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Novembro, 21
Obviamente meteria o meu nariz em todos os lugares possíveis da Mansão Roux, embora apenas dois lugares estivessem abertos para mim.
Portão 4 e Portão 2.
Por que um número par? Indagações não paravam, inclusive as mais inúteis, mas eu tinha de entrar em todos caminhos, fosse no literal ou não. Andava de um lado para o outro, abria portas e armários, enfiava a cara em janelas altas e baixas, procurava passagens secretas. A Ala Hospital foi uma das minhas vítimas mais frequentes, porque eu estava esperando ver um laboratório de filme de terror.
Mas tudo era ordinário.
Eu descobri, após algumas perguntas para outros colaboradores, que o Portão 1 era dedicado à Mansão Roux propriamente dita, enquanto o Portão 3 era a Alquimia Roux, que estava em reforma. Sempre passava aos arredores pela tarde e parava entre as grades gigantes e douradas, perguntando-me se havia a chance de me enfiar ali em algum momento. Depois de tudo o que acontecera, com o destino me jogando onde eu mais queria, as esperanças eram fortes.
A sacada do meu quarto, por exemplo, dava para o edifício que descobri ser um dos escritórios de Genesis Roux. Eu não achava que era coincidência. Ela me queria, de um jeito ou de outro, próxima. Ainda não sabia todas as razões, mas tinha certeza de que viriam algumas bombas em breve. Se eu era alguma ameaça, por que não me liquidar de uma vez? Não deveria ser tão difícil sumir com o meu corpo, sobretudo quando eu era uma rebelde quase sem causa, e quaisquer desculpas seriam cabíveis.
Ela me queria como aliada.
Aquilo não fugia da minha mente, porque era algo que fazia muito sentido. Eu acordava e pensava na questão. Estava esperando o momento em que Genesis Roux apareceria com um tratado entre nós duas, alegando que era melhor trabalharmos juntas. Eu seria a sua cientista maluca que cortaria as cobaias sem anestesia.
Patético.
Esther Fogg era a minha única companhia. Pensei que veria o pequeno Billy Howard com mais frequência, mas ele desaparecera de vista. Provavelmente estava obedecendo muito bem sua mãe. Sentia-me solitária agora que decidia tomar nota de todo o perímetro antes de ter a liberdade de sair para cidade pela primeira vez. Qualquer um tinha plena noção de que quatros dias eram bem poucos para descobrir o básico sobre todo o terreno, suas acomodações e afins.
— Você gosta daqui? — perguntei ao ver Fogg saindo do banho muito à vontade. Ela tinha o quarto ao lado para suas necessidades, mas também gostava de ficar nos meus aposentos. Eu suspeitava que Stephen Gorst havia dito para que ela ficasse próxima de mim, evitando que eu morresse envenenada, mas eu não comentaria sobre. — Das pessoas? Do lugar?
— Você gosta? — devolveu.
Ela não era uma pessoa boa de conversa, mas eu já não tinha outra pessoa. Não gostava de conversar por telefone, tampouco mexia em redes sociais. Eu preferia o contato face a face, cujas intenções dificilmente seriam mascaradas. Podia dar certo mentir por um tempo, mas depois a verdade apareceria — era mais forte do que todos nós.
— Eu gosto da comida. Achei curioso servir aveia em todos café da manhã. Será que eles querem que façamos muita bosta?
— Regulagem do intestino.
— Você gosta de aveia?
— Sim.
— E o resto do cardápio? — Joguei-me sobre o colchão gigante e confortável, assistindo-a secar o cabelo com uma toalha de rosto. A minha toalha. — Você já viu o tamanho do estacionamento dos colaboradores? Parece um parque nacional.
— Você quer que eu chame alguém para você conversar? — Fogg sugeriu.
Bufei, dando-me de ombros. Eu quase nunca ficava tagarela assim, mas ela era um pouco parecida com uma das minhas quinhentas personalidades. Também gostava da solidão, da paz, do distanciamento social.
— Vou tentar assistir a um filme.
Sem condições de continuar o nosso papo, ou apenas sem vontade, Esther saiu do meu quarto por fim. O baque surdo da porta me deixou inquieta. Levantei-me para perto da porta da sacada, onde agora existia uma poltrona cheia de flores desenhadas no forro. Não combinava com o interior da decoração, mas não era um problema para mim. O Sol já havia ido embora à medida que a lua, reluzente no topo daquele tapete cheio de pontinhos vivos, olhava-me de volta. Ela podia enxergar meus planos infundados.
A construção a alguns metros estava escura. Eu não sabia quando exatamente alguém aparecia pelas bandas, ou se Genesis Roux tinha a audácia de usá-lo para me observar, mas era certo que nunca houve luz naquele horário. Possivelmente havia algumas câmeras bem direcionadas para me perseguir, mas também era algo impossível de saber naquela altura.
Batidas vieram da minha porta. Ergui-me novamente do meu espaço macio e tranquilo para encontrar a mãe de Billy, Anastasia Howard. Era uma surpresa vê-la assim. Seu rosto era simpático, mas algo me dizia — como o lábio inferior um pouco trêmulo e os orbes inquietos, quase nunca focalizando em um ponto por muito tempo — que ela não estava interessada no presente. Muitas perguntas também existiam dentro do seu peito. Sua inquietação me mostrava aquilo. Mas o que a atormentava a ponto de fazê-la raspar as mãos uma na outra a cada 3 segundos e 5,2 milésimos?
— Boa noite — desejei.
— Boa noite. — Sorriu, mas alguns detalhes eram velados. Eu já não havia dito que a verdade sempre procuraria caminhos? Anastasia Howard não saberia esconder o óbvio se já estava se bambeando assim. — Madame Roux lhe convida para um jantar especial. Daqui meia hora.
Um jantar especial. Meia hora.
Por que ela havia demorado tanto para me chamar para um encontro? Eu não pude deixar de arquear o canto dos meus lábios ligeiramente. Ela não notaria, uma vez que seu foco era outro desconhecido.
— Aqui mesmo?
— Mansão Roux — informou. — Ajeite-se antes de ir. Vou deixá-la agora.
Howard deu meia volta, mas toquei gentilmente seu pulso. Ela me fitou de novo. Agora havia conseguido seus olhos. O contato carnal era mais poderoso do que pensávamos.
— Obrigada. Vejo você lá.
A mulher mais velha deu um sorriso preguiçoso.
— Eu não fui convidada.
Assim sendo, dando-me as costas, fiquei com novas dúvidas pairando. Eu tinha um sentimento pilantra, mas me compadecia com o fato de não a terem chamado. Genesis Roux ainda a fez me convidar. Bem, o que esperar de uma golpista? Anastasia Howard não estaria perdendo nada. Era mais saudável se manter em seu próprio quarto.
OITO E TRÊS marcava no meu relógio. Oito e três da noite. O vestido era alinhado, vermelho-carmesim, mas pouco chamativo apesar da cor deslumbrante. Eu mal me aguentava nos meus saltos, porém quis me fazer de importante. Tinha de causar uma boa impressão, mostrar que minha ingenuidade havia ficado para trás. Roux também tinha de me temer, porque não se brincava com quem sabia muitos segredos, afinal estes eram como fagulhas prontas para causarem um incêndio.
Haviam me buscado na frente do Portão 2. Um carro azul lustroso parara como se fosse um sequestro, mas ninguém me empurrara para dentro, exceto meus pés. Sentei-me no banco de couro e aguardei que o motorista, o qual sequer me cumprimentara, iniciasse a partida. Sozinha, parecendo uma formiga perdida do seu formigueiro, saí meio tonta. Eu não queria uma crise logo ali, então tratei de me resguardar fumando meu último cigarro detrás da mansão.
Estavam me aguardando. Sabia daquilo. Tinha certeza daquilo. Eu começava a suar frio, mas não me deixaria abalar. O destino era engraçado, mas Madison Bewforest quem gargalharia pela noite. Se eu conseguisse controlar os ânimos, tomaria uma taça de champanhe com Roux em qualquer sacada e falaríamos sobre nossa infância. Eu perguntaria sua sobremesa favorita, se ela gostava de Tchaikovsky ou Bach ou se verde-turquesa era verde. Claro, também perguntaria o tamanho do seu calçado, pois lhe apresentaria com algo no Natal. Riríamos de bobeiras e, se sobrasse tempo, poderíamos fumar meu — igualmente — último baseado.
E por que não?
Massageei o canto do meu calcanhar, pondo meu pé direito de volta ao chão. Naquele instante tinha de entrar de verdade. Não poderia adiar o inevitável por muito tempo.
Oito e treze.
Entrei finalmente em sua residência. Antes de pensar em qualquer coisa, realizar qualquer ação, uma bandeja carregada de petiscos voou para meu alcance. Genesis Roux, descalça, apareceu saltitando. Ela empurrou a bandeja para que eu segurasse bem, mas eu estava muito alarmada para reagir, porque não esperava uma recepção daquelaa.
— Bewforest, leve isso para cozinha? Obrigada — pediu.
Abri a boca para responder, ainda mais sem saber onde ficava a cozinha, mas a mulher de cabelos longos e negros sumiu de vista. Abaixei o queixo para olhar a comida e respirei fundo tentando não jogar tudo para o alto. Mal havia aparecido, mas ela já agia como se me conhecesse muito bem para pedir algo do tipo. Estava deixando óbvio que não estávamos interagindo pela segunda vez?
Ouvi um murmúrio agitado à direita. A entrada era condecorada com muito verde e porcelana, um dinamismo interessante, muito agradável de olhar. Caminhei com a bandeja prestes a derrubá-la graças ao meu nervosismo. Enfiei meu antebraço por baixo do objeto e prendi minhas mãos em suas duas pontas. Apenas assim para garantir certa segurança.
Segui para o lugar cheio de conversas paralelas. Via-se alguns funcionários andando nas duas extremidades da cozinha, pegando travessas, mexendo panelas, estourando rolhas. Eu parei na entrada, sem saber se deveria tomar o espaço lá dentro e atrapalhar de alguma forma, mas novamente fui surpreendida.
Genesis Roux passou trombando em meu ombro e pegou a bandeja das minhas mãos trêmulas. Tive a oportunidade de respirar fundo, enquanto ela dava as costas e colocava a bandeja despreocupadamente no comprido balcão de mármore. Pisquei algumas vezes, intrigada com a aparição daquela mulher.
Seu vestido era de um azul intenso banhado em verde, o que me fazia perguntar de novo qual era a verdadeira cor do tecido. Mas ele não era chamativo, apesar dos tons aparecerem com força. Havia uma outra camada mais escura por cima, tirando toda atenção que poderíamos ter apenas do vestido, e seus saltos, como pude observar, também eram pretos. A maquiagem não era muito marcada igual a última vez, porém o sutil toque de rosa no batom lhe dava uma aparência mais aterradora e poderosa, quase o mesmo efeito se fosse o vermelho.
— Não fique parada aí! — Genesis Roux falou comigo. Tive receio de soltar o famoso “eu?”, mas lutei contra minhas entranhas para dar um passo em seu sentido. — Está com fome? Tem bolo trufado em alguma parte dessa bagunça. Desculpe o tumulto, mas todo mundo acaba ajudando de alguma forma.
Ela bebericou do seu vinho e sorriu com extrema simpatia. Eu estava com cara de patética, provavelmente, mas nunca a imaginei assim. Será que ela estava bêbada? Pela forma que as pessoas ali a cumprimentavam, sorrindo de volta e brincando, a disposição de Roux era recorrente. Fiquei espantada, mas também não era algo ruim: se ela era tão aberta, então as respostas viriam com mais facilidade. E eu poderia conquistá-la.
— Tem mais desse vinho? — arrisquei-me a perguntar. Ainda havia a tensão de não ser bem tratada.
Ela fez uma careta.
— Em algum lugar. — Olhou em volta, mas desistiu logo. Veio em meu alcance mais uma vez e estendeu a taça. — Só um pouquinho.
Outra surpresa. Olhei para taça, cujo conteúdo, levemente rosado, sacudia lá dentro. Tomei de sua mão e virei um pouco na minha boca. Ela tinha seus olhos proibidamente em cima de mim. Eu não podia lê-los em todas as páginas, mas havia um discreto fascínio perdurando.
— Rosé é meu favorito — falei.
— Eu bebo qualquer coisa que tenha álcool — admitiu, oferecendo-me um novo sorriso. Devolvi sua taça e a assisti derrubar todo o vinho goela abaixo. Ela apontou sorrateira para a porta de saída. — A sala está recheada de pessoas não tão legais assim. Que bom que está aqui.
Matutei o que ela havia acabado de dizer, porque não fazia sentido algum. E quando a minha vida tinha nexo? Meu coração estava frenético, mas eu já havia domado toda a confusão interna. Eu também sabia atuar.
— Então sou a sua escapatória.
— Assim posso dizer — concordou, simplesmente. — Os elevadores podem ser turbulentos, perigosos, mas são divertidos. Não acha?
— Bom, nos conhecemos dentro de um... — Lembrei-a. Era uma mentira, porque eu sabia o seu nome muito antes, e apostava que ela também guardava o meu.
— De fato. — Riu sem preocupações. Ela não desviava suas íris claras de mim. Eu sentia o peso delas. — Há alguns por aqui, mas você só vai encontrá-los quando não procurá-los.
Ergui minhas sobrancelhas e hesitei na minha base. A conversa já havia se perdido de qualquer racionalidade. Concordei, porque seria pior não dar palco para suas baboseiras. Ela puxou um relógio de mão do bolso do seu casaco, conferindo as horas.
— Atrasada? — brinquei. Uau, Madison, você está com bom humor para quem acaba de entrar no Inferno.
— Perdendo tempo — corrigiu-me. Seu sorriso estava presente. — Espero que também perca comigo.
Indicando com a cabeça a porta de saída, Genesis Roux esperava que eu a seguisse. Desse modo, muito intrigada com sua conduta, movi-me na sua cola. A noite já estava sendo estranha, mas não precisava de neurônios gordos para saber que dava para ficar muito pior.
Oito e trinta e dois.
•
A musa gótica suave ressurgiu. E ressurgiu bem, né?
Eu fico relando e amando a Maddie cada vez mais, porque ela é tão gente como a gente. Ela é impulsiva demais, meio arrogante, achando que pode tudo. Aí, aí.
Não esqueçam de votar e comentar! Compartilhem também, bebês. Lembrem-se: Carmesim já está completo na Amazon, caso estejam ansiosos demais para novos capítulos.
Até segunda-feira!
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