sete
- Essa é uma ideia horrorosa - Lino falou cinco dias depois da tempestade, quando Isla o guiou pelo atracadouro até o antigo barco da família. - Sabe, quando eu disse que estaria com você aqui e do outro lado do mar, não foi literal. Era só uma frase bonitinha.
- Bom saber - Isla disse, passando as pernas por cima da mureta do barco e pulando no convés. Ela observou os arredores. Os vários homens trabalhando com redes de pesca e fazendo reparos nos barcos nem prestavam atenção nela. - Achei que era para valer.
- É para valer. Quer dizer, mais ou menos. - Lino pulou a mureta também, mas se desequilibrou e teria caído de cara se não fosse pela assistência de Isla. Ele se recompôs e ajeitou os óculos de armação preta no rosto. - Que merda você está pensando em fazer?
- Nada. Já disse. - Ela arrastou Lino até as cabines que ficavam na parte inferior do barco. Eram dois quartos pequenos e uma cozinha menor ainda, mas confortáveis e bem organizados. - Só pensei que a gente podia colocar essa máquina velha para funcionar. Dar uma volta com ela por aí e espairecer um pouco.
- O que sua irmã disse sobre isso?
- Maren? - Isla deu de ombros, indo até um pote no armário da cozinha e revirando seu conteúdo até achar as chaves do barco. - Eu não contei. Ela nem usa isso aqui mesmo.
- Olha, eu não tenho irmãos, mas acho que nunca é uma boa ideia pegar algo emprestado sem pedir primeiro. Se não, não é emprestado, né? A gente chama de roubo mesmo.
- Tecnicamente, o barco é da família. Como eu sou da família, posso pegar quando quiser, sem precisar de permissão.
- Você acabou de dar mais voltas que um pião, Isla. Para de me enrolar. O que estamos fazendo aqui de verdade?
Ela suspirou e se virou para Lino abruptamente enquanto subia as escadas estreitas até o convés. Ele estancou no lugar, quase batendo nela.
- A vida ficou chata de novo, Lino - Isla confessou de uma vez. - Faz dias desde que tudo aconteceu, e a última notícia sobre o tal Luke Mosheyev foi que ele deixou a ilha para voltar para sua mansão em Malibu. Pela primeira vez na minha vida, algo aconteceu, e acabou na mesma rapidez. Sinto que se não fizer alguma coisa para me mexer, vou ficar doida.
- Mas não era isso que você queria? - Lino perguntou encabulado. - É melhor que as pessoas parem de comentar, que os Mosheyev voltem para o palácio de onde saíram. Esqueceu do seu pai? Esqueceu de como ele reagiria se soubesse o que você fez? De como se arriscou?
- Eu sei, eu sei. - Isla soltou um ruído de frustração e balançou a cabeça. - Mas não posso evitar. Não consigo tirar tudo isso da cabeça. Se o máximo de rebeldia que me permito ter para me acalmar é pegar emprestado um barco que já vai fazer aniversário na baía, tudo bem. Não vou fugir com ele, por mais que eu queira. Nada de proibido e misterioso nisso.
- Se não é proibido, porque você parece com medo de ser pega no flagra?
- Porque a minha família é paranóica com segurança, e porque eu estou ficando tão cagona quanto você.
Isla sorriu diante da cara emburrada de Lino e girou a chave do barco na ponta do dedo.
- E aí? Quer ver o que está rolando do outro lado da ilha ou não?
- Do outro lado da ilha só tem árvores. E o Pacífico se estendendo até o Havaí.
- Talvez a gente chegue ao Havaí um dia.
- Só se você me sequestrar.
- Não seria tão difícil.
Isla terminou de subir as escadas e foi até a cabine do barco. Ela estava prestes a fazê-lo se mover quando percebeu Lino debruçado sobre a mureta, os olhos perdidos de repente. Ela colocou a cabeça para fora da janelinha da cabine e sorriu com malícia.
- Hipnotizado, Angelino?
Ele levou um susto e se virou para ela, as bochechas coradas.
- Se eu mentir e dizer que não, você vai me deixar em paz?
Isla seguiu seu olhar e encontrou o motivo do sorriso bobo no rosto do melhor amigo. Para ser sincera, o motivo do sorriso bobo de quase todos os garotos da ilha.
Sally Lopez.
Ela era mesmo hipnotizante, e em mais de uma só maneira. Isla via como ela era magnética, com aquele sorriso perfeito, cabelos sempre no lugar e pele de dar inveja. Mas não era só a aparência, era o modo como ela se movia, falava e ria. Sally era carismática e arrastava uma legião com ela onde quer que fosse. Tinha sido a garota mais popular da escola durante todos os anos de colégio; as meninas queriam ser como ela, e os meninos matariam por um minuto da sua atenção.
Não era novidade que Lino estivesse apaixonado por ela desde a sexta série. Sally, apesar de sair apenas com seu grupinho de adolescentes ricos e populares, era gentil com todo mundo e nunca fora arrogante, pelo menos não até onde Isla sabia. Ela era legal, era o que todos diziam, e parecia levar uma vida perfeita em sua enorme casa na parte nobre da cidade, frequentando todas as festas em absolutamente todos os fins de semana e arrasando corações a torto e a direito por aí.
Por um lado, era até bom que ela nunca tivesse dado nenhuma atenção em particular a Lino. Isla não era ciumenta com as suas amizades, mas não gostaria de ver o melhor amigo ser só mais um dos caras apaixonados e rapidamente descartados pela implacável Sally Lopez.
- Sei que você vai me achar infantil - Lino falou com um suspiro. - Mas tem algo sobre ela...
- Eu sei. - Isla disse, sem julgar. - Ela é uma visão. E todo mundo já sofreu de amor platônico uma vez na vida, Lino. Isso não mata ninguém.
Isla observou a garota debruçada na mureta de uma lancha que devia custar uma vida inteira - ou melhor, duas vidas - do seu trabalho na floricultura. A lancha estava lotada com os amigos de Sally, todos rindo, bebendo e dançando com a música alta. Ela, geralmente o centro de qualquer comemoração, estava mais a parte naquele dia, os óculos de sol escondendo os olhos enquanto batucava os dedos na lata de cerveja.
Lino suspirou, chamando sua atenção de volta para ele.
- É. Tudo certo. Não é como se ela fosse me notar mesmo. - Lino foi até a cabine e se recostou na parede com os braços cruzados. - Você acha que ela só sai com caras brancos? Que nem aquela menina que me deu um fora na nona série?
Isla franziu as sobrancelhas diante do comentário.
- Hmmm... não. Primeiro porque ela não é uma babaca que nem Eva Atkins, segundo porque já vi Sally aos beijos com todo tipo de cara que você conseguir imaginar. E uma ou duas garotas também. - Isla sorriu de maneira doce e colocou uma mão no ombro do amigo. - Lino, eu sei que dói, mas acho que o real motivo pelo qual Sally Lopez ainda não te notou, é porque você e eu formamos o grupinho dos excluídos, dos zero à esquerda, que nunca, nem em mil anos, vai se relacionar com a galera do Rose - ela disse, citando a parte de alto escalão da ilha. - Acho melhor a gente aprender a lidar com isso.
- Já aprendi - Lino falou, se endireitando de repente. - E, só para você saber, estou muito bem sendo um zero à esquerda. Desde que você continue sendo uma também, tudo certo.
Isla riu e deu um soquinho no ombro do amigo.
- É assim que se fala. Agora vamos colocar essa banheira para fora daqui.
Enquanto Isla afastava o barco do atracadouro com cuidado, Lino andou pela cabine, ajeitando o que não precisava ser ajeitado e tagarelando sem parar.
- Aposto que não tem comida naquele freezer lá embaixo - ele comentou.
- Não. Como eu disse, quase ninguém usa o barco.
- Por quê?
- Você sabe que a minha família não é assim muito fã de sair da ilha. E acho que esse lugar lembra a minha mãe.
- Sua mãe?
- Maren me contou que o barco era dela, e que era ela quem programava passeios com ele. E, como sempre, tudo que lembra a minha mãe afasta o meu pai.
Lino ficou em silêncio por um instante.
- Isso é muito triste, Isla.
- Eu sei, mas é a verdade.
Ele ficou calado e quieto por mais um tempo, mas logo começou a mexer em tudo de novo.
- O que tem aqui em cima? - ele perguntou, revirando os pequenos armários anexados às paredes da cabine.
- Ratos, provavelmente. E baratas. Dá para parar de se mexer? Tá me desconcentrando.
- Olha, tem uma foto velha da sua família aqui. Tem até você, quando era bebê! E... nossa, tem uma barata mesmo. Me dá seu chinelo, vou matar.
- Pega o seu!
- Tô usando tênis!
Isla resmungou alguma coisa enquanto jogava sua sandália para Lino, torcendo para acertar sua cara por engano.
- Tenta não quebrar na...
Isla escutou uma pancada e olhou para trás por tempo suficiente para ver Lino em uma luta épica com a tal barata. Até onde podia dizer, a barata estava ganhando.
- Cuidado para não acertar alguma coisa aqui! - ela exclamou quando Lino esbarrou nela com força. - Eu não sobrevivi a uma tempestade no meio do mar para morrer em um naufrágio com você!
- Não tem coletes salva-vidas em lugar nenhum aqui? Só no caso da gente precisar.
- E eu sei? A Maren nunca comentou.
- Isla, a barata voou.
Ela soltou um gritinho e virou para trás.
Isla não tinha problema com baratas, desde que elas não voassem.
- Pousou ali na parede. Vou matar.
- Lino...
A cabine inteira chacoalhou com a força com que Lino se jogou em direção a barata. Mas, pelo jeito, ele calculou o movimento errado, porque tudo que conseguiu foi se desequilibrar quando o barco balançou e acabar acertando a cabeça com tudo em um dos armários, todo seu conteúdo caindo no chão da cabine.
- Lino!
- Desculpa - ele disse baixinho. - Mas eu pelo menos matei ela...
Isla revirou os olhos, deixou o barco à deriva e analisou o estrago.
- Sério? Você sempre destrói metade da sua casa quando vai matar algum inseto? - Ela resmungou. - Era melhor ter deixado ela viva.
- Pois é. Devia ter deixado ela voar no seu cabelo, para você parar de ser mal agradecida.
Isla se abaixou para juntar o conteúdo derrubado do armário, aliás, não era por que sua irmã não usava mais o barco com tanta frequência que ela deixaria todo aquele rastro de destruição para trás para que outra pessoa organizasse depois. (Ou que outra pessoa encontrasse a destruição mencionada e se perguntasse quem estava fugindo com a embarcação, se Isla decidisse ser sincera).
Lino murmurou outro pedido de desculpas e se abaixou para ajudar. Havia pequenas ferramentas ali, peças soltas que um dia deviam ter sido usadas no barco, cadernos e lápis de cera quebrados. Isla encontrou a fotografia que Lino estivera falando e observou a família reunida ali.
Seus pais estavam juntos um do outro, o pai segurando uma Hali de um ano nos braços, enquanto a mãe embalava um bebê recém-nascido em um manto cor-de-rosa. As outras cinco irmãs, algumas de cabelos ruivos como os da mãe, outras com as mechas escuras do pai, sorriam ao redor deles.
Era uma foto muito linda. Uma foto de quando as coisas eram diferentes.
- O que é isso? - Ela foi despertada pela voz do amigo, que balançava uma antiga caixinha de madeira trancada com um cadeado. - Parece ter alguma coisa aqui dentro.
Isla pegou a caixa e analisou a tranca enferrujada. Ela franziu as sobrancelhas, encontrou uma chave de fenda jogada por ali e com força arrebentou o cadeado com ela.
Lino ergueu uma sobrancelha diante do gesto.
- Me lembra de nunca te irritar quando tiver uma dessas por perto.
Isla revirou os olhos, mas não conseguiu esconder o sorriso. Quando abriu a caixa, encontrou um pequeno caderno com capa de couro azul ali dentro. As páginas estavam amareladas pelo tempo, e Isla percebeu que se não tivesse cuidado, a costura da capa poderia se desfazer nas suas mãos.
- De quem é? - Lino perguntou.
- Eu não sei. Não parece ter nada escrito.
Ela folheou o caderno, mas quando já estava quase no fim, viu escrita e parou.
No topo da página, grandes letras garrafais diziam:
LUGARES QUE AS MENINAS PRECISAM CONHECER EM BREVE
Havia um pequeno texto logo abaixo do título, e Isla o leu, o coração batendo mais depressa a cada palavra.
Hoje Isla completou dois anos de vida, e acho que ela e as outras já estão grandinhas para começarem a viajar um pouco com Rodrigo e eu. Ele está animado com a ideia, então comprei esse caderno para anotar os passeios que me vierem à mente. Quero levar elas aos poucos, e mostrar todos os lugares bonitos que marcaram a mim e ao pai delas de alguma forma. Estou tão ansiosa! Acho que podemos nos planejar para sair da ilha mensalmente. Vai fazer bem para todos nós ver outras paisagens de vez em quando. Faz dez anos desde o meu primeiro bebê, e essa fase foi maravilhosa, mas agora sinto que estamos todos prontos para algo novo.
Maren, Yara, Kendra, Nerida, Doris, Hali e Isla. Nossa família está completa. O mundo é das minhas meninas, e fico feliz de ter a chance de apresentá-lo a elas. As viagens foram algo muito importante na minha vida, e espero que sejam na delas também.
Isla virou a página. O texto da mãe tinha acabado, mas, logo abaixo, havia uma lista.
Uma lista de lugares. Sete lugares.
Lugares que Michelle queria que as filhas conhecessem por algum motivo.
- Isla? Você tá legal?
Ela não conseguiu responder. Ao invés disso, estendeu o caderno para Lino, que leu em silêncio o que estava escrito ali.
- Minha mãe nunca conseguiu nos levar a nenhum deles - ela falou, as palavras saindo com certo esforço. - Ela morreu alguns meses depois. Meu pai... Ele deve ter escondido o caderno.
- Deve ter sido doloroso para ele ler isso - Lino disse quando compreendeu tudo, erguendo os olhos para a amiga. - Isla, deve ter sido muito difícil para ele.
- Foi para nós também. Cada uma de nós.
Isla pegou o caderno, uma lágrima teimosa insistindo em cair e molhar a capa. Ela a enxugou com o polegar, desejando guardar o caderno, protegê-lo.
Aquilo era um fragmento da sua mãe, vivo, na palma de suas mãos.
Michelle nunca tinha parecido tão real para ela quanto naquele momento. Se Isla se esforçasse, podia imaginá-la escrevendo aquelas palavras, ansiosa para, depois de anos se dedicando quase que exclusivamente a cuidar das sete filhas, sair de Montfort com as pessoas que amava.
Algo estalou dentro de Isla.
Até onde ela sabia, depois da morte da mãe, nem ela nem as irmãs tinham ido muito longe. Seu pai havia se fechado, trancando o mundo do lado de fora e levando cada uma delas com ele. Aqueles lugares... sua mãe queria que elas os vissem, mas aquilo nunca aconteceu. Aquele sonho tinha morrido com ela.
E teria morrido com Isla também, se há cinco dias ela tivesse sucumbindo e deixado a vida escapar entre seus dedos.
- Eu amo meu pai - Isla falou, porque precisava deixar aquilo muito claro para si mesma. - Mas não posso continuar desse jeito, Lino. Não depois da tempestade. Não depois disso.
O amigo a observou sem reação enquanto ela abria o caderno na página onde Michelle tinha feito a lista. Isla passou os olhos sobre ela rapidamente, se dando conta de que todos os lugares ficavam na Califórnia, nenhum muito longe dali.
- Um deles fica em Malibu - ela disse em voz alta, encarando a letra caprichada da mãe. - El Matador State Beach. Fica logo ali.
Isla sacou o celular e entrou no Google Maps.
- Isla, isso não é uma boa ideia - Lino interferiu. - Seu pai vai descobrir, e você nunca saiu da ilha antes. Tem certeza que consegue pilotar um barco até lá? Não se perder e ainda voltar antes que alguém sinta sua falta?
Isla encarou o amigo, e Lino percebeu que seus olhos castanhos carregavam uma chama que ele nunca tinha visto. Ela não iria recuar, ele percebeu. Não daquela vez.
- Eu posso fazer isso. Tenho que fazer isso. É o que a minha mãe ia querer. - Isla mostrou o caderno a ele. - Minha vida inteira eu quis sair da ilha, Lino, mas me faltava coragem, e acho que até um motivo mais tangível. Agora não estou mais com medo. Não posso passar a vida inteira tentando não decepcionar meu pai, quando na verdade só continuo decepcionando a mim mesma.
Isla se ergueu, colocou o pequeno caderno no bolso dos shorts jeans e foi até o leme do barco.
- Eu posso dar meia volta e te deixar na ilha se quiser. Consigo fazer isso sozinha, ir e voltar antes que alguém perceba que saí.
- Não vou deixar você - Lino falou depressa, como se o simples fato dela ter pensando naquilo fosse ridículo. - Esqueceu? Estou nessa com você. Literalmente, dessa vez.
Isla enxugou as lágrimas. Ela nem tinha percebido que estava chorando.
- Vamos para Malibu, então? - Lino perguntou, um sorriso no rosto quando colocou a mão sobre a dela no leme, um tanto inseguro, mas ainda ali.
Isla olhou para frente, para o mar e para o continente adiante. Encarou determinada a faixa de terra que tinha avistado por dezoito anos, só esperando o momento certo para alcançá-la.
O momento certo nunca chegaria, ela se deu conta naquele instante. Ela teria que fazê-lo acontecer.
O rosto da mãe surgiu com perfeição em sua mente e Isla assentiu.
- Vamos para Malibu.
_______________________♥️_________________
Oii gente!!!
Como vocês estão?
Consegui postar no meio da semana e estou tãããão feliz!! E também muito ansiosa para saber o que vocês acharam <3
Chegamos a um dos plots mais importantes do livro, que vai guiar praticamente toda a história. E agora é oficial: Isla está indo para Malibu, onde se encontra a outra metade dos nossos personagens!
Spoilerzinho: o próximo capítulo se passa em um (e mais) lugares reais de Malibu que eu estou apaixonada. Também é um dos capítulos que tem tudo para ser um dos mais divertidos desse livro. Prontos? Chutam o que está por vir?
Vejo vocês em breve,
Ceci.
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