trinta
Rodrigo deixou Lino em casa naquela noite. Isla sussurrou baixinho que conversaria com ele assim que pudesse, e o amigo apertou sua mão antes de entrar. Pela expressão abatida dele, ela podia apostar que sua conversa com Sally não tinha ido bem em Zuma Beach. Ela devia ter desconfiado que Lino sabia de todas as mentiras de Isla e se sentiu traída não só por ela, mas por ele também.
Mais uma coisa que Isla arruinava em uma só noite.
A casa estava silenciosa quando pai e filha finalmente chegaram. Hali e Doris deviam estar escondidas nos quartos, tentando ouvir algo atrás da porta. Jerry recebeu Isla com um miado, se esfregando nas pernas dela.
- Pronta para falar? - Rodrigo perguntou, a voz gentil e firme ao mesmo tempo. Isla se sentou no sofá trazendo Jerry consigo. Suas lágrimas molharam o pelo brilhante do gato.
- Não vai brigar comigo primeiro?
Rodrigo suspirou e se deixou cair na poltrona em frente ao sofá.
- Por enquanto, não.
Então Isla contou tudo, sem omitir nada daquela vez. O que mais ela tinha a perder, afinal? Perdera uma amiga naquele dia, tinha sido em parte responsável pelo sofrimento do melhor amigo e o garoto por quem estava apaixonada a tinha deixado. A deixado com razão.
Isla não sabia como era estar no fundo do poço até aquele momento. E quão fundo ali era...
- Eu posso fazer uma lista de todas as pessoas que enganei nos últimos tempos - ela disse por fim. - E seria uma lista longa.
- Isla...
- Tudo porque eu estava desesperada para sair dessa ilha. Era tudo o que eu mais queria. A lista da mamãe... foi só uma desculpa! Fiz tudo isso, contei todas essas mentiras, porque fui egoísta e só pensei em mim mesma, na minha felicidade. - Ela fechou os olhos com força. - E eu faria tudo de novo, pai. Porque apesar de ter perdido tudo, eu nunca tive tantos amigos que me fizeram tão feliz, nem me senti tão livre... - Ela voltou a abrir os olhos, as lágrimas não cessando nem por um segundo. - Isso me faz uma pessoa horrível?
Rodrigo se levantou da poltrona e foi até ela. Isla observou o pai se ajoelhar no chão à sua frente e segurar suas mãos pequenas nas dele. E havia tanta dor nos seus olhos...
- Não, não faz.
Ele abaixou a cabeça, como se não conseguisse encará-la. Seus ombros subiram e desceram em uma respiração pesada.
- A culpa é minha, Isla. Todo esse tempo, sempre foi minha. Eu prendi você. E fiz o mesmo com as suas irmãs. A morte da sua mãe... - sua voz ficou embargada - foi o momento mais difícil da minha vida. Ela ter morrido daquele jeito me fez ficar apavorado com o mundo lá fora. Às vezes eu deitava na cama à noite e pensava em vocês longe da ilha, nas mil formas que podiam ser machucadas, mortas, por um mundo cheio de maldade. Então eu tentei de todo jeito criar vocês para que amassem esse lugar, para que nunca desejassem sair. Mas isso só trouxe sofrimento. Para todo mundo.
- O senhor sabia do caderno da mamãe?
O pai assentiu.
- Eu estava lá quando Michelle fez aquela lista. Ela amava viajar, ver as coisas... - Ele riu ao mesmo tempo em que enxugava o canto do olho com o polegar. - Só que ela teve que dar uma pausa, sabe? Seis filhas são difíceis de criar. Aí você veio e as outras já estavam maiorzinhas, e ela fez um monte de planos para passarmos um tempo longe de Montfort.
O pai parou de falar. Isla via aquela sombra no olhar dele desde que se lembrava por gente. Só naquele dia se deu conta de que talvez nem sempre aquela escuridão estivera lá.
- Eu guardei o caderno no barco depois que tudo aconteceu. Guardei quase tudo que me lembrava dela. Cada canto dessa casa, cada objeto, era um lembrete da Michelle. Eu troquei muita coisa, guardei outras para que ficassem longe de vista... Não lidei com o luto. Eu fugi dele.
- Não é culpa sua - Isla falou. - Pai, eu nem consigo imaginar como foi difícil. Me desculpa por quase nunca ter compreendido, por ter ficado com raiva e me revoltado tantas vezes...
- Se revoltado? Isla, durante todo esse tempo você aguentou. Poderia ter se voltado contra mim, me odiado, mas ao invés disso cresceu nessa ilha sonhando acordada, guardando tudo o que doía dentro de você para nunca machucar outra pessoa. - Rodrigo acariciou o cabelo da filha. - Eu que deveria me desculpar com você. E estou tão orgulhoso.
- Orgulhoso?
Ele assentiu.
- Você achou o caderno. Você cumpriu a lista.
- Na verdade, ela não está totalmente com...
- E você viu uma parte do mundo, fez amigos e voltou para casa com histórias para contar.
- Mas eu menti para você.
- Eu sei.
- E escapei e... - Isla parou no meio da frase. O pai a olhava com um sorriso divertido. - Espera, você...
- Eu sabia que estava indo para Malibu, Isla. E também sei do seu acordo com a Hali.
- Mas... - Ela balançou a cabeça, o mundo confuso demais. - Você sabia? - Ele fez que sim. - E deixou acontecer?!
- Deixei. - Ele saiu do chão para se sentar ao lado dela. - Me arrependi de ter vendido o barco no dia seguinte daquela nossa discussão no píer. Eu me senti tão culpado por tudo, e você estava com tanta raiva... Com razão, é claro. Mas eu percebi que aquilo não tinha te impedido. Eu sabia que ainda estava indo para Malibu. Hali é uma péssima mentirosa.
- Mas por que não foi atrás de mim?!
- Porque eu decidi confiar em você. Pela primeira vez. - Ele sorriu sem jeito para ela. - E eu posso ter pedido para alguns conhecidos de Malibu me avisarem quando a vissem por lá. Só para garantir que estava bem.
- E o que eles disseram?
- Que você vivia andando para baixo e para cima com o Angelino, aquela filha do prefeito e outros três garotos desajustados em uma Kombi.
Isla riu. Uma risada verdadeira que soou estranha até mesmo para ela.
- E eu todo esse tempo achando que estava sendo discreta!
- Eu não sei por que os filhos insistem com essa mania de achar que os pais são cegos para o que acontece debaixo do seu próprio teto.
Isla abriu um sorrisinho triste. Aquilo a aliviava. O pai tinha confiado nela. Tinha deixado que ela vivesse e a estava esperando de braços abertos no momento em que precisou voltar para casa.
Ela não o merecia. Não merecia um monte de pessoas.
- Eu perdi de todo jeito, pai. Perdi o Luke.
- O garoto que você salvou do mar e encontrou de novo em Malibu?
Ela assentiu. Tinha contado aquela parte também.
- Isla, da próxima vez que você vir alguém se afogando, vai ligar para o socorro, entendeu? Não vai pular no oceano como uma doida!
- Mas eu não tinha tempo...
- Não importa! Eu posso não te deixar de castigo por Malibu, mas você vai ficar um bom tempo encrencada por ter feito isso. Podia ter morrido!
- Mas eu salvei uma vida... Isso não conta?
- Você já se safou de muitas, mocinha. Essa não.
Ela encolheu os ombros. Sabia que o pai estava certo. Mas também não era como se ela fosse dar uma de salva-vidas em tempo integral depois do que acontecera com Luke.
Rodrigo suspirou e puxou a filha para mais perto.
- Mas, deixando isso de lado só um pouquinho, você tem certeza que quer falar de meninos comigo?
Isla comprimiu os lábios para se impedir de sorrir.
- Você tem alguma boa dica de como posso consertar as coisas?
- Não.
- Então acho que não quero mesmo falar de meninos com você, pai.
Ele riu e passou o braço pelos ombros dela.
- Esse Luke... Ele parece ser um cara legal.
- Ele é. Eu... - Isla prendeu a respiração. - Ele é o garoto mais gentil do planeta. O modo como ele se importa com todo mundo, como não mediu esforços para me fazer feliz mesmo quando mal me conhecia, são só algumas das coisas que fazem ele ser tão incrível. O Luke me faz rir de coisas idiotas e deixa qualquer lugar mais bonito, pai. Quando tô com ele, tudo fica bem. Nunca gostei de alguém desse jeito.
- Mas ele está bravo com você, é isso?
- Eu menti para ele. Menti para ele sobre a Sally, sobre o acidente no mar... Luke deve sentir como se não me conhecesse.
Ela massageou o peito. Isla sabia que o coração não estava ligado a nenhum sentimento, mas por que justamente ali doía tanto? Como se toda a felicidade com Luke estivesse alojada no centro do seu peito e espalhando calor por seu corpo, mas tivesse sido arrancada subitamente, deixando um buraco doloroso no lugar.
- Isla, se esse garoto gosta de você como você parece gostar dele, as coisas vão se ajeitar.
- Não, pai. Não acho que vai ser assim.
- Ele seria um idiota se não voltasse para você.
- Eu que fui uma idiota por deixá-lo ir.
Rodrigo suspirou e beijou a testa da filha.
- Um coração partido dói, querida. Mas passa. Vai se curar com o tempo.
Isla duvidava muito. Como poderia voltar para a sua vida agora, viver um dia após o outro sabendo que tinha conhecido pessoas incríveis e que as tinha deixado ir?
Será que Luke se tornaria um fantasma na sua memória? Alguém que ela se recordaria toda vez que o verão chegasse, toda vez que visse o mar e uma Kombi nas ruas da cidade...
Isla nunca entendeu o pai como naquele momento.
Era compreensível que ele tivesse tentado se livrar de cada coisa que o lembrava da mãe. Porque ela sabia, tinha certeza, que os próximos tempos seriam agonizantes, como uma faca cravada em seu peito toda vez que ele surgisse na sua memória.
"As coisas vão se resolver, Isla. Eu sei. E você vai realizar todos os seus sonhos. Eu só espero ser o cara sortudo que vai estar ao seu lado vendo tudo de camarote."
As palavras dele, mais cedo naquela noite, vieram até ela com clareza.
Isla queria ter sido a pessoa a assistir a vida dele de camarote, observando cada conquista, cada sorriso e lágrima dele. Mas depois de tudo que tinha feito, só ganharia um lugar na última fileira, em um canto escuro de um estádio lotado, talvez um dia assistindo pela TV aquele surfista famoso e doce escolher outras pessoas para ter ao seu lado.
***
Luke estava na beira da praia, a maré molhando seus pés ocasionalmente. A lua refletia na superfície do mar, brilhante e prateada. Uma hora atrás, ela era a coisa mais bonita do mundo vista do teto da Kombi, agora a mais triste.
Tudo estava triste.
A areia branca, o céu, as estrelas e até a porra do mar.
Luke encarava a Ilha da Rocha à distância. Ela se erguia em uma sombra escura e imponente. A mera visão daquelas pedras enormes e afiadas o perfuravam.
Dean e Zack estavam ali. Eles o tinham encontrado pouco depois que tudo acontecera. Por não aguentar as perguntas de Dean, contou tudo em um só fôlego. Os dois estavam quietos e silenciosos atrás dele desde então.
- Luke, não podemos ficar aqui a noite toda - Zack falou, como se tivesse ponderado sobre falar ou não aquelas palavras por pelo menos meia hora.
- Vocês podem ir se quiserem.
- Não seja idiota - Dean retrucou. - Você está sem carro. Anda, levanta logo daí.
- Dean... - Zack murmurou com raiva. - Você não tem noção?!
- As coisas não vão se resolver se ficarmos aqui parados!
- Você não tem que resolver nada. Cala a boca.
- Mas... - Luke não estava olhando para eles, mas podia apostar que Zack olhou para Dean de cara feia. - Tudo bem. Desculpa.
Ele ouviu um suspiro pesado e em seguida passos na areia. Os amigos se sentaram perto dele, um de cada lado.
- Eu sei que você tá puto - Dean começou. - Mas, Luke, a Isla não é uma pessoa ruim. Você sabe disso. Nós sabemos. Depois que a raiva passar, você pode conversar com ela.
- A Isla mentiu sobre tudo, Dean. Você não ouviu? - Luke se virou para ele. - Foi ela quem me salvou! E não disse nada por todo esse tempo, porque tinha um acordo idiota com a Sally! Ela... me manipulou. Como posso acreditar em qualquer coisa que ela diga depois disso? Como posso saber se...
A frase morreu.
Ele era um imbecil. Um imbecil que tinha sido enganado outra vez por uma garota.
- Luke, a Isla gosta mesmo de você. É óbvio para todo mundo - Zack disse. - Acha mesmo que aquela história de namoro falso estava pegando? Estava na cara de vocês dois!
- E o que ela ganharia fingindo enquanto vocês estivessem sozinhos?
Luke passou a mão pelo pingente do colar, agora de volta ao seu pescoço.
Durante todo aquele tempo ele pensara que o objeto estava perdido para sempre, quando na verdade estava por perto, com ela.
Luke se levantou de uma vez.
- Me leva pra casa, Dean?
O amigo suspirou e balançou a cabeça.
- Você não vai ouvir a gente mesmo, né?
- Eu não quero... eu não posso pensar na Isla agora. O campeonato é no próximo fim de semana. É nisso que eu devia me concentrar.
- Não é assim que funciona. Você não pode escolher parar de pensar em alguém.
- E o que você sabe sobre isso?
Dean não respondeu. Luke se virou em direção à Mônica, esperando que Isla não estivesse mais lá quando voltasse.
Mas o cheiro dela permaneceria. No carro, nas suas roupas...
Até quando mergulhasse no mar, a presença dela continuaria nas ondas.
Ele não se lembrava daquela dor antes. Do tipo que estraçalha o peito e não deixa nada para trás.
Ele a amava.
Ele a amava e estava machucado.
Quando entrou na Kombi e Dean deu partida, Luke quis ir para o mais longe possível daquela cidade. Porque sabia que ficar ali o faria estar em tentação todo dia para ir até ela.
Mas ele não podia.
Daquela vez, ele era a pessoa que ia embora.
Não por orgulho, não por raiva, mas porque já tinha tido o coração partido antes e queria ser o alguém especial de uma pessoa e não o contrário, só para variar.
Então se afastava de Isla, em uma tentativa vã de se proteger, mesmo sabendo que deixava para trás o verão mais feliz da sua vida.
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oii meus amores!! como vocês estão??
a demora para atualizar é real por conta da faculdade, mas prometo que logo vamos ter a conclusão dessa história kkk
o que acharam do cap de hoje?
esse capítulo foi mais curtinho e lento, mas necessário para linkar com os próximos que marcam o fim de Canto de Malibu. Já fiz o planejamento dos acontecimentos finais, só não fiz a divisão de capítulos ainda porque vai depender muito de como vai desenrolar o 31, que é maiorzinho. Pretendo voltar já na semana que vem com o capítulo novo, mandem energias positivas!!
ah, só para não esquecer, vem aí o meu conto de Natal!!!! Essa é minha época favorita do ano e logo vão começar as atualizações dessa história que é inspirada em duas músicas da Taylor (dorothea e 'tis the damn season)!!! Já está disponível no meu perfil a apresentação, sinopse e personagens <3
vejo vocês em breve,
Ceci.
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