhos! -- ela diz, exasperada, explicando para ele.
O homem estranho dá um pequenino sorriso e retira seu capuz. Ele tem barba e um cabelo escuro arrepiado.
-- Não deveria estar me vendo, pequena. Ainda não é sua hora. -- ele diz, suavemente, aproximando-se da cama dela.
-- A minha hora de quê? E porque não deveria te ver? Por acaso você é invisível e eu sou especial por conseguir te ver? -- ela diz, arregalando os olhos, surpresa e animada com aquilo.
-- Sim, sou invisível. Todos irão me ver, mas só na hora certa.
-- Eu não entendo. Hora de quê?
-- De partir. -- ele diz, agora sério.
-- Ah, está falando de virar estrela. É isso?
O homem olha para ela, com aqueles olhos luminosos, pensando no que responder.
-- Sim, pequena. É isso mesmo. O que sabe sobre a morte? -- ele pergunta, sentando-se na cama dela.
O cheiro dele é engraçado. De terra e morangos e algo que ela não sabe bem o que é. Mas é bom.
-- Eu sei o que papai me disse. Que todo mundo vai virar estrelinha. Uns se vão bem velhinhos, outros vão quando estão adultos, alguns se vão até nas barrigas de suas mamães. E alguns viram estrelas ainda crianças, como eu.
Ela solta um suspiro e olha para suas mãos, contorsendo os dedos nervosa pensando que não quer virar estrela. Não ainda. Ela não queria deixar seu papai pois sentiria muita saudade, mesmo que mamãe estivesse lá em cima no céu quando ela subisse. E ela ainda queria fazer tantas coisas.
-- Sim, é isso mesmo, pequena. Cada um tem a sua hora. Ninguém vai antes e nem depois. Isso assusta você?
A voz do homem é bonita, Zoe percebe. Ela pensa na pergunta dele.
-- Será que partir dói? -- ela sussurra -- Papai pede que eu seja corajosa. Eu sou corajosa, mas às vezes não sou tanto, sabe? -- Zoe confidencia aos sussurros.
O homem sorri para ela.
-- Não dói da maneira que você conhece a dor. É… diferente. E difícil de explicar, pequena. Mas é rápido. Bem rápido e quando percebe já acabou.
-- E depois que viramos estrela, o que acontece?
-- Depende, pequenina. Depende de muitas coisas. E então? Você tem medo?
-- Eu não sei, moço. Papai disse que estou doente e talvez vá pro céu com a minha mamãe, mas eu não quero isso.
-- E o que você quer, pequena?
Pela expressão no rosto do homem estranho de olhos que brilhavam no escuro, Zoe percebeu que aquela era uma pergunta importante, então ela pensou na resposta com muito, muito cuidado.
-- Eu quero voltar pra escola. Eu gosto de aprender as coisas novas que ensinam lá. Você sabia que há pelo menos 193 países no mundo! É muita coisa!
-- É sim, e eu imagino que você gostaria de conhecê-los.
-- Ah, só alguns, não dá para conhecer todos, pois papai tem gastado muito dinheiro com meus remédios, sabe?
O homem ali fica calado por um minuto, observando a menininha, decidindo se deveria ou não fazer o que estava pensando. Ele tinha muitos presentes ainda, e há séculos não dava nenhum aos mortais. Decidiu então que aquele era o momento.
-- E se eu te disser, pequena, que posso te dar um presente? Três presentes na verdade. Mas vou querer algo em troca.
-- Que presentes? -- Zoe pergunta, alegre por ganhar algo -- Brinquedos?
-- Não, desejos. Te dou três desejos. Você é uma menininha especial que pode ver alguém invisível. Esse é seu prêmio.
-- Mas você disse que eu teria de dar algo em troca. Está me enganando? -- ela pergunta, desconfiada.
O homem ri.
-- Vou explicar, pequena. Você pede três coisas, e eu te darei um tempo para realizá-las. Quando realizar todas você irá comigo. Sem medo.
-- Você me levará para ser estrela no céu.
-- Sim, mas se aceitar meu presente, terá mais tempo aqui. Tudo que peço é que não tenha medo quando chegar a hora.
-- Eu gostaria de me curar. Esse pode ser um desejo?
-- Infelizmente eu não posso fazer isso.
-- Você não é o melhor realizador de desejos, moço… - ela diz, pensando -- Eu quero melhorar um pouquinho para poder voltar a escola. Isso você pode fazer?
-- Esse é um. Escolha o segundo.
-- Eu quero conhecer o lugar mais bonito do mundo. A Grécia. Aquele mar azul. É lindo demais! -- ela diz, empolgada.
-- Dois. O último agora. -- ele diz sorrindo com a animação dela falando daquele lugar.
-- Papai sempre diz que amou a mamãe. Mas pelo que eu vejo é um amor diferente do que ele sente por mim. Eu quero conhecer esse amor. É meu último desejo.
-- Então, você irá voltar para a escola, irá viajar para a Grécia e irá se apaixonar por um mortal e aí, quando seu tempo presente acabar, irá comigo sem medo. Temos um acordo, Zoe.
Ela pensou em quando disse seu nome ao homem estranho, e percebeu que não o fez. Ele realmente deveria ser mágico, já que sabia seu nome! Ele se aproximou lentamente e lhe deu um beijo na testa, que ficou quente no lugar onde ele tocou e começou a coçar, formigando.
-- Para selar o acordo. Eu gostei de conversar com você, pequena Zoe.
Ele levanta-se e segue novamente até o garoto que dorme, pega na mão dele e surpreendendo Zoe, o menino acorda e desce da cama.
-- Olá, garoto! Eu também gostei de conversar com você, moço.
O menino está de mãos dadas com o homem, com um olhar confuso. Os aparelhos que estavam nele começam a apitar.
-- Então, se quiser conversar comigo novamente, escreva uma carta e, ao assinar, pingue uma gota do seu sangue. Então, eu virei até você.
-- Mas eu não sei seu nome, como vou lhe escrever uma carta? -- a menina pergunta como se fosse óbvio.
O homem sorri, e seus olhos verdes brilham mais ainda quando ele começa a se virar e sair do quarto, com o menino seguindo junto dele.
-- Eu sou Morten. -- ele diz, antes de desaparecer pela porta.
Zoe grava o nome na memória e continua olhando para a porta onde o homem estranho desapareceu quando muita gente entra por ali, correndo, indo até a cama onde o menino estava.
-- Ele saiu por…
Zoe começa a explicar quando vê que o menino ainda está ali na cama. Porém, ela sabe a verdade.
Ela sabe que ele virou uma estrelinha no céu.
E ela não sente medo, pois ganhou mais tempo de presente.
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