seis
- E se ele não acordar?
- Ficou doido? É claro que ele vai acordar!
- Mas e se não acordar?
- Você é quem não vai acordar depois que eu te der um soco, Turner. Pelo amor de Deus, vira essa boca para lá.
- Acha que eu não estou com medo? Caralho, ver ele assim tá me deixando maluco. Não dá para acreditar no que aconteceu...
- Tá se preocupando à toa, playboyzinho. Eu conheço o Luke aqui. Ele tem a cabeça mais dura do universo. Não tem pancada que aguente.
- Mas...
Dean e Zack, sentados nas poltronas do quarto de hospital, interromperam a discussão quando Luke se mexeu. Em menos de um segundo, os dois já estavam debruçados sobre ele.
- Dean. - Foi a primeira palavra que Luke disse, fazendo com que o amigo se agarrasse à barra da cama com força e piscasse depressa para disfarçar a ardência nos olhos. De jeito nenhum ele deixaria Zack o ver chorar.
- Oi, Luke? - ele disse, a voz embargada. - Tô aqui com você. Pode falar.
Luke abriu os olhos e encarou o rosto emocionado do amigo.
- Só para constar, a sua cabeça sempre vai ser mais dura que a minha.
Luke abriu um sorriso fraco diante da expressão de trouxa de Dean. Ah, aquilo era tão satisfatório...
- Seu babaca - o adolescente loiro xingou, fungando depressa e passando o polegar pela bochecha. - Há quanto tempo está se divertindo com o nosso sofrimento?
- Alguns minutos - Luke confessou, a voz arrastada. - É difícil falar. Estava tentando fisgar informações.
Dean estreitou os olhos para o melhor amigo.
- Assim que você ficar melhor, eu vou te matar.
- Vai ter que entrar na fila. Logo depois dos meus pais. - Luke tentou se erguer na cama de hospital, mas tinham tantos malditos fios conectados a ele que desistiu e caiu sobre os travesseiros macios. - O que aconteceu?
- A gente esperava que você esclarecesse esse ponto - Zack interferiu, lhe lançando um olhar que provocaria arrepios em qualquer um. - Que merda você estava pensando quando entrou no mar no meio de uma tempestade?
- Ele não estava pensando - Dean disse. - O cérebro dele só funciona quando Luke fica em cima de uma prancha, de resto essa cabeçona deve fazer eco.
- Eu não vi a tempestade - Luke resmungou, fechando os olhos com força. O quarto estava iluminado demais. Sua cabeça parecia a ponto de rachar de dor. - Fiquei irritado com meus pais, peguei o barco no calor do momento e fui pego de surpresa. Mas não estou tentando me justificar. Fui um idiota.
- Foi mesmo - Dean se apressou em concordar. - Um idiota de primeira.
- Como conseguiram me encontrar?
- Tá brincando? Sua mãe só faltou colocar a guarda-costeira atrás de você! Em menos de quarenta minutos seu rosto estava em destaque nos noticiários locais.
- Recebemos uma ligação do hospital pouco tempo depois - Zack explicou. - Seus pais estavam prestes a oferecer uma recompensa de milhares por qualquer informação sua.
Luke gemeu, constrangido. Que exagero. Mas, sinceramente, ele não podia culpar os pais por aquilo. Sabia que deviam ter ficado loucos de preocupação.
Ele voltou a abrir os olhos. Precisava fazer uma pergunta, mas estava com tanto medo da resposta que sentia seu corpo inteiro contrair, como que esperando por uma pancada que o destruiria.
- Dug. Onde ele está?
- Lá fora, fazendo guarda na porta do hospital. Seus pais não conseguiram autorização para ele entrar aqui ainda - Zack disse.
Luke relaxou no mesmo instante, piscando rápido para não dar uma de emocionado na frente dos amigos e começar a chorar.
Dug estava bem. O resto não importava tanto.
- É tudo como um borrão - ele contou baixinho, levando a mão ligada ao soro à testa e afastando os cabelos embaraçados. - Parece que as lembranças vêm em pedaços. Não consigo juntar tudo, nem pôr em ordem.
- É por causa da pancada - Dean disse. - Você levou pontos.
Luke se atreveu a passar os dedos pelo corte na nuca. Aquela parte estava tão sensível que até aproximar a mão lhe dava calafrios.
- Você foi um idiota sortudo por não ter tido sangramento interno. O corte não é tão profundo, mas a batida foi forte e por isso você ficou desacordado por tanto tempo.
- Por quanto tempo?
- Dezesseis horas - Zack contou. - Sua mãe chorou tanto, que acho que não tem mais água no corpo dela. Falando nisso, é melhor a gente ir chamar seus pais e o médico. Se prepare para uma enxurrada de perguntas e exames.
- Mas sou eu quem tem perguntas. Nem sei que lugar é esse! A gente tá na Ilha da Rocha?
Dean assentiu.
- Seu pai queria te transferir para um hospital particular de Malibu, mas o médico disse que não tinha a mínima chance de arriscarem uma transferência com o tempo desse jeito. Mas não se preocupe, você está no quarto mais caro do hospital e sendo tratado como a própria rainha da Inglaterra.
- Não dou a mínima para nada disso - Luke resmungou. - Só quero sair daqui.
Ele ouvia as máquinas ao seu redor apitarem sem parar, via o soro entrando na sua corrente sanguínea, gota por gota. Luke rangeu os dentes e encarou a janela, mesmo que a luz o cegasse.
Tudo aquilo trazia tantas lembranças. Os lençóis brancos, o barulho de passos apressados no corredor, vozes sussurradas, aquela quantidade absurda de travesseiros...
Ele engoliu em seco, tentando afastar o pânico e a vontade de vomitar. Não queria parecer fraco, mas era difícil dizer a si mesmo que estava tudo bem quando a ideia de passar um tempo indeterminado no hospital, fazendo exames e sendo constantemente monitorado, ativava mais gatilhos do que ele era capaz de contar.
O silêncio que se seguiu foi ainda pior, como se os amigos quisessem lhe dar um tempo para digerir tudo.
Mas Luke não queria digerir nada. Quando fechou os olhos outra vez, tudo que viu foi o mar sem fim, as ondas, os trovões e as pedras para onde foi arremessado. Ele sentia o frio, o desespero e o terror do que tinha acontecido em cada um dos seus ossos. Ele...
Fica aqui, comigo.
Luke abriu os olhos de repente, como se tivesse sido atingido por um raio.
Só mais um pouco. Você precisa aguentar só mais um pouco.
Ele se sentou na cama de hospital tão depressa que o suporte onde o soro estava pendurado balançou, ameaçando cair.
- Ei, calma aí, cara - Dean disse, Zack e ele colocando as mãos nos ombros de Luke. - Acabou de voltar dos mortos e já quer piorar sua situação?
- Tinha uma garota - as palavras saíram de Luke sem que ele se desse conta, praticamente cuspidas. Sentia que se não falasse rápido o suficiente, as memórias desapareceriam outra vez. - Tinha uma garota no mar. Ela me salvou.
Dean e Zack se entreolharam.
- Uma garota?
Luke encarou os amigos, mas os olhos azuis estavam confusos e distantes.
- Sim, uma garota. Graças a ela que eu estou aqui agora. Ela... me tirou do mar.
- Ela te tirou do mar? - Dean indagou outra vez, e Luke quis perguntar se ele por acaso tinha ficado surdo. Será que não estava entendendo? - Luke, a única pessoa maluca o suficiente para estar em alto mar durante aquela tempestade era você.
- Mas...
- A recepcionista que trabalha na emergência disse que receberam uma ligação anônima e por isso conseguiram te resgatar na praia - Zack interferiu. - Mas ela não disse se era uma garota.
- Só pode ter sido! - Luke exclamou, tão agitado que o aparelho que media sua frequência cardíaca começou a apitar mais rápido. - Ela me salvou, eu sei. Ela... - Luke levou as mãos aos cabelos, como que tentando se lembrar, por mais que as memórias escapassem dele como recordações de um sonho confuso. - Ela cantou para mim.
O mundo é seu para se encontrar.
Todo o corpo de Luke se arrepiou. Ele se lembrava daquilo, da voz dela, cantando para ele. Ele até conhecia a canção! Era muito antiga, e sua avó costumava cantarolar os mesmos versos pela casa inteira quando ele passava as férias de verão com ela.
- Ela tinha a voz mais linda do mundo - Luke continuou, falando em voz alta sem nem perceber. - Ela cantava, e aquilo me fez acordar, mesmo que só por um instante. Agora consigo até me lembrar de ver Dug perto de mim na areia, antes de apagar outra vez! Não havia nem sinal dela, pelo menos não no que eu consigo me lembrar, mas ela era real, e a voz dela...
Luke parou de falar quando percebeu os olhares dos amigos sobre ele. Descrença era pouco para descrever o que estava estampado em seus rostos.
- Luke, foi mal, mas eu acho que você bebeu água salgada demais - Dean disse, levantando as mãos para cima como que pedindo desculpas. - Uma garota te salvando no meio do mar? E depois cantando para você? Olha, parece um caso sério de avistamento de sereias. Você devia levar isso para televisão.
Luke quis acertar a cabeça de Dean com alguma coisa, de preferência com o maldito medidor cardíaco que já estava a ponto de enlouquecê-lo.
- Então como você explica a ligação? - Luke atirou. - Alguém ligou para a emergência.
- Com certeza. Alguém que te viu ser trazido das ondas até a praia. - Dean bufou. - Já te disse que você é mesmo um sortudo?
- A garota é real - Luke afirmou, em um tom que desafiava o amigo a dizer o contrário. - E ela salvou minha vida. Tenho que saber quem ela é, para agradecer, para... - ele suspirou, frustrado - para fazer o que ela quiser, porra. Eu estaria no fundo do mar se não fosse por ela.
Nem Dean nem Zack disseram mais alguma coisa, mas era óbvio pela expressão deles que não pareciam muito convencidos de tudo aquilo. Quando eles saíram do quarto para ir chamar o médico e seus pais, Luke se recostou contra os travesseiros e levou a mão ao pingente que levava junto ao peito, naquele gesto automático que sempre o acalmava.
Os dedos, porém, não encontraram nada, e quando Luke colocou a mão em volta do pescoço, o coração acelerado, percebeu que o colar tinha sumido.
Pela primeira vez em seis anos, ele não estava usando o pingente com o nome da avó gravado nele.
Um nó se formou na garganta de Luke.
Quando os pais vieram, preocupados e fazendo mil perguntas, Luke os tranquilizou o quanto pôde para logo em seguida perguntar sobre o pingente.
- Você deu entrado no hospital sem ele, querido - a mãe disse, acariciando os cabelos do filho, lágrimas ainda escorrendo por suas bochechas, mas dessa vez de alívio, e não de desespero como na noite em claro passada na cabeceira de Luke. - Deve ter se perdido no mar.
Era uma coisa idiota, sentir daquele jeito por um objeto perdido, mas aquele colar tinha sido importante para ele. Era um lembrete constante de quem tinha amado mais que tudo no mundo, e que sempre levaria consigo.
Depois de ser interrogado pelos médicos e pelos pais, além de ser monitorado e passar por alguns exames para avaliar como sua cabeça estava respondendo a certos estímulos depois do trauma sofrido, Luke foi deixado sozinho, com uma quantidade de analgésicos no sangue suficientes para derrubar um leão.
Mas, conforme afundava rumo à inconsciência, a garota misteriosa permeava cada espaço da sua mente, com sua voz e sua súplica para que ele aguentasse firme. Os outros podiam dizer o que quisessem, mas Luke tinha sua verdade.
A garota era real, e ela havia salvado sua vida sem pedir nada em troca.
E Luke só tinha uma certeza:
Faria de tudo para encontrá-la.
- Isla, agora é oficial, você passou de todos os limites.
Isla, que aparentemente não tinha passado de todos os limites ainda, por estar escondida atrás de um arbusto nos jardins do hospital da cidade ao pôr do sol, deu um chute na canela de Lino para que ele calasse a boca.
- Você falou igualzinho minhas irmãs agora.
- Começo a achar que elas estiveram certas o tempo todo. Sério, nas últimas vinte e quatro horas...
- Shhhh!
Isla colocou uma mão sobre a boca de Lino quando viu uma enfermeira passar apressada a poucos metros de distância. Ela a acompanhou com os olhos até se afastar, para só então liberar o amigo.
- Se você quer vê-lo de novo e devolver o colar - Lino sussurrou entre dentes, encarando a amiga com raiva - por que só não entra na droga do hospital e explica seu caso?
- Lino, dá para falar baixo? - Isla pediu, prestes a sofrer um treco. - Você não entendeu até agora? Ninguém pode saber! Se meu pai ao menos desconfiar do que eu fiz, vai ter um ataque do coração e me proibir de sair de casa até eu ter quarenta anos! É por isso que eu fugi quando a ambulância chegou. Os rumores se espalham por Montfort que nem fogo em capim seco, e de jeito nenhum, nenhum, meu pai pode saber que eu entrei no mar no meio de uma tempestade para ajudar um desconhecido! - Isla escondeu o rosto nas mãos, se abaixando devagar até se sentar na grama ainda úmida pela chuva. - Eu só te contei porque você sabe que a gente não esconde nada um do outro. E porque... - Ela respirou fundo, tentando engolir a vontade de chorar. - Porque as lembranças do que aconteceu estão me sufocando. Eu quase morri, Lino. Não consigo esquecer isso.
O amigo ficou em silêncio pela primeira vez desde que ela tinha despejado tudo no colo dele naquela manhã. As mãos de Isla tremiam, e ela ergueu os olhos para o melhor amigo quando ele as segurou.
- Desculpa - ele falou baixinho. - É que isso tudo é demais para processar. Ainda não acredito que você enfrentou aquela tempestade sozinha e que está aqui comigo agora, mas podia não estar. Tudo por causa de uma pessoa mais burra que você.
Isla abriu um sorrisinho, o coração doendo no peito.
- Eu não podia deixar ele lá, Lino - ela falou. - Ele teria morrido se eu não tivesse feito alguma coisa.
- Eu sei, muito triste, de partir o coração, mas você é minha amiga, não um riquinho babaca que foi idiota o suficiente para estar em uma lancha em um temporal daqueles. - Lino apertou as mãos de Isla. - Você ao menos sabe quem salvou? Luke Mosheyev, o único filho de Nicholas Mosheyev e herdeiro de uma fortuna que não dá nem para calcular. Todo mundo está falando disso, a família dele é uma das mais influentes na Califórnia!
- Grande coisa. Não tô nem aí para nada disso. Não pensei nisso quando o tirei do mar, eu nem fazia ideia de quem ele era. - Isla esticou o pescoço para tentar ver por sobre a moita. No pátio do hospital, ela via o cachorrinho a quem seria grata pelo resto da vida andar de um lado para o outro. Ela estava aliviada que ele parecesse bem, mas provavelmente ansioso para rever o dono. - Só queria saber como ele está. Tinha tanto sangue saindo daquele corte, e ele estava tão pálido... Será que o perigo já passou? Não achei nada de útil nas notícias, nenhuma pista de como ele está agora.
- Por que isso é importante?
- Porque é! - Isla exclamou exasperada. - Lino, não dá para não me preocupar com ele depois do que aconteceu. É impossível tirar isso da cabeça. É como se... - Ela tentou procurar as palavras para explicar seus pensamentos em relação a Luke Mosheyev, o rapaz que nem conhecia, mas ao mesmo tempo parecia conhecer. Será que era algum efeito do trauma? Um tipo de conexão que pessoas que passaram por experiências de quase morte juntas tinham uma pela outra?
Isla suspirou.
Ele provavelmente nem se lembrava dela. Tinha estado desacordado por todo aquele tempo, e talvez o aperto que tinha sentido em sua mão enquanto conversava com ele não passava de coisa da sua cabeça, tentando fazê-la acreditar que o estava ajudando de alguma forma.
Mesmo assim...
Mesmo assim ela queria vê-lo de novo. Por isso estava se arriscando daquele jeito, entrando no hospital e ficando escondida atrás de uma moita enquanto muitos se perguntavam de quem tinha sido aquela ligação anônima que salvara o filho dos Mosheyev, e porque a pessoa que a fizera não queria se identificar e cair nas graças da família.
Ah, se eles conhecessem o pai dela, saberiam muito bem o porquê...
Isla estava imersa naqueles pensamentos quando as portas do hospital se abriram, revelando um casal charmoso e bem-vestido que ela tinha visto em várias fotos na Internet desde o dia anterior. Logo atrás deles veio um adolescente de cabelos pretos compridos, jaqueta de couro e expressão fechada. Ao lado dele vinha outro rapaz, loiro e que parecia tagarelar sem parar com a pessoa que empurrava na cadeira de rodas.
O coração de Isla disparou, suas mãos pingando suor de repente.
Ela conhecia aquele rosto. O conhecia do mar e pelas diversas fotos que estampavam todos os noticiários desde que o acidente tinha acontecido.
- É ele! - ela guinchou baixinho, dando uma cotovelada em Lino, que estivera puxando um dos cachos do cabelo com uma expressão chateada. Ele se assustou e espiou também.
- Eu preciso mesmo andar nessa coisa? - o rapaz na cadeira disse, sua voz sendo levada pela brisa da tarde. - Minhas pernas estão bem.
- Mas sua cabeça não - a mulher mais velha falou, colocando um braço ao redor dos ombros do filho. - Não vai arriscar bater ela de novo, vai?
O garoto loiro abriu a boca para dizer alguma coisa, mas Luke olhou para ele.
- Se for vir com mais uma piada sobre a minha cabeça dura, te jogo no mar.
O garoto ficou em silêncio, mas um sorriso malicioso brincou em seus lábios.
- Desculpa, Luke, mas nesse estado você não consegue levantar nem uma pulga.
- Tô doidinho para te provar o contrário.
Todos ficaram em silêncio quando latidos animados vieram do cachorro ali por perto. Ele veio correndo na direção da cadeira de rodas, se jogando no colo do rapaz com tanta força que a mulher precisou segurá-lo para que não machucasse Luke.
- Oi, Dug! Ah, nem acredito que você está bem!
Isla sorriu, observando fascinada o cachorro lamber o rosto do dono e pular no colo dele. Luke Mosheyev abraçou o cão e enterrou o rosto no pelo macio dele.
- Ele é muito bonito, não é? - Isla deixou escapar sem querer.
Lino estreitou os olhos na direção do grupo.
- Um pouco peludo demais, você não acha? Não dá nem para ver os olhos dele!
Isla sufocou uma risada.
- Eu estava falando do garoto, Lino. O filho dos Mosheyev.
Lino franziu o nariz, desviando a atenção do cachorro e encarando Luke.
- Ele parece meio acabadinho.
- Deve ter sido a experiência de quase morte. Não favorece as pessoas.
- Você também quase morreu, mas não está nada mal.
A risada escapou pelo nariz, e Isla se abaixou depressa quando o cão, Dug, ergueu as orelhas e se voltou na direção deles.
- Viu alguma coisa, Dug? - ela ouviu a voz do garoto loiro dizer.
Isla agarrou o braço de Lino, o coração a toda no peito enquanto se encolhia o máximo possível atrás do arbusto.
- Deve ser algum bicho. Esse jardim não está bem cuidado para um hospital, mas a tempestade não deve ter ajudado muito - a Sra. Mosheyev falou. - Dug, volte aqui. Você já está imundo o suficiente.
Isla prendeu a respiração quando ouviu o cachorro farejar perto dali. Lino e ela trocaram um olhar apavorado.
- Dug!
Ele estava mais perto agora. Isla viu sua sombra projetada pelo pôr do sol a poucos metros de distância. Se ela fosse descoberta ali, se Luke Mosheyev por algum acaso a reconhecesse e o pai ficasse sabendo daquela história...
Dug chegou mais perto, soltou um latido e veio correndo.
- Dug, olha só o que eu achei na minha bolsa para você. Seus petiscos favoritos.
O cão parou ao som da voz da Sra. Mosheyev. Isla observou sua sombra se distanciar quando ele correu animado de volta para a família.
- Vamos ficar aqui só mais um pouco - a voz grave de um homem mais velho falou, enquanto Isla suspirava aliviada. - Só saímos porque você insistiu, filho, mas o médico foi bem claro quando disse para ficar de repouso por um tempo.
- Pai, aquele quarto tá me enlouquecendo. Já disse que estou bem. Só quero ir para casa e...
Ele continuou, mas suas vozes estavam menos nítidas agora, como se estivessem se afastando para dar a volta no jardim.
Lino e Isla continuaram na mesma posição por mais um tempo, paralisados, até ela ousar espiar por sobre o arbusto e constatar que eles não estavam mais ali.
- Vamos dar o fora - Lino disse. - Tivemos sorte de ainda não termos sido pegos. Já pensou se aquela enfermeira maluca vê a gente? Meu pai me contou que ela bota medo até nele quando precisa fazer alguma consulta!
Isla concordou e se ergueu, arrastando o amigo pelo braço. Até ela tinha que concordar que tivera aventuras o suficiente em pouco mais de vinte e quatro horas.
Quando pulou as grades do portão dos fundos do hospital, parcialmente abandonado pelo tempo, e caminhou pelas ruas da cidade ao lado de Lino, Isla reviveu aqueles breves segundos em que tinha visto Luke Mosheyev de novo dezenas de vezes.
Ele parecia bem e seguro, cercado da família. Isla se sentia feliz por aquilo, por ter constatado que o risco que correra no fim não tinha sido em vão, e que ela era, pelo menos em parte, responsável pelo bem-estar dele.
Agora ela podia esquecer o assunto. Podia continuar sua vida feliz sabendo que tinha feito algo bom por alguém, alguém que não veria de novo, que não se importava por não ver de novo...
Seus dedos foram para o colar que ela levava na bolsa, para a placa de metal com o nome inscrito dela.
Tereza.
Quem será que era ela? Alguém tão importante que aquele rapaz desconhecido tinha seu nome gravado em um colar.
Ela não sabia. Provavelmente nunca saberia, já que não o veria de novo e não fazia ideia de como devolver o objeto sem arriscar que alguém acabasse desconfiando que ela tinha sido a pessoa que enfrentara a tempestade no dia anterior.
Isla olhou para o mar quando Lino e ela decidiram cortar caminho até a casa dele.
Era tão lindo e tão letal ao mesmo tempo. Ele podia tirar tudo dela, mas poderia também oferecer seus sonhos em uma bandeja se ela fosse corajosa o suficiente para atravessá-lo.
Malibu se estendia logo à frente. Em breve o garoto que tinha ajudado voltaria para a casa, provavelmente para sua enorme mansão em Carbon Beach, e tudo aquilo seria esquecido. Ele já devia ter esquecido.
- No que você está pensando? - Lino perguntou.
- Em como cheguei perto de deixar isso tudo - Isla disse, optando por parte da verdade. Seria difícil explicar para o melhor amigo tudo que cruzava sua mente desde o dia anterior. - Quase fui dessa para uma melhor sem fazer nada do que queria. Sem nem alcançar o continente.
- Isla...
- Eu sei o que você vai dizer - ela disse cansada, mas abriu um sorriso doce e agradecido para o melhor amigo. - Que eu tenho muito tempo. Que as coisas com a minha família não vão ser assim para sempre. Parte de mim também pensava assim, até ontem. Agora não consigo tirar aquela tempestade da cabeça, o modo como por alguns segundos eu desisti no meio do mar. - Isla apontou para a baía próxima dali, cheia de barcos e gaivotas. - Ali. Aquele é o antigo barco da minha família. A gente quase não usa mais, mas Maren me contou que quando era mais nova meus pais costumavam sair com ela e com as minhas outras irmãs em torno da ilha. Ela até já foi para Malibu com o marido nele, uma vez.
- O que está tentando dizer, Isla? - Lino perguntou, e ela se sentiu mal pela preocupação nos olhos do amigo.
- Nada - ela disse, segurando a mão dele e pousando a cabeça no seu ombro. - É só que, até ontem, eu me achava medrosa. Agora, depois do que aconteceu, é como se tivesse algo dentro de mim me impulsionando adiante, me atentando. O medo que eu sentia desapareceu, pelo menos em parte. Seria tão fácil... - A ideia lhe ocorreu, mas Isla a sufocou. Só mais um pouco.
O barco estava bem ali.
Ela olhou para Lino, e foi como olhar para dentro de si mesma. Ele apertou sua mão.
- Eu sei - ele disse. - E eu vou estar com você, Isla. Aqui e do outro lado do mar.
Era uma promessa, e ela a guardou.
No fundo, Isla já sabia que tudo estava prestes a mudar, e era um alívio saber que a certeza da companhia de Lino permaneceria ali, não importava o que viesse.
___________________♥️_____________________
Oii gente!! Como vocês estão??
Esse capítulo foi muito divertido de escrever e tenso ao mesmo tempo hahaha
foi complicado entrar na cabeça do Luke dessa vez, com tudo que ele teve que enfrentar e com mais essa bomba sobre ele saber que alguém o salvou, mas não fazer nem ideia de quem é!
E a Isla? Não dá pra julgar ela por ter ficado meio hipnotizada pelo Luke, né? Passo pano pela invasão do hospital com certeza!
Muita coisa vem por aí, e eu estou tão empolgada! Esse livro é sim sobre romance, mas também sobre amizade, família e até onde seus sonhos e a coragem de enfrentar o mundo pode te levar!
Me contem aqui o que acharam do capítulo, estou ansiosa para saber♥️ vejo vocês em breve (no meio da semana, talvez?) com outra parte dessa história!
Até lá,
Ceci.
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