cinco

Eu não posso morrer aqui.

Conforme avançava com a lancha em direção à ilha, tentando levar a melhor nas ondas que pareciam determinadas a empurrar o barco para as profundezas do oceano, aquilo era tudo que Luke conseguia dizer para si mesmo.

Não vou morrer aqui.

Mas era difícil acreditar naquelas palavras. Ainda mais quando o céu escuro se iluminava com o brilho cego dos raios, quando o som da chuva e o furor do mar eram tudo que ele podia ouvir além do pulsar do coração.

Luke se agarrou aos controles da lancha quando a popa do barco se elevou em um nível absurdo para cortar as ondas. Na cabine de comando, tudo que não era pesado o suficiente para permanecer no lugar foi jogado para trás.

- Dug! - Luke gritou, girando o leme e forçando mais o motor, que já estava indo a toda velocidade. - Dug, vem aqui!

Mas o cão estava desnorteado, latindo para a tempestade como se aquilo pudesse resolver a situação.

Luke engoliu em seco ao ver a ilha ao longe. Não havia a mínima possibilidade de conseguir dar meia volta e chegar à Malibu a salvo, mas talvez pudesse alcançar a praia. Se pelo menos a chuva desse uma trégua, se pelo menos o convés parasse de ser invadido pela água por alguns segundos...

Não vou morrer no mar. Não aqui.

A ironia de tudo era tão absurda. Se sobrevivesse àquilo, Luke tiraria um bom tempo para amaldiçoar a si mesmo por sua tremenda burrice. Havia agido como um idiota, cego pela raiva daquele jeito, e tinha arrastado Dug com ele para o meio de um temporal em alto mar.

Ele deveria ter...

O rumo dos pensamentos de Luke foi subitamente interrompido por um balanço que o fez cair no chão da cabine. Ele olhou por cima do ombro a tempo de ver a parte de trás da lancha desaparecer em meio à água do mar, que tinha invadido o convés por completo.

- Dug!

A água chegou à porta da cabine, o cão sendo arrastado com ela.

Luke se esqueceu dos controles. Esqueceu da porra do barco.

A lancha não estava afundando, não ainda, mas havia água demais, e as ondas pareciam formar paredões maciços ao redor do barco.

Em uma fração de segundo, Luke registrou os rochedos que se erguiam não muito longe dali, como um prólogo da ilha que não estava mais tão distante. Se aguentasse mais um pouco, chegaria à areia. A única coisa que precisava fazer era chegar à areia.

Naquele momento um trovão soou, parecendo disposto a sacudir o mundo inteiro. Dug latiu desesperado quando mais água espirrou além do casco da lancha. A chuva estava tão forte que as costas de Luke doíam com o impacto.

Ele estava prestes a alcançar Dug quando o cão foi arremessado contra as barras de proteção. Luke assistiu enquanto ele tentava se agarrar ao chão do barco, às barras, mas o vão entre elas era largo o suficiente para que ele caísse direto no oceano.

- Dug!

Luke se jogou contra as barras a tempo de ver Dug tentar se manter na superfície, a correnteza já o levando para longe. Com o coração ameaçando parar no peito, Luke esquadrinhou o barco à procura de alguma coisa - qualquer coisa - em que Dug pudesse se agarrar.

Nada.

Não havia nada.

O tempo pareceu parar por um segundo. O sangue virou gelo em suas veias, mas, de alguma forma, Luke sentia o corpo inteiro queimar. Ele viu Dug lutando para não afundar, tentando nadar contra a força avassaladora das águas e chegar ao barco, mas era inútil.

Luke levou a mão à placa de metal que levava no colar em volta do pescoço. Sentiu a inscrição na ponta dos dedos e fechou os olhos quando o brilho do relâmpago iluminou o céu como se fosse meio-dia.

Fique comigo, ele pediu em silêncio. Era uma prece, um pedido. O único que faria.

Então ele colocou as mãos nas barras frias e escorregadias, com um impulso saltou e se lançou na escuridão.

- Ele é bonitinho, não é?

- Quem? A bolinha de pelos? Ah, sim, é bonitinho. Mas não tão bonitinho quanto você.

Luke se esforçou para não revirar os olhos. Será que um dia ela iria parar de tratá-lo como uma criança?

Sabia que, com doze anos, ele ainda era tecnicamente uma criança, mas aquilo não significava que quisesse ser tratado como uma.

Ele viu Dug, o seu mais novo cachorrinho e melhor amigo, tentar alcançar seu colo na cadeira onde estava sentado. Luke não resistiu. O pegou nos braços.

- Ah, não, você vai sujar toda a minha mesa com esses pelos!

- Os pelos dele são limpinhos - Luke protestara. - E eu dei banho nele. Anteontem.

A mulher mais velha torceu os lábios.

- Então por que ele está todo emporcalhado?

- Porque chegou aqui na garupa da minha bicicleta.

Ela riu daquele jeito que parecia preencher a casa inteira. Luke sentiu suas mãos em seus ombros quando se inclinou para sussurrar algo no seu ouvido.

- Está um dia lindo, não? O que você acha de...

- Nadar? - Luke sugeriu com um sorriso.

- Exatamente. Se lembra de todas as lições?

- Vovó, eu nado desde os sete anos!

- Muito mal, inclusive. - A avó olhou bem nos seus olhos. - Luke, nadar na piscina não é a mesma coisa de nadar no mar. Se você não for esperto, as ondas levam a melhor, e não há nenhuma borda na qual se agarrar.

- Não tem problema - ele disse, com toda a soberba de seus poucos anos. - Não vou precisar nadar demais. Vou ficar sempre em cima da prancha, esqueceu?

A avó riu outra vez. Ele parecia tão confiante de si mesmo!

- É o que eu espero. Mas é melhor se prevenir. Além do mais, não vai doer passar um tempo com essa senhora solitária, vai?

Não. Nem em um milhão de anos.

Aquelas tardes com ela era a coisa mais preciosa que tinha. Ter o mar e a avó bem ali, ao seu lado, o que mais Luke poderia querer?

Com ela por perto, ele sabia que nunca iria se afogar. Com ela por perto, sabia que nunca se afastaria da costa.


Era um frio que ele nunca tinha sentido antes. Cortava seu corpo como navalhas, a força daquelas águas o puxando para baixo, para baixo.

- Dug, aguenta firme! - ele gritou, tomando impulso quando chutou o casco da lancha e nadou na direção do cachorro. Dug parecia vir na sua direção, mas uma onda veio e Luke foi arremessado para baixo.

Era tão escuro. O contraste com o silêncio do oceano para o caos acima dele era desesperador. Mas ele preferia o caos. O caos significava vida, enquanto aquele silêncio era tudo que ele teria para o resto da eternidade se não conseguisse chegar à terra firme.

Luke abriu os olhos e nadou para a superfície.

- Ei, garoto! - ele gritou, a voz rouca. - Vem cá, só mais um pouco. Isso.

O cão tentava nadar na direção do dono. Luke esticou os dedos o máximo que pôde, sentindo o pelo molhado de Dug roçar de leve sua pele.

Em um último impulso, ele agarrou o cão pela coleira e o puxou para junto do peito. Luke tossiu quando afundou com o peso e a força com que Dug se agarrava a ele.

- Tudo bem, amigo - ele sussurrou, o queixo batendo. Ele estava há segundos na água e o corpo já estava exausto, suas pernas dormentes. - Tudo bem.

Ele não conseguiria voltar para o barco. Estava longe demais. A correnteza o tinha arrastado e as ondas continuavam empurrando Luke na direção oposta.

Ele via rochas despontarem do mar perto dali, um prenúncio da ilha que se elevava não muito longe. Se ele pelo menos pudesse alcançar uma delas... Poderia içar seu corpo para cima e quem sabe gritar alto o suficiente para que alguém na praia ouvisse.

Ele só precisava...

O ar foi arrancado dos seus pulmões quando uma onda se ergueu, tão feroz que o elevou por metros só para outra vir e empurrá-lo de volta para o fundo.

O aperto ao redor de Dug afrouxou, Luke sentiu seu peito contrair, sua respiração falhar.

Ele entreviu o céu se iluminar com outro raio poderoso antes da força do mar atirá-lo para longe com tudo. Direto para uma das rochas que se erguiam das profundezas.

Uma explosão de dor o cegou quando seu corpo se chocou contra a pedra. Ele sentiu o impacto na parte de trás da cabeça e a água invadindo seus pulmões quando sucumbiu.

Tudo apagou.

Luke estava afundando, cada vez mais. Os olhos estavam semicerrados quando o corpo, sem resistir, foi cercado pelo vazio infinito das águas do oceano.

Havia um filete vermelho na água. Suspenso, já se dispersando.

A escuridão vinha rápido demais, e Luke estava ansioso por ela. Ele estava cansado, quebrado. Mais sangue manchava a água ao seu redor.

Era assim que acabaria então. Bom, pelo menos ele tinha tentado. Tinha tentando tanto...

Mas seus pais bem que o avisaram. Sempre disseram que seu coração podia parar de bater cedo demais. Luke só não queria que fosse ali, nas águas que amava. Era uma pena que tivesse aprendido tarde demais que a vida pouco se importava com o que você queria ou deixava de querer.

A consciência lhe escapava. O frio estava indo embora, o corpo cansado demais para lutar por ar conforme a água invadia seus pulmões.

Só mais um pouco e acabaria.

Só mais um pouco e ele poderia estar com ela, em outro lugar.

Mas, antes de ir por completo, Luke sentiu uma última coisa.

Só mais uma:

O aperto firme de uma mão ao redor do seu pulso, puxando-o para cima.


Isla deixou manchas de sangue na areia da praia quando caiu depois de praticamente saltar das rochas da ilha. Seus joelhos estavam esfolados, seus dedos cortados com a pressa e a falta de jeito com que ela tinha descido do alto das pedras.

Mas ela nem sentiu. Não havia dor nenhuma.

- Eu tenho uma cópia - ela sussurrou para si mesma, enquanto revirava a bolsinha de tricô, os pés descalços a guiando pela passarela do atracadouro. - Eu sei que tenho.

Ela tinha perdido a conta das vezes em que Lino e ela passaram tardes inteiras no barco de pesca do pai dele, rindo e bebendo enquanto navegavam ao redor da ilha. Aquele barco trazia uma fração de liberdade, e era tão importante para ela que o melhor amigo tinha insistido pelo menos dois anos antes que tivesse uma chave da embarcação, caso um dia quisesse passar um tempo sozinha no mar.

Então ela tinha a chave, tinha um barco e a capacidade de conduzi-lo.

Direto para a tempestade.

Isla encontrou a chave antes mesmo de se jogar na embarcação. Instintivamente, ela ativou o motor, deixou a hélice rente à lâmina d'água e acelerou mar adentro.

Ela tinha assistido do alto das pedras o rapaz pular na água e alcançar o cãozinho. Por um momento, ela pensou que eles conseguiriam chegar às pedras, mas, no mar, um segundo podia mudar tudo para sempre.

- Merda - ela praguejou, tirando o cabelo encharcado dos olhos. Isla cortou as ondas e conseguiu chegar ao ponto em que os tinha visto. Ela abandonou o leme e esquadrinhou o mar com os olhos. Seu corpo inteiro tremia, e era menos sobre a água gelada da tempestade e mais sobre o fato de saber que tinha se enfiado na pior situação possível, e que agora não tinha mais certeza se havia um caminho de volta.

Um latido a tirou do estupor. Para além da cortina de chuva e do vai e vem do oceano, ela viu a cabeça peluda de um cão. Ele mergulhou e voltou à superfície, só para depois mergulhar de novo.

Ele estava ali. O rapaz, só podia estar ali.

Isla tirou a camiseta e desabotoou os shorts jeans, ficando só de biquíni no convés do pequeno barco. Ela agiu tão depressa, que quando pulou no mar, por um mero segundo, não acreditou que tinha mesmo feito aquilo.

Então ela viu outro raio cruzar o céu e o cachorro ganir a poucos metros dela, trazendo-a tão bruscamente de volta à realidade que ficou tonta.

Isla nadou, e foi arrastada. Ela nunca tinha lutado contra o mar daquele jeito, e não sabia se ganharia. Ela prendeu o fôlego e mergulhou, abrindo bem os olhos para tentar enxergar algo.

Era escuro demais, como noite cerrada.

O cão latiu outra vez e Isla conseguiu alcançá-lo.

- Ele está aqui - ela disse, tremendo. - Tem que estar.

Isla mergulhou outra vez, os braços estendidos na frente do rosto. Estava difícil demais aguentar, os pulmões queimando, o frio ferindo até sua alma.

Então ela viu. Uma camisa branca, um corpo afundando cada vez mais.

Isla bateu as pernas e os braços, lutando contra a força da água.

Suas irmãs costumavam dizer que ela aprendera a nadar quase com a mesma idade com que dera os primeiros passos, mas, agora, todos aqueles anos no mar não pareciam o suficiente. Não chegavam nem perto. Ela não podia se salvar e salvar o garoto ao mesmo tempo, mas também não podia deixá-lo. Aquela não era uma possibilidade.

Isla esticou o braço. Só um pouco e ela conseguiria. Só um pouco e...

Seus dedos se fecharam em torno do pulso dele e ela voltou para a superfície, levando-o consigo.

Quando colocou a cabeça para fora d'água, Isla tossiu, o ar mais parecendo feri-la do que aliviá-la. Ela puxou o garoto, passou os braços ao redor do peito dele e cuspiu água.

O cachorrinho ainda estava ali, mas não latia mais, parecia estar desistindo.

- Precisamos chegar ao barco - ela falou, porque precisava ouvir outra coisa que não fosse a chuva, os trovões e o mar. - Precisamos chegar lá.

Mas ele era muito maior e mais pesado que ela. Isla mal conseguia nadar com todo aquele peso, mesmo tendo se livrado das roupas no barco. Seus braços estavam dormentes, e era difícil demais manter sua cabeça e a dele na superfície.

Ao seu redor, havia o mar. Adiante, sua casa.

Ela conseguiria voltar?

Desesperada, Isla sentiu lágrimas quentes escorrerem pelas bochechas.

Ela não queria chorar, não podia, mas de repente os rostos de todos aqueles que amava surgiram na sua mente. Cada uma das irmãs, o pai, o sorriso da mãe eternizado em fotografias, o tio, a avó, Lino... Ela se lembrou de casa, da escola onde costumava estudar, das conchas na areia brilhante.

Aquele era o filme da sua curta vida passando diante dos seus olhos? Era assim que acabaria? Seu corpo para sempre perdido no mar, junto com o de um desconhecido?

Ela ia morrer. A simplicidade daquilo fez seu coração desacelerar.

As pessoas nasciam e morriam, era um fato. Mas ela estava com medo, tanto medo.

Isla se agarrou com mais força ao corpo desacordado do rapaz que não conhecia. Não queria que terminasse daquele jeito. Só queria chegar ao barco, à areia, e viver.

Ela não sentia mais os braços. As pernas. Estava afundando.

Desculpa, papai. Me perdoa.

Isla fechou os olhos, diminuindo o aperto ao redor do rapaz, mas então sentiu algo, um puxão na alça do seu biquíni.

Ela abriu os olhos. Era o cachorro. Ele a tinha agarrado, e parecia tentar nadar até a lancha.

Bem, ele não queria morrer. E aparentemente não deixaria o dono e Isla para trás também.

Aquilo deu à Isla o último sopro de força que ela precisava. Ela mexeu as pernas e foi, devagar, até o barco de pesca dos Baker. Ela nunca soube como conseguiu chegar até lá debaixo daquela tempestade, com nada mais que ondas gigantes parecendo querer engoli-la a qualquer momento, mas conseguiu.

Deus do céu, ela conseguiu.

Isla se agarrou à plataforma para mergulho e jogou o corpo do rapaz para cima do barco, em seguida pegando o cão pela coleira e o deixando lá em cima também, para enfim se içar e desmoronar ao lado do garoto inconsciente.

Seu corpo pesava como chumbo. Cada músculo, cada terminação nervosa, parecia prestes a entrar em colapso. Mas ela ainda precisava chegar à costa, e porra de tempestade nenhuma iria assustá-la daquela vez.

Isla arrastou com cuidado o corpo do rapaz desacordado para longe da passarela. O cachorro, que era maior do que ela pensou e muito peludo, se sacudiu. Mas não era como se ela fosse ficar mais encharcada do que aquilo.

Isla girou o leme, fazendo o barco virar, a popa apontada direto para a ilha. Ela acelerou e, de algum jeito, por algum milagre ou o que for, conseguiu atracar. A chuva não caía com tanta força agora, embora o vento estivesse tão violento que Isla podia apostar que as árvores além da praia fossem ser arrancadas pelas raízes a qualquer minuto.

Com os dedos trêmulos, ela pegou o celular dentro da bolsa e discou para a emergência.

- Tem um garoto na praia da enseada - ela praticamente gritou, apertando o aparelho contra o ouvido como se sua vida dependesse disso. - Ele precisa de uma ambulância, agora.

A mulher ao telefone tentou pedir por detalhes, mas Isla falou entre as lágrimas:

- Ele se afogou no mar. Eu o vi e consegui trazê-lo para a costa. Por favor - ela soluçou, só naquele momento se dando conta do quão fraca estava, do quanto precisava desesperadamente de ajuda -, ele está desacordado. Precisa de um médico, rápido.

A mulher tentou acalmá-la e mantê-la na linha, mas Isla não conseguia fazer isso. Não conseguia dizer o que tinha acontecido.

Ela desligou, rezando para a ajuda estar a caminho, e foi até o garoto.

Ela precisava levá-lo até a areia para quando a ambulância chegasse. A chuva tinha estiado, mas o mar continuava balançando o maldito barco, mesmo que estivesse atracado ao píer.

Isla nunca soube muito bem de onde arrancou forças para carregá-lo até debaixo de uma palmeira na praia. Quando passou seus braços pelo pescoço e o ergueu, sentiu como se fosse desmoronar a qualquer momento, mas não podia. Aquela simplesmente não era uma opção.

Ela o colocou na areia com gentileza, o cão ganindo ao seu lado e cutucando a bochecha do dono com o focinho, como se quisesse acordá-lo. Vencendo o medo, Isla pegou seu pulso e esperou.

Uma batida. Depois outra.

Mas elas estavam espaçadas demais, com intervalos que faziam seu próprio coração errar uma batida.

- Você não pode morrer agora - ela disse baixinho. - Não depois de tudo isso.

Ele tinha se afogado, Isla sabia. E também sabia que não tinha conhecimento nenhum sobre primeiros socorros para pessoas que tinham engolido água salgada demais.

- Merda.

Ela colocou as mãos entrelaçadas no peito dele, pressionando-o com o peso do corpo e realizando a massagem cardíaca mais ridícula da história do universo, mas precisava tentar. Precisava fazer alguma coisa.

- É melhor você respirar - ela sussurrou entredentes, enquanto o cãozinho chorava e o garoto permanecia desacordado. - Eu não te tirei do mar para você morrer na praia. De. Jeito. Nenhum.

Isla continuou pressionando o corpo dele, que balançava com seus esforços. Ela estava chorando, e o rosto do rapaz não passava de um borrão através das suas lágrimas.

- Por favor, por favor...

Então ele estremeceu abaixo dela.

Em um rompante, o garoto cuspiu água, arfando em busca de ar.

Isla se afastou, assustada, e viu um vislumbre de olhos azuis quando ele abriu os olhos, mas foi só por um momento.

O garoto respirava com dificuldade, o peito subindo e descendo em um ritmo desregular. Isla colocou sua cabeça no colo e viu que havia um colar ao redor do seu pescoço, responsável por deixar um vergão na pele.

- Isso não deve estar te ajudando - ela sussurrou, tirando o colar e o colocando dentro da bolsa com a intenção de devolver mais tarde. - Você consegue me ouvir? Está machucado?

Ele não respondeu, os olhos ainda fechados. Isla sentiu algo pegajoso nos dedos e ergueu a mão diante dos olhos, o sangue, o sangue dele, já escorrendo por seu pulso.

- Ai meu Deus... - Não era só o afogamento que o mantinha desacordado. Ele tinha um corte feio na nuca, provavelmente causado pelo impacto nos rochedos que se erguiam do mar. Isla bem se lembrava de tê-lo visto ser arremessado contra as rochas, para só depois encontrá-lo quando já estava afundando no oceano.

Com destreza, ela rasgou uma tira da camisa dele e pressionou o tecido contra o corte, em uma tentativa de estancar o sangramento. Se pelo menos a ajuda chegasse logo...

- Você foi um idiota, pilotando um barco no meio de uma tempestade daquele jeito - ela falou entre as lágrimas. Precisava falar. Talvez o som da própria voz a acalmasse em algum nível. - Vai ter sorte se não morrer. Uma puta de uma maldita sorte.

Isla afastou o cabelo castanho claro dele dos olhos, admirando o rosto pálido em seu colo.

Ele era lindo. De longe, um dos garotos mais bonitos que já tinha colocado os olhos, mesmo estando encharcado, sangrando e abatido daquele jeito. Suas pálpebras tremiam, os cílios longos e escuros tocando as maçãs do rosto. Ele tinha uma pequena cicatriz na bochecha, e algumas sardas no nariz. Seus lábios estavam azuis, e Isla quis ter uma manta para cobri-lo e afastar o frio.

O pedaço de tecido com que ela estancava o sangramento já estava todo vermelho e úmido. Ela esticou o braço para arruinar mais um pouco a camisa já destruída dele quando sentiu a mão do rapaz segurar a dela.

Era um aperto fraco, quase imperceptível, mas era real. Ele ainda estava ali, com ela.

- Consegue me ouvir? - ela perguntou baixinho. Algo como um grunhido, vindo do fundo da garganta, foi emitido por ele. Isla se remexeu e colocou uma mecha do cabelo vermelho atrás da orelha. - A ajuda está chegando. Você precisa aguentar só mais um pouco, ouviu? Só mais um pouco.

Isla acariciou o rosto dele, afastando os cabelos e tentando secá-lo, por mais que suas lágrimas parecessem dispostas a fazer o trabalho reverso.

- Foi uma tempestade horrível - ela sussurrou. - Fiquei com tanto medo... Mais medo do que senti na minha vida inteira. Eu achei que fosse morrer. Achei... - sua voz falhou. - Achei que nunca veria minha família de novo. Que nunca conseguiria realizar tudo que sonhei.

Outro aperto na sua mão. Leve como as batidas das asas de uma borboleta, mas ainda ali.

Ela soltou uma risadinha engasgada.

- Se um dia eu te ver de novo, vou quebrar sua cara. Vou mesmo. A minha irmã, Nerida, é a garota mais durona que já conheci. Ela é mestre em dar bons murros, e me ensinou tudo que se precisa saber para desacordar um cara. Mas, para eu te desacordar, você tem que abrir os olhos, e se recuperar. Aí, e só aí, eu te acerto com vontade.

A mão dele afrouxou ao redor da dela, e Isla assistiu quando um suspiro cansado escapou de seus lábios e as pálpebras pararam de tremer.

- Não - ela disse, agarrando-se a ele. - Por favor, não faz isso. Fica aqui, comigo. Só mais um pouco. Você precisa aguentar só mais um pouco.

Isla segurou o rosto dele com as duas mãos, pressionando-o junto ao peito. Seus ombros tremiam com a força com que se segurava para não gritar, não sucumbir de vez.

- Por favor...

Uma lembrança lhe invadiu. Era uma das poucas coisas que tinha da mãe, uma memória guardada para sempre dentro dela.

Isla costumava ter muito medo do escuro. Ele a assustava a ponto de fazê-la congelar, acuada na cama com lágrimas nos olhos, sua imaginação fértil voando e criando mil e um monstros que podiam estar à espreita nas sombras.

- Não podemos deixar a luz acesa? - ela costumava dizer em uma voz fininha.

- Você sabe que a luz incomoda sua irmã, Lalá - a mãe falou, enquanto colocava Hali na cama e se voltava para Isla. - Não tem nada no escuro, querida. Nadinha de nada. Mas, se quiser, posso ficar aqui com você um pouco, e cantar uma música bem baixinho. O que você acha?

- A música vai afastar os monstros? - Isla perguntara, o cobertor puxado até o nariz.

Michelle riu e se sentou na beirada da cama da filha, acariciando os cabelos vermelhos.

- Não. Mas pode afastar o medo.

E ela cantara. Todas as noites, até Isla perceber que a voz da mãe, pertinho dela enquanto pegava no sono, era o que mantinha o medo longe.

Um dia, a mãe pegou um barco, e com ela foram todas as canções e a promessa de noites tranquilas. Mas Isla ainda guardava aquelas lembranças, ainda guardava a voz da mãe, que à noite a embalava até adormecer.

- Ela cantava para mim - Isla disse em um sussurro, o rapaz nos braços. Ele estava afundando, mas era um tipo diferente de afogamento agora. Um que, se não fosse impedido a tempo, o faria jamais voltar à superfície. - E isso afastava o medo. Me deixava mais forte.

Isla não tinha ideia do que estava fazendo, mas, por Deus, estava tão assustada. A única coisa de que tinha certeza era que não podia deixar aquele garoto morrer nos seus braços, que precisava salvá-lo, mesmo não tendo nada em seu poder que de fato pudesse trazê-lo de volta.

Então ela cantou, baixinho e entre as lágrimas, balançando para frente e para trás, o corpo do rapaz desconhecido junto ao seu.

Talvez, se afastasse o medo de si mesma, também conseguiria afastar o dele, e o faria abrir os olhos.

A encontrei na areia, a linda sereia

Ela chorava e chorava, à beira do mar

Estava com medo, a pequena sereia

Ela tinha perdido seu lar

Eu disse: "Nade, nade, pequena sereia"

O mundo é seu para se encontrar

Eu disse: "Nade, nade, pequena sereia"

O mundo é seu para se encontrar

Aquela era a única canção de que se lembrava vividamente na voz da mãe, e mesmo assim era só uma parte dela. Os versos curtos vinham até Isla vez ou outra, e acalmavam seu coração. Por isso ela cantou, em uma tentativa de salvar a si mesma, de salvar a ele.

O mundo é seu para se encontrar.

Isla chorou, o cãozinho pousando a cabeça peluda na barriga do dono, em uma lamento de partir o coração.

Acorda. Por favor, acorda.

Isla cantou, mas a voz ficou presa na garganta quando os cílios dele tremeram de leve. O rapaz respirou, e os olhos se abriram só um pouco, confusos e distantes.

Ele parecia prestes a olhar para ela, mas então o som das sirenes ao longe fez com que Isla olhasse por cima do ombro.

A ajuda tinha chegado.

Ela abandonou o rapaz na areia, o cachorrinho latindo e lambendo o rosto do dono quanto ele se mexeu, mas ela tinha pegado sua bolsa de tricô e, com a habilidade de quem conhecia cada canto daquela ilha, Isla se embrenhou nas palmeiras e desapareceu como se nunca tivesse existido.

_______________________❤️_________________

Oii, gente!! Como vocês estão??

Esse capítulo de longe foi um dos mais difíceis que eu escrevi, e estou ansiosa para saber o que acharam!!

Eu sinceramente nunca teria a coragem da Isla, e fiquei com o coração doendo pelo Luke. O que vocês acham que vem por com esse final??

Vejo vocês em breve em outro capítulo!

Até ,
Ceci.

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