Caneta

     — Querido diário… — escreve Santiago na primeira página em branco de um livro. Olha pro céu mais uma vez e decide riscar o que escreveu, recomeçando noutro parágrafo — Dia 11 de novembro de 2024: 
    "Hoje contemplo a aurora boreal no norte da Noruega, coisa que nunca passou pela minha mente realizar. Fantasiava, mas não me via saindo do interior do Brasil aos 29 anos pra fazer algo do tipo. Bem, com a rotina que eu tinha de doze horas de trabalho, sem contar o trajeto de ida e volta, eu não tinha vida social, nem sentimental e estava fisicamente exausto.
    Em compensação, minha situação econômica ia muito bem, mas sem tempo e saúde pra sair, ficava preso neste ciclo vicioso de casa pro trabalho e vice-versa. O que eu não daria pra fugir de tudo isso, eu pensava, e aqui estou. Pedi demissão, voei pro mais longe possível de todo aquele caos, apenas pra sentar numa cadeira fria cercado por neve, empacotado em casacos, touca e luva, só pra contemplar esse show luminoso no céu.
    Eu sei que é loucura, mas eu precisava encontrar algo pra me fazer dar valor na vida, as pequenas e singelas alegrias, algo que desse sentido a minha existência. E ver esse céu, sinceramente, só me lembra mais uma vez que estou sozinho, sem ninguém pra compartilhar esses momentos.
    Apesar da solidão e do frio que corroi minha alma, me sinto bem. Não o bem que eu gostaria, mas o que consigo por agora e isso basta. É, não vou ficar me alongando muito nisso, era só pra ser um registro breve e eu continuo escrevendo o que tô pensando. Enfim…"
    Ao terminar de escrever, ele apoia suas costas no assento, voltando seu olhar para cima, refletindo em seus olhos castanhos as luzes no céu.
         — É realmente muito bonito. — Santiago deu um suspiro contemplativo, olhando o céu com um tímido sorriso — Extraordinário que os raios de sol, insatisfeitos em só iluminar o dia, decidiram enfeitar a noite também.
     "Eu poderia ter escrito isso no diário, ao invés de tanta asneira sem sentido." Estala a língua, insatisfeito consigo mesmo. 
    Levantando-se da cadeira, ele fecha o livro e caminha até a cabana atrás de si, enquanto isso no céu, uma estrela cadente cruzava a aurora.
    — Vou voltar pra dentro. — disse pra si mesmo antes de apertar o botão da caneta e o colocar no bolso da calça — Quem dera fosse um clima mais agradável.
    O interior estava aconchegante, pois havia deixado a lareira acesa ao sair. Ele retira a touca, mostrando um cabelo curto no estilo militar. Suspira aliviado por tirar um dos casacos que colocou, se aproximando da lareira, pois seu nariz outrora branco estava vermelho como pimentão.
    Após aquecer suas mãos próximo ao fogo, resolve preparar alguma coisa pra comer e faz um molho com salsicha, o colocando no interior de um pão. 
    — Nada como um cachorro quente improvisado pra matar a fome de qualquer um. — E antes que pudesse comer, ouviu batidas na porta, porém, ele dá uma mordida antes de pousá-lo sobre um prato, indo em seguida atender a porta — Quem será o doido que veio para o meio do nada, nesse frio, bater na porta de um estranho?
    "Não que eu não seja também, mas sempre há alguém mais desmiolado do que você." Ao abrir a porta ele viu um homem baixinho e barbudo, mais parecido com um anão daquelas histórias de fantasia do que um convencional. Tirando o fato de que ele está com uma cara confusa olhando para quem atendeu a porta, já Santiago parece ainda mais atordoado e incrédulo com o que vê do lado de fora, enquanto mastiga de forma estranha e compassada o seu cachorro quente artesanal.
    Não só está de dia, mas sua cabana que estava no meio do nada cercado por neve e floresta, agora está no meio de um vilarejo medieval em plena primavera.
    — Você não é Grofin, é? — o anão questionou, tirando Santiago de sua confusão mental.
    — ...Onde exatamente estamos? — Santiago disse assim que engoliu a comida, sem nem mesmo voltar a olhar o anão, ele simplesmente não conseguia processar o que estava acontecendo.

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