três

Luke estava jogado no sofá da sala, um braço dobrado sob a cabeça enquanto zapeava pelos canais de esportes, quando o som da campainha foi ouvido. Ele se levantou depressa, mas Zack - preguiçosamente jogado no outro sofá, rolando o feed do Instagram - apenas ergueu os olhos.

- Deve ser o delinquente.

- Você pode, por favor, parar de falar assim? - Luke pediu com um suspiro, caminhando em direção à enorme porta da frente. - Ele vai acabar te dando um soco. E eu vou deixar acontecer.

Zack abriu um sorrisinho.

- Ele bem que gostaria de tentar.

Luke já estava quase lá quando Terry surgiu do nada - ele tinha um dom nato para aparecer quando ninguém estava esperando por ele - e abriu a porta. Sua expressão calorosa de boas-vindas sumiu com a rapidez de um raio quando viu quem estava parado do outro lado.

- Ah, é você.

- Grande Terry! - Dean disse, dando um tapa nas costas do mordomo que o fez se curvar enquanto ele passava. - Você está o mesmo de sempre, cara. E isso é um elogio. Nenhum fio de cabelo branco, ainda? Você deve ter congelado nos cinquenta desde que eu te vi pela primeira vez!

- Eu tenho quarenta e três.

- Quarenta e três desde a Segunda Guerra. Tô ligado.

Dean foi entrando na enorme mansão situada na área mais nobre da Carbon Beach como se a casa fosse dele. Luke sorriu quando Dug pulou do sofá onde estivera deitado com Zack e se jogou nas pernas de Dean.

- Ah, não - o lamurio de Terry foi ouvido pelos três rapazes - Dug acabou de voltar do banho no pet shop...

Dean olhou para o mordomo com uma expressão de poucos amigos, mas tanto Luke quanto Zack explodiram em uma gargalhada. Dean parecia prestes a rebater o comentário de Terry com uma de suas respostas engraçadinhas quando Sandra Mosheyev surgiu vinda do corredor.

Sua expressão azedou assim que os olhos azuis pousaram em Dean parado no meio da sua sala de estar.

- Ei, Sra. Mosheyev! Como vai? Linda como sempre, é claro. - Dean afagou a cabeça de Dug uma última vez antes de estender um buquê de flores meio murchas que estivera carregando na direção da mãe de Luke. - Elas estavam mais bonitas quando saí de casa, mas o caminho até aqui no banco de trás da minha Kombi não ajudou o arranjo. Acabei passando por cima de um buraco sem querer.

- Elas são... adoráveis - Sandra falou, pegando o buquê como se fosse algo que tivesse ficado preso no ralo do banheiro.

Dean se sentou ao lado de Zack, ocupando quase todo o espaço e fazendo com que o outro rapaz tivesse que se espremer entre ele e o braço do sofá.

- A senhora parece feliz em me ver - Dean comentou, um sorriso enorme no rosto. - Luke avisou que eu vinha? Por acaso o Terry aqui preparou aqueles biscoitinhos que eu gosto?

- Não tivemos muito tempo. Por conta da mudança. - Sandra disse, mas ela estava vestindo uma saída de praia, óculos escuros e segurava um drinque colorido. Luke sabia que a mãe estivera na piscina com um bando de amigas de Malibu a tarde inteira, enquanto o pai tinha saído para o mar com os amigos na lancha da família. - Luke disse que vai ter uma festa hoje.

- Luau. Música incrível, comida à vontade, uma fogueira à beira mar... A senhora também está convidada.

Sandra torceu o nariz.

- Passo. - Ela então se virou para Luke, que estivera encostado na parede da sala com os braços cruzados, observando bastante satisfeito o modo como Dean conseguia deixar Terry e a mãe desconfortáveis. - Eu conversei com seu pai. E com os seus pais por telefone, Zack. É bom vocês estarem aqui até uma da manhã.

- Ah, não vai ser problema cumprir o horário, Sra. Mosheyev. Pode ter certeza - Zack falou, fazendo Dean olhar para ele com a maior cara de desprezo.

- Vamos ver se você continua com essa opinião depois de uns copos...

- Espero que você não embebede meu filho, Dean. Nem Zack. Como eu sei que é impossível manter álcool distante de um bando de adolescentes de dezoito anos, pelo menos espero que exerçam a consciência vez ou outra e lembrem que ainda não têm idade para beber.

- Minha consciência está sempre leve como uma pena, Sra. Mosheyev - Dean anunciou com um sorrisinho. - Não se preocupe. Eu não vou beber, já que vou dirigir até aqui de volta pontualmente às uma da manhã para trazer seus meninos de ouro são e salvos.

- Então você vai no carro dele? - Sandra perguntou para Luke. O filho deu de ombros, despreocupado.

- A Kombi é grande o suficiente para nós três. - Ele então puxou o celular do bolso e conferiu o horário. - E acho melhor a gente ir andando se quiser aproveitar a festa.

- Nada de beber energético, Luke - Sandra recomendou, acompanhando os três rapazes até a porta. - E nem pense em entrar no mar.

- Tá bom, mãe.

- Dean, se eu souber que você tocou em um volante bêbado...

- Já sei. Serei expulso da Carbon Beach para todo sempre e nunca mais vou ter permissão para falar com o Lukezinho aqui.

- Eu ia dizer que vou te pendurar pelas orelhas.

- Que bárbaro, Sra. Mosheyev... Adorei.

Luke riu quando Dean colocou um braço ao redor de seus ombros e deu um tchauzinho para a mãe, que os observava se afastar na praia.

- Não se preocupe, senhora. Zuma Beach fica logo ali.

- Espera um pouco, Zuma Beach?!

- Porra, Dean, custava calar essa boca? - Luke falou enquanto a mãe gritava atrás deles. - Eu disse que a festa ia ser perto do píer!

- Luke, nunca minta para os seus pais. É feio.

- Seu idiota.

- Luke, volta já aqui! - Sandra gritou, o rosto vermelho de raiva, mas Dean já estava correndo pela estreita faixa de areia. A maré subia cada vez mais com o pôr do sol.

Luke começou a correr também, e até Zack, depois de gritar umas desculpas por sobre o ombro. Eles chegaram ao acesso oeste e entraram na Kombi verde de Dean. Luke se jogou naqueles bancos familiares, esburacados e cheirando a couro velho. Dean ligou o motor e Zack abriu com dificuldade as janelas de trás.

O radiozinho instalado na Kombi começou a berrar Hotel California dos Eagles conforme Dean pisava no acelerador. Luke colocou a cabeça para fora, sentindo o vento no rosto e observando as enormes palmeiras daquela parte de Malibu balançarem.

Para tudo ficar ainda mais perfeito, ele só precisava ter uma prancha jogada por ali, na bagunça caótica que era a traseira da Kombi.

Seus olhos se encontraram com os de Dean pelo espelho retrovisor naquele instante e foi como se o amigo lesse seus pensamentos.

- Embaixo da manta de retalhos - ele disse com um sorriso solto. Luke se levantou e ergueu o cobertor jogado por ali, para então se deparar com duas pranchas de surfe esperando por eles.

- Zuma Beach tem boas ondas ao pôr do sol - Dean comentou.

Zack balançou a cabeça para si mesmo.

- Sua mãe vai te matar. E depois me matar.

Luke sorriu e se jogou no banco da Kombi, a prancha no colo.

- Mas primeiro ela vai matar o Dean.

Dean, que não ligava para nada, apenas riu e acelerou pelas ruas de Malibu.

A faixa de areia estava lotada de adolescentes rindo, dançando e bebendo ao entardecer. Dean deve ter cumprimentado cada um na maldita festa antes de se acomodar perto da fogueira, estendendo para Zack e Luke copos de plástico cheios até e borda.

- O que tem nessa coisa? - Zack perguntou, observando o líquido desconfiado.

- Algo para ajudar na sua cara feia. - Dean revirou os olhos. - É uma batida de morango. Tem um pouco de álcool. Você se importa?

Zack sustentou o olhar desdenhoso de Dean e deu um longo gole.

- Vou precisar de mais algumas se quiser te aguentar até às uma da manhã.

- Vocês dois brigam como um casal de velhos - Luke disse, então se levantou e pegou a prancha que tinha cravado na areia. - Dean? Você vem?

- Caramba, Luke, já vai entrar na água?

Luke observou alguns garotos nadarem de encontro às ondas, a água do mar cintilando com o pôr do sol.

- Por quê não?

Ele tirou a camisa e a jogou no tronco de árvore que servia como assento ao redor da fogueira. Alguns antigos colegas de Malibu o viram e vieram cumprimentar, pegando as respectivas pranchas antes de se jogarem no Pacífico.

Enquanto remava na água fria, Luke levou a mão ao colar que sempre carregava no pescoço. Aquele pôr do sol, aquelas águas, o lembravam de quem tinha amado e perdido. De algum modo, passar o dedo pela inscrição naquela pequena placa de metal amortecia sua dor.

Mas só um pouco. E só por um momento.

Luke ficou de pé na prancha. Com o coração aos pulos no peito, ele chegou à parte mais alta da parede da onda e deu um giro de cento e oitenta graus, primeiro com os ombros e depois com o corpo todo. Ele esticou o pé traseiro, a onda resistiu à pressão e um spray de água foi criado atrás de si. Luke sorriu, finalizando a manobra e dobrando o pé da frente para manter o equilíbrio acima da prancha.

Ele repetiu o movimento, de novo e de novo.

- Metido - ele ouviu a voz por cima do barulho ensurdecedor do mar. Atrás de si, um garoto ruivo tentava se manter equilibrado com visível dificuldade. Luke sorriu. Conhecia aquele cara. Era vizinho de Dean.

- Nunca consigo fazer uma rasgada - ele falou. Aquele era o nome para a manobra que Luke tinha feito. - Consigo chegar até a parte em que a água espirra, mas depois a onda leva a melhor.

- O segredo está na posição do corpo. Vou te ensinar.

Luke ficou no mar por quase uma hora. Ele não queria deixar as águas nunca, mas o sol tinha ido embora, tornando o mar mais rebelde. Ele nadou até a costa e encontrou Dean rindo com uma garota ao seu lado. Ele chegou perto do amigo e sacudiu os cabelos molhados.

- Luke, que porra - ele reclamou, empurrando o amigo para o lado. - Tem uma toalha em algum lugar da Kombi. É melhor você se secar. Se pegar um resfriado que seja, sua mãe me joga no oceano.

- Cadê o Zack? - Luke perguntou, sem dar a mínima importância para o que ele tinha dito.

- Da última vez que chequei, estava vomitando as tripas atrás de algum carro.

- Como é que é?

- Acho que a batida não fez bem para ele.

Luke revirou os olhos e começou a se afastar de Dean e da garota com quem ele claramente estava tentando ficar, mas então o amigo o segurou pelo ombro.

- Se está pensando em ir naquela direção - ele falou perto do seu ouvido, inclinando a cabeça na direção de um círculo de garotas perto do fogo. - Saiba que a galera da ilha chegou.

Luke olhou para Dean.

- Sally?

- Eu a vi conversando com Rudy Thompson. Dá para acreditar? Aquele babaca apareceu com a turminha da Carbon Beach sem ser convidado. Ele é um sortudo de merda se eu não quebrar a cara dele até o fim da noite.

A rixa entre Dean e Rudy era antiga. Para ser sincero, nem Luke sabia muito bem como tinha começado. Só sabia que os dois se odiavam mutuamente e que Rudy era detestável com todos que não faziam parte do mesmo ciclo que ele, em especial Dean, que nunca tinha abaixado a cabeça para as merdas que Rudy deixava escapar quando se encontravam.

Mas ele não disse nada. Não se importava que Sally estivesse ali, muito menos que estivesse com Thompson. O que eles tinham, o que tiveram, havia sido enterrado por ela dois verões atrás.

Luke se desvencilhou de Dean.

- Valeu por avisar, mas não faz diferença.

Dean não respondeu, mas observou o amigo andar pela areia em direção ao estacionamento da praia, no lado oposto ao da fogueira.

Luke caminhou, as luzes do luau ficando para trás.

- Zack? - ele chamou, tirando o cabelo molhado dos olhos. - Você tá aí?

O som de alguém vomitando foi o suficiente para guiá-lo na direção certa.

- Zack que merda você... Ai caramba. - Luke se calou ao ver o amigo curvado sobre uma poça de vômito maior do que ele esperava. - Parece que a batida de morango não caiu bem...

- Eu. Vou. Matar. Aquele. Idiota - Zack disse entre arfadas, o cabelo escuro caindo sobre os olhos conforme ele se curvava para frente, um braço sobre o estômago.

- Quem? Dean?

- Quem mais seria? - Zack grunhiu, se apoiando com a mão trêmula no para-choque de uma caminhonete. - Foi ele quem me fez beber três daquela coisa horrorosa.

- Te fez beber? Dean por acaso enfiou o álcool pela sua goela?

- Tenho certeza que tinha alguma coisa na bebida.

- Tipo o quê? Veneno?

- Eu sei lá, porra! Dean me detes...

Mas sua frase foi interrompida por outra onda de vômito.

- Dean não te detesta. Ele só tá tendo a diversão da vida dele enchendo o seu saco. - Luke se agachou ao lado do amigo, tentando disfarçar a careta pelo cheiro rançoso dali. - Você não é de beber, Zack, e deve ter engolido três batidas cheias de Vodka só para provar que podia. Agora você está aqui vomitando as tripas e Dean está lá flertando com uma garota. Um a zero para ele.

- Isso não é uma maldita competição, Asher - Zack rugiu, e para ter usado o nome do meio de Luke, ele estava mesmo com raiva. - Mas, se for, pode ter certeza que eu vou fazer Dean se arrepender até a décima geração muito em breve...

Luke revirou os olhos e se levantou. Já tinha percebido que boa parte das suas férias de verão seriam passadas tentando evitar um possível assassinato entre seus melhores amigos.

- Vou buscar um copo d'água para você. Fica aí.

Zack o olhou por sobre as mechas de cabelo escuro.

- Como se eu conseguisse sair...

Luke voltou na direção da praia, e estava quase chegando até a caixa de isopor onde esperava encontrar alguma coisa sem álcool quando esbarrou com tudo em alguém.

- Nossa, desculpa. Eu não estava olhando.

Ele ergueu os olhos, mas a respiração ficou presa na garganta quando reconheceu o rosto diante do seu.

- Luke - Sally disse, os olhos azuis arregalados em surpresa. - Eu...

Luke se recompôs primeiro. Ele tinha que se recompor.

- Oi, Sally. Tudo bem?

A garota engoliu em seco e os ombros caíram um pouco. Luke viu seus dedos repletos de anéis apertarem com força o copo de bebida.

- Bem. Muito bem. É bom te ver de novo. - Ela sorriu e colocou uma mecha do cabelo castanho atrás da orelha. Luke a tinha visto de relance no último verão, mas não se aproximara para falar com ela. A ferida ainda estava aberta, mesmo depois de um ano. Mas, agora, dois haviam se passado desde aquele último, quando ambos tinham dezesseis. Era inútil e infantil tentar evitá-la, ainda mais quando Sally passava mais tempo em Malibu do que na Ilha da Rocha onde vivia.

Luke a observou discretamente.

Ela continuava a mesma depois de todo aquele tempo, mas tinha conseguido ficar ainda mais bonita, se é que aquilo era possível.

O cabelo castanho descia em ondas até seu colo, o rosto exibindo uma maquiagem leve e impecável, o corpo gordo, que o mundo inteiro podia gritar que estava fora dos padrões, era perfeito. A garota mais linda da ilha, aquela que todos queriam ter por perto.

Por um tempo, ela tinha sido dele. E ele tinha sido dela.

- Veio passar o verão em Malibu outra vez? - ela perguntou, e parecia quase... tímida. Se Luke não estivesse tão atordoado, teria rido. Pensar em Sally como uma garota tímida e retraída era ridículo.

- Meus pais gostam de seguir tradições - ele falou. - Chegamos ontem.

- E Dean já conseguiu te arrastar pra farra - ela disse com um sorrisinho, como se tentasse quebrar o gelo. - Ele nunca perde uma, posso garantir.

Nem você, Luke pensou consigo mesmo. Sally amava festas tanto quanto ele amava estar no mar. Não que aquilo fosse um problema. Antes, ele a acompanhava para cada canto se aquilo significasse vê-la feliz.

- Tivemos sorte hoje - ela continuou. - Vi no noticiário que tem uma tempestade a caminho. Parece que vai chegar amanhã. Você sabe que nunca dá para ter certeza como as coisas vão ficar depois de uma tempestade... Talvez a gente fique sem fazer festas por um tempo se a destruição for grande demais.

Sally estava tagarelando. Luke sabia disso. Ela costumava tagarelar quando ficava nervosa.

Ele podia ficar ali escutando sua voz. Se se esforçasse, conseguiria fingir que tudo era como antes. Mas não era. Havia uma barreira entre eles. Uma posta por ela e mantida por ele. Luke não podia e nem queria atravessá-la.

- É bom te ver de novo, Sally - Luke falou, já dando um passo para longe na areia. - Mas preciso ir. Meu amigo não está muito bem e eu...

Ele parou quando sentiu a mão dela ao redor do seu pulso. Sua pele estava gelada. As mãos de Sally sempre tinham sido muito frias, mesmo no calor de Malibu.

- Luke, a gente não pode conversar? Só por um momento. - Seus olhos azuis pareciam carregar receio, e dor. Luke baixou a cabeça. Não se deixaria ser enganado por aqueles olhos de novo. - Depois do que aconteceu, nunca mais consegui falar com você. Eu tentei no verão passado, e te procurei nas redes sociais, mas...

Mas ele a tinha bloqueado. Tinha expulsado Sally da sua vida como se ela nunca tivesse existido.

Aquilo ajudou a amortecer a dor, ele achava, mas a verdade é que só estava enganando a si mesmo.

- A gente não tem nada para conversar, Sally - Luke se forçou a dizer, as palavras rasgando a garganta. - O que aconteceu, aconteceu. Ficou no passado.

- Mas...

- Eu preciso ir.

Ele se desvencilhou do toque dela. A mágoa em seu rosto doeu, mas Luke sufocou o sentimento. Havia sido ela quem acabara com tudo. Não era justo que Luke se sentisse culpado por algo que nem devia afetá-la.

- Até mais, Sally.

Ele se afastou na areia, deixando Sally parada no lugar, os olhos fixos em suas costas, o coração em pedaços no peito.

Rapidamente, ela foi engolida por seus amigos alegres e bêbados. A festa precisava continuar afinal. Sua alegria precisava continuar.

Então ela vestiu a máscara, como sempre fazia.


Depois de cuidar de Zack e garantir que o amigo estava bem, cochilando no banco traseiro da Kombi de Dean, Luke voltou para praia.

E bebeu.

Bebeu mais do que jamais tinha bebido na vida.

Dean tentou pará-lo. Pela primeira vez, foi o amigo quem tentou colocar algum juízo na cabeça de Luke, e não ao contrário. Mas Luke, depois de mais viradas de copo do que era capaz de contar, não dava a mínima.

Através da visão borrada, ele viu as horas no visor do telefone. Sabia que já passava da meia noite, os minutos correndo como em uma ampulheta. O relógio atingiu às uma, depois às uma e meia. Uma festa cheia de adolescentes bêbados nunca tinha hora para acabar. Essa era a regra.

- Não posso te levar para casa desse jeito - Luke registrou as palavras de Dean em algum momento, mas elas pareciam vir de muito longe. - Seus pais vão acabar com a sua raça, Luke.

A música alta parecia perfurar seus tímpanos, assim como o som do mar revolto. Ele estava começando a sentir sono, e aquilo era péssimo, porque ainda tinha muito para beber e se divertir. Estava cercado por amigos. Estava em Malibu, caramba! Ele precisava comemorar.

Luke viu quando alguém lhe estendeu uma lata de Red Bull e viu os próprios dedos se esticarem para a bebida, mas, rápido demais, alguém deu um tapa na lata, que rolou pela areia.

- Dean, que merda! Por que você...

Mas Luke sentiu as mãos do amigo nos ombros, os olhos verdes furiosos.

- Tá maluco, Luke? Perdeu a porra do juízo?! A gente tá indo embora. Agora.

Dean o puxou pela praia, sem dar a mínima para os resmungos de Luke. Sua cabeça estava pesada, seu corpo estava pesado. Ele não tinha forças para discutir nem se quisesse.

Sally tinha ido embora pelo menos três horas mais cedo, mas aquilo não o havia impedido de beber. Na verdade, aquilo só o fez beber mais.

Luke se viu ser jogado na traseira do Kombi de Dean. Zack, que estivera dormindo desde então, resmungou alguma coisa e puxou a manta velha para mais perto do queixo.

- Você vai deitar aí, e vai dormir - Dean falou, nervoso. - Estou te levando para casa.

- Você é sério demais, Dean - Luke se pegou murmurando. - Me lembre de nunca mais sair com você se não for beber. Fica um saco.

- Um saco é ter que servir de babá para vocês dois. Isso é mil vezes um suco e um pouco mais. Agora cala a boca.

Luke nunca soube como chegou em casa. Ou em seu quarto. Na sua cama. Tinha consciência da voz nervosa dos pais e do modo como a porta foi batida com uma força descomunal às três da manhã, o horário piscando em vermelho no seu despertador. Luke só sabia que, quando acordou na manhã seguinte, a cabeça latejando e um gosto azedo na boca, se sentia um trapo.

Um trapo prestes a ser trucidado.

Ele girou no colchão e semicerrou os olhos para enxergar o horário. Meio-dia.

Jesus Cristo.

Ele puxou as cobertas, a barriga roncando, e adormeceu de novo. Quando voltou a acordar, se obrigou a sair da cama e tomar um banho. Sua cabeça ainda latejava, mas não tanto quanto antes. Ele pegou o celular para tentar se comunicar com Zack do outro lado do corredor, mas o aparelho estava sem bateria.

Luke se muniu de coragem e saiu do quarto. Se encontrou com Teddy no corredor.

- O almoço está na mesa - ele anunciou friamente, o queixo erguido até o teto. - Seus pais estão te esperando.

Merda.

Antes de ir para a sala, ele entrou no quarto de Zack e o encontrou deitado na cama, encarando o teto.

- Seus pais conversaram comigo - ele disse, antes que Luke sequer abrisse a boca. - Disseram que se eu sair da linha de novo, vão me despachar para Los Angeles. E eu não quero voltar para Los Angeles, Luke. - Ele fechou os olhos. - Não vou passar um verão inteiro trancado em casa com eles.

Luke sabia que Zack se referia aos pais. E sabia que, por mais que as coisas fossem estranhas entre ele próprio e os pais, nada se comparava à relação de Zack com a família. As coisas eram tensas na casa dos Turner, e frias. Zack não tinha aceitado vir para Malibu só porque gostava da companhia do melhor amigo e porque queria conhecer uma cidade nova. Em parte, ele tinha vindo porque precisava fugir.

- Eu pisei na bola - Luke disse baixinho. - Bebi demais. A culpa foi minha.

- Não importa - Zack falou, a voz rouca. - Só... Tenta não fazer de novo.

Luke sorriu.

- Vou enfrentar meus pais agora.

- Boa sorte com isso.

Ele saiu do quarto e encontrou Nicholas e Sandra Mosheyev impassíveis à mesa de jantar. Luke arrastou a cadeira e se sentou na outra ponta daquela mesa enorme. Por incrível que pareça, os pais não falaram nada até que os três terminassem de comer.

- Vou quebrou muitas regras ontem à noite, Luke - Nicholas disse quando terminaram, pousando o copo de suco na mesa. Luke tentou não revirar os olhos. Será que não fazia mesmo diferença alguma que agora ele tinha dezoito anos? Não podia se permitir fazer uma merda vez ou outra?

- Pai, foi uma vez. Eu nunca fiquei bêbado desse jeito.

- Não importa - a mãe interferiu. - Nós estávamos quase indo atrás de você. Se Dean não tivesse atendido o telefone quando eu liguei, eu teria te feito passar a maior vergonha da sua vida.

Luke não tinha dúvidas disso. A mãe usava a classe como uma armadura, mas sabia fazer um escândalo quando achava conveniente.

- Eu estou bem, mãe. Dean não bebeu e me trouxe de volta para casa. Não vai acontecer de novo.

- É bom que não. Mas não é só isso. - A mãe arrastou a cadeira e veio na direção de Luke, colocando o celular na frente dele. - Consegue explicar isso?

Levou um segundo para que o cérebro de Luke processasse o que estava vendo, mas então reconheceu a si mesmo surfando em Zuma Beach, o sol se pondo atrás de si.

- Quem tirou essa foto? - ele perguntou, a raiva queimando sua garganta.

- O filho de uma amiga minha estava nessa festa ontem. Ele tirou uma foto do mar e mandou para a mãe, que, por acaso, sabe da sua situação e da minha proibição em relação ao surfe. - Luke desviou os olhos, os nós dos dedos brancos com a força com que segurava os braços da cadeira. - Você está praticando esse esporte horrível, Luke. Eu sabia que estava. Sabia que era um risco voltar para Malibu todos esses verões com você, mas esperava que tivesse um pouco mais de respeito e responsabilidade.

- Mãe, você tem que parar com isso. O surfe não é um problema. Eu já fui atrás de todas as informações e...

- Você não sabe de tudo, Luke - Nicholas interferiu, também se levantando da cadeira. - Sei que gosta de pensar que sabe, mas não sabe.

- O Dr. Daniel... - retomou a mãe.

- O Dr. Daniel só fala o que vocês querem ouvir - explodiu Luke. - Acham que eu não sei? Ele é um profissional de merda, é isso que ele é. Só pensa no dinheiro que vocês sacodem na frente dele como se fosse um cachorrinho.

- Luke! - O pai bateu as mãos na tampa da mesa, os ombros poderosos tremendo. Luke nem piscou.

- Não adianta eu dizer que estou bem. Não adianta eu tentar convencer vocês a procurarem outras pessoas. São contra o surfe porque não acham digno o único filho dos Mosheyev esnobar um cargo na empresa para tentar a carreira de surfista. Sempre foi sobre isso. Sempre foi sobre essa merda de status e dinheiro.

- Você não faz ideia do que está falando - Sandra rebateu, e tinha lágrimas nos olhos. - Acha que me importo com status? Com dinheiro? Eu temo por você! A todo instante.

Mas Luke não acreditava naquilo. Pelo menos não na primeira parte.

A mãe sempre tinha deixado muito clara sua opinião a respeito do surfe. O pai, por outro lado, desde que ele tinha demonstrado interesse no esporte quando ainda era criança, havia esnobado Luke por aquilo, repetindo inúmeras vezes que seu futuro estava na Mosheyev Interprese, a empresa de construção civil mais famosa do país e as montanhas de dinheiro que ela podia mover.

Não importava como Luke se sentia a respeito. Só importava que ele havia sido aprovado na Universidade da Califórnia em um curso que não tinha o mínimo interesse. Aquilo os tinha deixado satisfeitos. Contanto que Luke cursasse a faculdade de negócios e seguisse os passos dos grandes homens da família, sua felicidade podia ficar em segundo plano.

Toda aquela baboseira a respeito do seu bem-estar... Aquilo o havia sufocado por anos e o mantido distante da coisa que mais amava. E Luke sabia como os pais se aproveitavam da sua condição para mantê-lo longe do surfe.

- Não vou deixar você levar uma vida sem rumo debaixo do meu nariz, Luke. Não vou - Nicholas praticamente rugiu, os olhos azuis mirando o filho com fervor.

- Surfar não quer dizer que levo uma vida sem rumo, pai - Luke rebateu com desprezo. - Tem noção do que está falando?

- Chega disso. Chega, Luke. Isso precisa acabar, pelo seu bem. - Sandra se aproximou do filho, mas ele se afastou bruscamente. A mágoa queimou nos olhos da mãe. - Não quero te ver em cima de uma prancha de novo. Durante todos esses anos confiei em você, te dei liberdade, mas agora acabou. Se agir como uma mãe manipuladora significa te deixar a salvo, é isso que eu vou fazer. Vou passar o verão inteiro de olho em você, e não dou a mínima se já tem dezoito anos e acha que é muito dono do próprio nariz. Você é meu filho e só vai fazer o que quiser quando sair dessa casa e tiver a própria vida.

Luke faria aquilo com prazer.

Faria, se tivesse para onde ir. Ele costumava ter um refúgio, mas ele desapareceu depois da morte da pessoa que mais amava.

E seus pais eram ricos, enquanto ele não tinha onde cair morto com suas escassas economias.

Luke adoraria ser rebelde, mas sua razão era uma pedra no sapato na maioria das vezes.

- Acabou - ele ouviu o pai dizer. - Essa história de surfe acaba hoje.

Sua garganta fechou. Foi como se o chão, o centro da gravidade, desaparecesse por completo.

Sem o surfe, o que ele era? O quanto restava se até aquilo fosse tirado dele?

E quanto ao seu plano? Ele estava tão perto... O campeonato para o qual tinha treinado às escondidas o ano inteiro estava se aproximando. Ele tinha conseguido chegar até a final, a última etapa a poucas semanas de distância. Como teria uma chance de vencer se não pudesse treinar? Aquela era sua última cartada. A última chance de ser notado por alguém e começar a construir uma carreira antes que seus dias se resumissem a horas tediosas na faculdade em Los Angeles.

Não podia acreditar. Não podia aceitar aquilo.

- Vocês não fazem ideia - ele falou, as palavras fazendo sentido só para ele.

Os pais não tinham ideia da importância do surfe para Luke. Não tinham ideia do que era ter algo que fazia sua vida fazer sentido ficar fora de alcance.

Luke girou nos calcanhares. Dug, que estivera observando a discussão amuado em um canto, seguiu o dono.

- Aonde você pensa que vai, garoto? - Nicholas gritou atrás de si, mas Luke não escutava.

Precisava sair daquela casa. Precisava se afastar dos pais.

Ele foi até o quarto, abriu as gavetas e revirou seu conteúdo até encontrar a chave que procurava, a enfiando no bolso da bermuda.

- O que está acontecendo, Luke? - ele ouviu Zack perguntar na porta do quarto, mas passou por ele sem dizer nada, e depois pelos pais.

Nicholas Mosheyev o segurou pelo ombro, mas Luke, que era tão alto e quase tão forte quanto o pai agora, se afastou bruscamente, passando pela mãe, que tinha lágrimas escorrendo pelo rosto.

- O que você...

Mas ele já estava longe, Dug nos seus calcanhares.

Cego de raiva e dor, Luke atravessou a Carbon Beach e chegou a um pequeno atracadouro particular poucos minutos depois. Uma olhada rápida para os barcos ali e ele reconheceu a lancha da família, que devia estar ali desde que o pai voltara na tarde anterior do passeio com os amigos. Sem pensar, Luke atravessou o píer e subiu na lancha, Dug o acompanhando.

Luke sabia se virar no mar de várias formas, e havia aprendido a conduzir barcos de todos os tipos ainda muito novo, quando ele e o pai eram mais próximos do que eram hoje.

Luke acelerou para o mar aberto, querendo esquecer, querendo ir o mais longe que podia. Dug latiu e ele fechou os olhos só por um momento. Um trovão rugiu ao longe, e, por trás dos enormes montes da Ilha da Rocha que se elevava a poucos quilômetros de distância, Luke não viu o céu escuro e a tempestade que se aproximava.

______________________❤️__________________

Oii gente!!! Como vocês estão? Espero que bem.

Esse capítulo deu um trabalhinho e espero que tenham gostado dele <3 Vários personagens e arcos que serão importantes para a história foram introduzidos hoje e eu estou aqui queimando de curiosidade para saber as teorias e opiniões de vocês haha.

O próximo capítulo é da Isla e só de pensar nele eu já fico ansiosa. Espero vocês lá!

Um beijo e até mais,

Ceci.

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