Capítulo 9 - "O primeiro homem que nega poder"

Talvez a cabeça estivesse no Sol muito tempo ou o cansaço tivesse fazendo seu corpo colapsar, mas Nadja não conseguia dormir muito mais do que alguns segundos. Era fechar os olhos que despertava, atenta e assustada. Algo muito parecido com os dias que se seguiram ao sequestro. 

Não sabia muito bem o motivo de está se lembrando desse tempo com tanta frequência, talvez fosse as drogas restringidas ou o tempo vazio que estava sendo obrigada com os seus pensamentos e completamente longe das suas atividades favoritas. Como ela odiava ficar pensando naqueles dias. Era como se jogasse areia em uma ferida aberta e completamente infeccionada, doía e não ia ajudar em nada. 

Mas, ali estava, todos os momentos que passou aprisionada em seu antigo quarto do castelo, junto as boas memórias dos pais e tempos antigos, contrastando ao medo e horror que sentia a cada segundo, o qual passa ali. Dormia quase nada, ficava de pé e na defensiva toda vez que um soldado entrava e ficava em pânico cada vez que Jean aparecia e começava a conversar com ela, por mais que ele fosse gentil. Talvez todo aquele medo estivesse associado ao fato deles poderem fazer tudo com ela ou pelo fato deles terem matado Bailey de modo tão brutal.

Seu primo era a pessoa mais próxima a ela na época, tinham nascido em dias muito próximos e o pai dele havia o colocado no treinamento, a qual o avô deles havia submetido a Nadja. Assim, os dois passavam muito tempo juntos, jogando facas, correndo e tentando descobrir quais eram os melhores venenos para usar em determinados momentos. Quando mais velhos, mataram o primeiro homem no mesmo dia e sempre estavam nas mesmas missões.

O irmão mais velho dele, Haj, vivia reclamando para o pai dos dois o quanto aquele tipo de vida era estranho e não deveria ser submetido a pessoas tão novas. Quem disse que o homem deu ouvidos? Nadja foi descobrir mais tarde que seu tio priorizou o poder que vinha ter um filho com o treinamento de assassino do que a segurança dele e ela não sentia que poderia jugá-lo.

Seus pensamentos foram mais uma vez para o quarto que ficou trancada e a comida ruim, a qual davam para ela. Lembrou das horas deixada a sós, de ser acordada no meio da noite sem motivo nenhum, de ser deixada horas e horas em pé nos jardins do palácio, sem água ou comida. Lembrou que na primeira vez que não aguentou e chorou como uma criança pequena, Jean a abraçou, mesmo que todas as ordens saíssem da boca dele para aquelas torturas continuassem.

- Princesa... - ele sussurrou muito mais próximo do que ela gostaria, com aquele cheiro enjoativo de Jacinto - Você sabe que isso poderia ser muito pior.

Nadja tinha noção disso. Sua garganta não tinha sido cortada e seu corpo não havia sido tocado, contudo, isso ainda poderia acontecer. Concordou com a cabeça e tentando criar espaço entre eles, mas os braços estavam firme.

- Minha princesa, posso melhorar as coisas para você. - ele tocou o rosto dela com muito cuidado e sorriu.

- Meu avô vai me resgatar! - ela disse engolindo seco e bastante assustada por aqueles toques.

Jean sorriu e a abraçou de novo com bastante força. Nadja deveria ter o empurrado naquele dia, mas estava com tanto medo e aquele era o único toque de carinho naquele horror, por isso, se agarrou aquilo. Parecia ainda agarrada naquilo.

Tentou dormir mais uma vez, contudo, seu coração disparava e precisava se acalmar.

🔪

Nadja jogou a droga para dentro da boca e olhou para Khalil que fitava as estrelas de modo quase maravilhado. A garota fez o mesmo e sorriu, de fato era difícil não sentir algo bom diante de tanta luz, apesar de escuridão.

- Sabe? Se continuar cavalgando assim vai cair do cavalo. - ela disse e arrancou uma risada dele.

- Eu sei, mas tenho que conferir nossa direção.

- Conferir, não fixar o olhar. - ela riu - Como aprendeu a ler o céu?

- Minha mãe. Ela sabia muito sobre isso e desde pequeno compartilhamos dessa paixão. Foram horas e dias com ela me mostrando quais constelações apareciam e onde dependendo da época do ano. - mais um sorriso sincero veio aos lábios dele - Depois disso, sentia que era fácil me guiar pelo deserto.

- Então foi verificar isso na prática?

- Mais ou menos. - ele riu sem graça - Foi horrível passar horas e horas andando pelo deserto e foi pior ainda os dias, mas sabe, descobrir algo sobre mim nesse meio tempo. Atravessar um deserto é uma aprovação e tanto.

- Como?

- Reclamo muito.

- Nunca ouvi você reclamando!

- Porque eu aprendi que isso só piora a situação.

- Me lembrou Armim. - ela bufou - O que aconteceu quando você chegou no seu reino nessas condições? Imagino que sua mãe tenha o chamado de irresponsável.

- Se ela estivesse viva... - a voz dele saiu dolorida - Eu desmaiei na entrada da cidade, admito não  ter calculado direito a água. Quando me reconheceram meu pai foi me buscar com meus irmãos e meio-irmãos em uma grande comemoração. Acho que... nunca vi ele tão feliz em toda a minha vida.

- Pai distante?

Khalil não respondeu e isso surpreendeu Nadja. Talvez ela tivesse encontrado algo familiar em meio a tanta paz e alegria que o rapaz exalava.

- Sua avó?

- Me colocou mais próximo da sucessão.

- Lei do Mérito. - Nadja riu - A única chance de uma menina ou de um filho muito mais novo. Mas subjetiva demais para que eu possa me beneficiar dela mais do que já fiz.

- Meus irmãos ficaram me enchendo falando que se soubessem dessa lei antes iam ter feito algo grandioso, mas eu não tinha ideia da existência dela.

Nadja olhou para Khalil e pensou falar algo, mas desistiu. As Leis do Deserto eram universais para as cidades e reinos, as quais estavam ou eram vizinhos do deserto, foram criadas há muitos anos atrás por uma grande reunião com reinos e cidades, as quais nem existiam mais, contudo, permaneciam seguindo.

A sucessão da moça foi garantida pela Lei da Compensação e, depois desse acontecimento, ela decidiu aprender todas as Leis do Deserto, assim como as das cidades do seu avô. Dessa forma, conhecia coisas como Lei das Princesas, as quais todas princesas na linha sucessória seriam retiradas assim que se unir a um homem, a Lei do Caos, a qual dava poder a qualquer pessoa que matasse um líder que o povo não gostasse e, a sua favorita, Lei da Magia, a qual proibia que qualquer magia fosse usada diretamente para ferir ou matar outra pessoa. Todas elas estavam escritas em um longo, chato e difícil livro, mas valia a pena saber esses pormenores.

- Imagina ter que saber todas essas leis estranhas? - ele disse por fim - Alguns irmãos meus queriam muito ser o filho mais velho do meu pai, mas eu sou muito grato de não ter muitas chances de ser sutão.

- O primeiro homem que nega poder. - Nadja riu.

- Certas coisas não valem a pena.

- Certas coisas são fáceis falar. - ela rebateu amarga - Enfim, você não quer entrar nesse jogo político.

Khalil notou que aquilo não era uma pergunta, mas concordou com a cabeça mesmo assim.

- Não há necessidade. - ele suspirou - Vi o que isso faz com as pessoas. Irmãos meus que mataram outros, brigas intermináveis, ódio lançado com tanta facilidade. Não. Não quero fazer parte disso! Minha vida já é muito confortável, para que ia querer mais?

- Não liga em ter que abaixar a cabeça? Sentir que não é tão importante assim?

- Meu orgulho não é tão grande. 

Nadja riu, pensando que o dela então era maior do que o deserto! Sorriu para ele.

- Sabe, Khalil, você tem um coração bom. Normalmente, o deserto tira isso das pessoas, mas não de você.

- Você também é. - ele disse assustado por Nadja falar aquilo.

- Não. Eu não sou! - não houve hesitação - Eu só não sou ruim. Ainda tem coisas que eu não faria, mas a minha lista tem menos itens do que a sua.

- Nadja...

Khalil ia questionar o que a moça queria dizer com aquilo, mas junto com o Sol, no horizonte os dois avistaram o oásis, os estrangeiros estavam terminando de entrar pela mata exuberante. Nadja sorriu e fez o cavalo correr mais e o assunto morreu ali.

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