Capítulo 3
E finalmente fora do ambiente de trabalho, eu prometi a mim mesmo que o permitiria que falasse muito, até que cansasse.
— Super difícil a gente conseguir conversar um pouco né Danilo?
Eu encaro o Rafael e caio na risada tendo que me esconder atrás do cardápio da lanchonete. Esperto, ele sabe do que estou rindo e corrige que faltou acrescentar: "fora do trabalho".
— Vai naquele amigo-cachaça que inventaram? — pergunto-lhe com falta de interesse visível.
— Claro! Não. Nós vamos. Eu vou te levar. É festinha de Halloween.
— Vai ter aquelas pessoas que nem conheço.
— Eu te coloquei no grupo do zap.
— Eu silenciei.
Rafa dá uma gargalhada e de novo diz que sou parecido com seu ex. Nessa altura eu deveria estar, quem sabe, nutrindo algum sentimento mais romântico e quem sabe sexual pelo Rafa e sentir ciúmes dele por ainda manter seu coração atrelado na relação quebrada. Mas ao ouvir o nome de André estranhamente senti a curiosidade de conhecer esse cara, já que seu rosto ficou bastante marcado em minhas lembranças após ver suas fotos.
— Dani, vamos tomar chopp e batata frita?
— Vou dirigir.
— Eu levo o carro.
— E quem te leva pra casa depois? Tua moto tá aqui.
— Ah, eu me viro. Ei, quer ir na praia mais tarde?
— Muito frio. Ainda tô gripado.
— Verdade.
Óbvio que Rafinha me olhava como seu amigo, colega, irmão, como se diz naqueles animes do Japão, seu senpai, essas coisas, mas jamais com intenções de sedução, até porque eu não tinha a menor graça ou tempero e o desencorajava de propósito ou quem quer que fosse pelo qual eu não sentia algo mais forte. E pelo Rafa era só muito carinho. Tanto que seu corpo, seu cheiro, sua pele linda e morena não mexiam com minha testosterona. Eu cobiçaria mais o seu ex e pensar no cara me causava uma coisa muito esquisita.
Eu merecia quebrar a cara e tomar na cabeça. Estava antevendo algo meio fantasioso como o cara correspondendo a mim e eu não podendo viver um romance por conta da amizade com Rafa. Meu cérebro demente chegou a pensar nas duas hipóteses, na primeira, sendo Rafa um ser lindo e iluminado, diria: "eu e ele somos somente amigos hoje em dia, eu torço muito por ambos" e na pior delas: "você sabia que eu o amava e ainda assim ficou com ele?".
Eu tinha que evitar aquela festinha tosca de Halloween que não tinha nada a ver comigo. Não era pra mim me fantasiar e levar petiscos ou bebidas. Para Danilo, eu mesmo, era algo fora da minha realidade. Eu queria ficar em casa ou na puta que pariu, menos ir a uma festinha em sítio e um dos motivos estava somente nas fotos que Rafa postava ou era marcado, fossem novos eventos ou antigos.
E se de repente ele pensasse em me usar pra enciumar seu ex?
Não paravam de chegar motivos retardados na minha mente já bem criativa. Mas eu não falava muito, então parecia alheio às coisas. Rafa inclusive me disse que sou assim por ser de Capricórnio.
— Unicórnio?
Perguntei com deboche e ele como sempre ria das minhas bobeiras desalojadas.
— Vai usar o que?
— Festa de Halloween? Vou de Michael Myers. Leatherface. Menos Jason que tenho medo dele.
— Ai Dani, seu palhaço. O importante é que você vá.
— Porque eu preciso ir?
— As pessoas se entrosam pra fazer amizade e quando meus amigos falaram que iam bolar essa festinha, que tu chamou de tosca, eu disse que ia levar um amigo meu. Sempre tem pessoas diferentes lá. Tem uns dois que você conhece, nem inventa moda que eu sei.
— Mas essa coisa de usar fantasia...
— Não é obrigado. Eu vou porque adoro coisas assim, mas com certeza vai mais gente sem make, sem fantasia.
— Ah tá, daí só eu apareço sem enfeite. Ou pior, já pensou se só eu vou lá pintado de zumbi figurante de Thriller.
E ele riu mais uma vez e como sempre. Sempre foi difícil me retirar do meu sossego e nesses meses de 2018, o Rafinha não me deixava quieto.
A gente recorre àquela melhor amiga ou amigo que gosta dessas coisas, que manja e que pode dar uma dica de como ir num troço desses sem ficar ridículo demais.
Alessandra que já me socorreu antes, dá a dica de (alugar) usar uma roupa estilo vitoriana e maquiar o rosto como se eu fosse um vampiro, um defunto ou o cara do clipe The Kill. Foi com muito esforço que não xinguei o tempo inteiro o quanto odiei o antes, o durante e o depois.
— Então tu vais mesmo nesse "rega bofe"? Danilo tu tá bonitinho parece o Dan Reynolds. Depois de uma surra, é obvio.
— O que é isso?
— Deixa pra lá. É que tu é um branquelo sem graça igual àquele vocalista do Imagine Dragons — ela revira os olhos e ri da minha cara de ódio externado. — Tá perfeito com esse sangue no olhar! Hahahaha.
— Que ódio disso tudo.
— Isso que nem tá afim desse tal de Rafa.
— Pior que não. Mas não vem ao caso. Se eu te contar preciso te matar depois.
— O louquinho meu! Vai bicha-zumbi, vai chupar uns pescoço por aí.
— Não seria vampiro? Nossa, afinal tô fantasiado do que? Zumbi ou Vampiro?
— Acho que nenhum dos dois. Não deu pra sacar muito. Mas essa make que fiz ficou boa, destaca teu olho claro. Ou parece que apanhou na cara.
Me olhando no espelho, até que a roupa ficou bem legal. Chega de elogios a mim mesmo. Mas a cara, eu diria se me encontrasse na rua: "esse tem anemia profunda". Quando busquei o Rafa, sinceramente, eu me senti um palhaço, ainda mais, ele estava com um terninho bonito e no seu rosto uma maquiagem de caveira. Estava lindo, fofo e feliz demais.
— AHHH que gato Dani! Ai...
Elogio de amigo certamente. Mas ele ficou faceiro, me cheirou e disse que só faltou o cheiro de mofo. Porque essas roupas, segundo ele, traduzem coisas antigas e eu parecia um morto, mas um morto sexy.
— Morto sexy? Só tu pra me colocar nesse troço. Vambora dona Margarida!
Eu perdi completamente o sorriso pelo caminho enquanto nos dirigíamos para aquele sítio de propriedade de algum amigo, conhecido, colega, sei lá do Rafa. O coração batia descompassado tal como eu sempre leio em fanfic e que parecem apenas palavras repetidas que indicam ansiedade, porém o que eu tinha de ansiedade em minha vida, o que já tive de ansioso, nunca foi nada perto do que eu senti naqueles minutos estranhos.
Me lembro de até haver gaguejado quando cumprimentei alguns amigos do Rafa e me perdi um pouco quando um outro rapaz me paquerou já de chegada como se marcasse um encontro mais tarde com os olhares meio intimadores.
Entreguei os aperitivos e a bebida. Ouvi várias vozes bonitas, vários timbres de vozes masculinas, vários nomes, bebi uma cerveja, uns golinhos de caipira, mais vozes, mais nomes e conversas. Rafa sempre se olhando no espelho ou fazendo selfies para se certificar de que tudo estaria perfeito consigo e olhando em volta como se procurasse por algo. Rafa parecia sentir-se vazio e eu senti um pouco do mesmo justo pelo mesmo motivo que ele, obviamente ele nem sonhava com minhas motivações. Eu parecia muito com um adolescente esperando seu ídolo chegar e eu previa que ele me estenderia a mão dizendo seu nome olhando nos meus olhos.
Ansiedade, ansiedade. Porra duma droga chamada ansiedade. Eu acabei bebendo duas longnecks sem perceber e não comi nada. Rafinha me olhava e sorria e do nada, nada com nada, ele me abraçou e aninhou a cabeça no meu peito. Como eu tinha um motivo pra ficar cabreiro, achando que estava sendo usado e porque eu queria parecer disponível, não correspondi com nenhuma parte de mim àquele abraço.
Quem já conspirou nessa vida e ficou se achando a pior pessoa da face da Terra?
Porque eu me interessei pelo ex dele sem conhecer? Talvez por ter-me falado tanto das suas qualidades inclusive me veio na cabeça uma das conversas mais íntimas que tive com Rafinha.
— Dani, Dani. Danilo tem uma bunda bonita. — uma colega me provoca no almoço.
— Bunda redonda! Aquelas bundas que dá vontade de pegar né, Fernanda?
— Ai vocês, cada conversa. — eu protesto com certa rabugice, honestamente não sei ouvir um elogio e com minha autoestima baixa não consigo crer neles.
— Homem de bunda grande é um tesão.
— Homem de bunda grande tem fama de ser ruim de cama e eu sou péssimo. — eu largo a frase para tentar estourar os balões de pensamento molhados ou irônicos dos demais e Rafa me surpreende.
— Não mesmo. Meu ex tinha bunda grande e era um furacão na cama.
— Conta tudo...
— Não né gente. Só pro Dani que eu conto.
— Dispenso. — falo sério e ele acha que estou brincando porque depois, a sós, me conta várias coisas que o outro lá fazia e que deixou saudade.
— Quer um aperitivo, Dani? Tem coxinha de frango e coração?
Rafa tira minha vodca Ice da mão e coloca um copo de água e sai dançando com uma amiga farrista.
E enfim chega ele sem fantasia, cara limpa e sorriso, beleza e chamando a atenção, O cara...
Foi ameno o momento em que ele nos cumprimenta e apresenta um carinha do seu tipo, bombadinho, arrumadinho demais, perfumado demais, direto dos instas, faces e afins, exatamente desse tipo, igual o Rafinha, pelo menos por fora. Mesmo padrão físico que parecia fazer a preferência do cara. Meio que decepcionou a mim e certamente ao Rafa. Mas ele estava conversando alegre com algumas pessoas e ria, querendo mostrar evolução ao estar no mesmo ambiente onde estava seu ex, que nem chegou perto dele. Eu observei o cara sem a mesma admiração das fotos como já havia feito. Conversei com outras pessoas e uma ex colega de um emprego anterior perguntou se haviam vagas onde eu trabalho e se eu estava namorando. Quando perguntou isso, o tal de André voltou sua atenção para a conversa e creio que talvez pelo Rafa, especialmente porque minha amiga olhou para ele na hora em que perguntou. Quem sabe eu e o André poderíamos nos tornar rivais caso, que não era o caso, rolasse algo entre eu e o Rafa.
— Não, não.
— Tu e ele não se largam.
— Trabalho com ele na mesma sala.
— Não foi isso que eu disse.
— Nem adianta ficar sugerindo coisas. Rafael tá solteiríssimo...
Mas alguém me corta:
— Rafa ainda não esqueceu nosso amigo aqui. — Um dos amigos de Rafael que já estava meio bêbado bateu nas costas do André e isso na frente do atual do cara, ou só amigo como ele se defendeu dizendo que era.
— Já pensou se eu tivesse com Rafa em segredo — aproveito minha língua solta por causa da bebida e solto a frase com certo nojo da cara do amigo do meu amigo.
— Mas tu disse...
— Eu não tô com ele. Mas foi meio desnecessário expor o cara, tá.
Já peguei raiva e queria ir embora. Calor de merda com aquela roupa escura, pesada com babados toscos e eu me sentindo ridículo até perto dos mascarados, Penny Wise tinha uns quatro. E não adianta, se não é a nossa turma a diversão não acontece, não tem clima e Rafa não conseguia entender isso. Minha irritação beirava a sensação de desconforto. Eu queria ir pra casa ou aqueles lugares que já mencionei.
Então o cara, o ex dele, me "mediu" dos pés a cabeça pela primeira vez. Não foi olhada, foi uma secada e uma promessa. E acho que ele não foi muito com minha cara e eu decidi que não gostava mais dele. Numa criancice de dar dó de mim. Soube posteriormente que ele levantou a ficha a meu respeito e passou a contatar o Rafael novamente.
O que pensar?
*****
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