Capítulo IV



 Dos Fatos Recentes


Há uma sorte de pessoas que sentem prazer em receber uma boa surpresa. Outras, no entanto, não conseguem demonstrar a mesma empolgação esperada por um bom ato inesperado. Sophie estava no meio termo entre elas, se é que isso era algo plausível de se definir. Acordara naquela manhã numa cama vazia que, sem a presença de Jean, pareceu-lhe um pouco maior que o normal. Sentou-se sobre os lençóis de seda branca da confortável cama de casal e esfregou os olhos. Logo surgiram as três dobras na testa, demonstrando todas as interrogações recém-criadas em sua cabeça.

— Jean? — chamou um pouco mais assustada do que gostaria, a voz rouca matinal preenchendo todo o cômodo.

Pode parecer impossível, mas aquilo nunca houvera acontecido antes. Mesmo que as coisas ultimamente andassem desconectadas e frias entre os dois, ela nunca acordara sozinha desde que se mudara com ele. De fato, nada estava como costumava ser. Os beijos de bom dia haviam sumido gradativamente e as noites quentes tornaram-se tão mornas que a chama apagou-se completamente. Os pais e amigos não tardaram em premeditar o fim. "Era apenas uma questão de tempo", todos diziam.

Já Sophie recusava-se a acreditar nessa possibilidade, mas perdia a batalha quando isso lhe dava motivos para pensar no pior sempre que algo inesperado acontecia. E havia tantos nas últimas três semanas que por várias vezes se perguntou se não estava sendo paranóica. Mas, a única coisa que acreditava verdadeiramente era que, se um dia Jean decidisse terminar tudo, faria isso da maneira mais gentil possível, mesmo que a dor fosse inevitável.

— Amor, você está aí? — tentou novamente, mas apenas ouviu sua voz morrer no silêncio do pequeno apartamento que dividiam a pouco mais de um ano.

Afastou o lençol sobre as pernas lisas e finas, e levantou-se com certa agonia. O piso frio de cerâmica, em um tom de madeira não muito aconchegante, fez um arrepio percorrer o seu corpo esbelto e pálido dos pés à cabeça. Logo tratou de calçar seus chinelos. Aquela hora do dia, nem tão calma e nem tão temperamental, poderia assemelhar-se à pequena francesa em dias comuns, o que não era o caso exato de hoje.

Com indiligência, já se agitava em buscar sinais de Jean pelo celular. Quando o vislumbre do que parecia ser uma carta saltou-lhe à vista na penteadeira em frente à cama, estreitou os olhos, como se precisasse confirmar o que vira. Um objeto estranho em meio às coisas corriqueiras, mais uma surpresa. O pulso acelerou de maneira não muito sutil, pois estava bem mais fácil encontrar com o que não desejava naqueles dias.

Acabou esquecendo-se do celular e caminhou em direção ao envelope branco deixado com algum desvelo, apoiado em dois vidros de perfume para que ficasse estrategicamente em pé, e Sophie o tomou nas mãos. Não havia remetente, apenas a letra do seu namorado num discreto pedido escrito à mão.

— Abra. — leu quase num sussurro e, por um momento, ficou hesitante. As mãos pareciam querer tremer e respirou fundo, quase com raiva, tomando coragem para fazer o que tinha que fazer. — Você não iria se atrever a terminar comigo assim, Jean Louis Baptiste Segundo. Eu te proíbo!

Sem controlar a irritação e o nervosismo, abriu a infame carta sem nenhum zelo por ela, quase rasgando o seu conteúdo redigido com cuidado. O belo e aflito par de olhos azuis safira percorreu a única frase que havia ali, trazendo à tona mais uma vez as três dobras miúdas em sua testa franzida.

"Encontre-me na Pont des Arts — Jean."

Era tudo o que dizia.

Infelizmente.

— Pont des Arts?... — repetiu, tentando descobrir e entender o que tudo aquilo significava.

É claro que qualquer cidadão parisiense, ou turista que presasse o título, sabia o que era e onde ficava a histórica ponte sobre o rio Sena; mais ainda os tolos apaixonados que acreditavam em seus mitos românticos e um tanto quanto infundados. Porém, adversa a todas as situações atuais em que passava Sophie, a bela ponte tinha um significado único e inesquecível em sua própria história. Foi onde tudo começou, literalmente, no conto de fadas que ela acreditava viver.

A primeira troca de olhares com Jean, a primeira aproximação tímida, a primeira declaração, o primeiro beijo, o primeiro "eu te amo", o pedido de namoro... Tudo acontecera naquela ponte, surpreendentemente, tendo um cadeado preso nas grades por testemunha. Lembrava-se disso como se fosse ontem e sentiu as memórias lhe atingirem com afinco, nostálgicas. Afinal, era também uma tola apaixonada e tolos apaixonados guardam lembranças para si como quem guardam um tesouro raro.

Sophie suspirou ainda um pouco nervosa. As intenções do recém-formado arquiteto com aquele mistério, aliado aos recentes eventos no seu relacionamento, deixou-lhe mais sensível e medrosa do que gostaria de admitir, mas não dava para evitar. Tudo havia começado na Des Arts e lá tudo poderia terminar também. De fato, isso justificaria a ausência quase constante de Jean nas últimas semanas.

— O que você está aprontando, amor? — questionou, sozinha, devolvendo o infeliz envelope à penteadeira. — Respira, Sophie, respira. Fica calma, não pense no pior. Ele não faria isso, ele não vai terminar com você. — colocou as duas mãos na cintura e puxou uma generosa quantidade de ar para os pulmões.

Não, ela não era uma mulher frágil e dramática, como alguns podem cogitar sem muita dificuldade, apenas não podia ignorar os fatos da sua vida a dois, que estava desabando em não tão suaves prestações e fragilizando seus sonhos com a pessoa que amava com tudo de si. Talvez fosse esse o grande problema, o excesso de expectativas antes frustradas nessa relação que lhe levara àquele estado insólito de inseguranças e incertezas. Mas também não seria justo culpá-la quando ela não sabia amar por metades. Ela era o tipo de mulher que se doava por inteiro.

— Se você pensar em terminar comigo nessa ponte, Jean, eu juro por Deus que te jogo lá de cima e finjo que nada aconteceu — resmungou, com um tom irritadiço.

Bem, ela não jogaria. Seria mais fácil jogar-se com ele, se fosse o caso — com algum colete salva-vidas extra, talvez, já que o arquiteto nadava tão bem quanto cem quilos de chumbo em mar aberto. Por via das dúvidas, era melhor não pensar nisso e deixar essa possibilidade de lado, por enquanto. Havia algo mais importante para pontuar. Tentou ligar no celular de Jean novamente, mas este estava fora de área... para a infelicidade dela.

Em vinte minutos quase exatos, já trocara de roupa, pegara a bolsa e o elevador até a portaria. O prédio em que moravam era modesto, mas confortável na medida certa. Os dois nunca foram de muitas exigências ou condições demasiadas, eram apenas um jovem casal com empregos fixos tentando viver uma vida juntos e da melhor maneira possível.

Assim que as portas de ferro abriram no simples saguão, sem muitos adornos ou flores, Sophie caminhou em passos apressados para fora dali. Encontrou com Lúcia na calçada, perto do singelo poste de rua, ao passo que procurava por um táxi. Ela era uma boa amiga de confidências e de prédio. Com quase cinquenta anos, não tinha mais que 1,60m de altura e nem menos que oitenta quilos bem distribuídos por todo o seu corpo moreno do sol de antigos trabalhos. Uma sobrevivência puxada, mas carregava consigo uma boa dose de simpatia e otimismo, como se a vida fluísse de si para os outros e essa mesma vida lhe levou a trabalhar como porteira naquele prédio.

Encontrava-se com a jovem em sua frente todas as manhãs e tardes, quando começava e encerrava seu modesto turno sem muitos acontecimentos. Sophie a cumprimentou com um rápido abraço e, embora atencioso, a carranca em seu rosto era perceptível demais para Lúcia ignorar.

— Que cara é essa, Sophie Madeleine? — perguntou, desconfiada. — Não acha que está uma manhã muito bonita para começar o dia com essa cara de quem comeu e não gostou, minha filha? Cadê o meu sorriso cheio de dentes, hum? Vamos, eu quero vê-lo! — pediu de tal maneira que Sophie não resistiu em esboçar um mero sorriso, mesmo que fraco e forçado.

— Você e suas besteiras, Lúcia...

— Desde quando um sorriso é besteira, menina? Sorrir faz bem para alma, toda criatura sabe disso e você também!

A jovem assentiu culpada e tocou o braço da mais velha num gesto carinhoso.

— Tem razão, desculpe... é só que... o dia não começou muito bem.

A maneira vaga e triste com que falara fez a porteira olhar ao redor como se procurasse algo. Não estava acostumada a ver Sophie com aquela expressão e, tanto quanto podia-se esperar de uma boa amiga, preocupou-se de imediato ao pensar no que a mais nova lhe contara sobre as últimas semanas.

— Cadê o Jean? — questionou, lembrando que ainda não tinha o visto passar por ali desde que começara o seu turno.

— Espero que arrumando uma boa desculpa por me deixar acordar sozinha no dia do nosso aniversário de três anos de namoro. — respondeu, ficando enfezada novamente. — Aliás, você não o viu passar por aqui essa manhã? Ele não comentou nada com você?

— Eu não o vi desde que cheguei, criança. Talvez, o velho Oliver tenha o visto sair, mas ele já foi embora.

Oliver era o senhor porteiro do turno da noite e Sophie poucas vezes tinha trocado palavras com ele, mas naquela altura isso já não era relevante.

— Tudo bem. Estou indo encontrar com Jean, de qualquer forma — informou e Lúcia sentiu-se um pouco confusa —, ele deixou um bilhete estranho, pedindo que eu me encontrasse com ele na Pont des Arts. — explicou. — Não sei o que ele está aprontando, mas não tenho uma boa sensação, não depois do que vem acontecendo.

— Eu sei que as coisas entre vocês dois não estão muito bem, mas por que pensar sempre o pior? Ainda mais hoje... Ele te ama, não ama?

— Com a maneira indiferente e fria que ele vem me tratando ultimamente, Lú? Eu tento ser positiva, mas é difícil.

— Mas, pense comigo, não foi lá na Des Arts que tudo começou entre vocês? Talvez, ele preparou uma surpresa pro aniversário de vocês. Já considerou isso? — disse otimista, um sorriso pequeno e calmo no rosto, carregado de experiências, como se tentasse tranquilizar a mais nova com a lógica. Porém, a menção da palavra "surpresa" fez a pequena francesa torcer o nariz por razões óbvias. — Você sabe que Jean, se não me falha a memória, é um romântico incorrigível quando quer.

— Eu sei... — respondeu entre pequenas lembranças do que já recebera e vira dele, embora desvanecidas recentemente.

— E você sabe o que as primaveras significam para vocês dois. "Nada de ruim pode acontecer nas pontes e nas primaveras em Paris!" — repetiu as palavras do arquiteto e Sophie esboçou um sorriso quase que imperceptível.

Jean usara aquelas palavras todas as vezes que marcou sua história com Sophie. Ele tinha algo com as primaveras, assim como tinha com aquela ponte. No entanto, a primeira era uma doce herança que recebera de sua querida mãe falecida. Ela adorava as flores, a valsa colorida entre tons e aromas que fazia a desejar ser uma borboleta e voar em cada pétala que existisse em Paris. E Jean, mesmo com a morte de sua mãe, amava as primaveras, cada uma delas inquestionavelmente.

— Tomara que você tenha razão. — Sophie disse num pedacinho de otimismo. — Espero que essa seja mais uma boa primavera e que as últimas semanas tenham sido apenas um momento passageiro.

— Se me permite o comentário, menina, tenho o pressentimento de que a sua primavera começa hoje. Coisas boas estão por vir. Sempre vem nessa época do ano. Todo mundo sabe disso — comentou cheia de pretensões e soltou uma pequena piscadela divertida.

— Queria ter o seu otimismo, Lúcia. — Sophie deixou-se sorrir um pouco mais com as palavras e jeito da mais velha.

A dona dos olhos mais bonitos que a porteira já vira, ajeitou o sobretudo vermelho no corpo numa tentativa de se sentir menos nervosa com os pensamentos em que se encontrava naquela manhã. Os carros passavam aos montes diante dos seus olhos e aquele domingo não estava sendo nada parecido com a tranquilidade que esperava. Contudo, era hora de encarar a verdade e ir de encontro as suas respostas. Despediu-se de Lúcia e pegou o primeiro táxi livre que conseguiu avistar.



 Des Arts


Paris estava em festa, não daquelas outrora forçadas e planejadas em datas comemorativas pouco especiais para o coração parisiense, mas daquelas que vinham naturalmente calmas, sem muitas pretensões, porém tão carismáticas e tentadoras que era impossível recusar o convite de juntar-se a elas. Todos sabiam, desde o inocente até o mais orgulhoso dos forasteiros, que em nenhum outro lugar encontravam-se as estações fazendo tamanho espetáculo como se fazia nas famosas terras francesas.

A cidade se moldava com perfeição à beleza paradisíaca e quente da primavera em cada mínimo detalhe. Não havia um único arbusto de praça, ou uma única árvore de rua que não estivesse florida, despejando sobre os olhos os mais sortidos e singelos arranjos de flores. Era uma explosão de cores que se estendiam desde as grandes avenidas até as pessoas. E onde tinha espaço, tinha gente sentando, comendo, lendo, conversando, ou simplesmente observando.

Sophie, no entanto, não sentia todo esse clima. Estava ocupada demais pensando em tudo. Da janela do táxi, observava as ruas movimentadas, mas sem realmente vê-las. Perdia-se nas suas dúvidas, expectativas e medos ao mesmo tempo em que se repreendia por se deixar sentir tanto. Poderia relaxar mais, refletir menos e ser mais otimista como Lúcia, ou pelo menos tentar um pouco; mas era, simplesmente, difícil.

Após alguns minutos no trânsito, o táxi parou no seu destino. A jovem de rosto angelical pagou o taxista e desceu alinhando sua roupa no corpo. Ela sempre fora muito cuidadosa com a aparência e não era um dia ruim que mudaria seus hábitos, ainda mais quando se tratava de encontros com Jean, arrumava-se para ela e para ele.

E, por pensar nele, foi impossível conter o ritmo acelerado dos seus batimentos cardíacos ao pisar na Des Arts. Podia ouvi-los como um tambor no peito que, em cada batida marcante, relembrava as doces memórias que carregava daquele lugar como se fossem pequenos pedaços do seu amor guardado. E, de fato, eram. É claro que a ansiedade lhe era notória, mas bem menor que as lembranças dentro de si.

Os saltos grossos, do seu delicado sapato de "boneca", ressoavam pela passarela de madeira, enquanto seus olhos procuravam, cuidadosamente, por algum sinal do arquiteto. Era uma tarefa complicada, já que a ponte estava cheia de pessoas e de amor para todo lado. Este último, quase uma resolução básica que dominava o senso comum. Se Paris era a cidade do amor, a Des Arts era a ponte dos apaixonados.

O som dos flashes misturava-se ao burburinho e as gaitas francesas. Pairava um clima de romance no ar como sempre fora, encantador em todas as suas formas possíveis. Casais trocavam fotos e juras de amor, turistas esbaldavam-se no fascínio parisiense, ao passo que os acordeonistas dedilhavam suas notas simples e calmas para deleite dos que estavam ali.

Após mais alguns passos, Sophie acabou parando próximo a um dos candeeiros e enterrou as mãos nos bolsos do seu sobretudo vermelho. A brisa fresca balançou seus cachos sedosos e compridos que caiam como cascatas em suas costas, levando seu perfume doce e suave até Jean. Sim, ele estava ali, encostado numa balaustrada, bem vestido com a elegância natural de um arquiteto promissor. Estava distraído, parecia absorto em si mesmo. Sophie podia não perceber, mas ele também estava nervoso... e um tanto culpado.

Mas o jovem logo foi arrancado dos seus pensamentos ao reconhecer aquele aroma de flores que passou, sutilmente, através de sua respiração; era o aroma de primavera que só Sophie carregava. Ele sempre saberia, a reconheceria em qualquer lugar mesmo que um dia emergisse na loucura. E, como se quisesse comprovar suas afirmações internas, virou-se só para encontrá-la parada atrás de si.

Um sorriso feliz e aliviado logo surgiu em seus rosados lábios por vê-la. Ela estava linda, constatou de imediato. Na verdade, sempre fora a mulher mais linda que já havia encontrado em sua pacata vida. Tudo nela lhe agradava, desde sua personalidade por vezes bipolar, até a sua aparência etérea cheia de detalhes para admirar e se perder. Os olhos castanhos não tardaram em encontrar com os safiras que tanto amava, numa troca de olhares tão intensa quanto aquela manhã estava sendo para os dois.

— Você veio... — disse, colocando as mãos na cintura fina de Sophie e a puxando para mais perto. — Quase acreditei que teria que ir te buscar. Não tem ideia do que isso significa para mim.

A jovem francesa titubeou em sua raiva por um breve momento. Era árdua a tarefa de resistir a ele quando lhe olhava daquele jeito. Simplesmente apoiou suas mãos sobre os braços dele para que ele não os movesse mais.

— Eu poderia entender, se me falasse o que está acontecendo, Jean. — foi direta, mas sem tentar ser grosseira. — Não tem ideia das coisas que estão passando pela minha cabeça. O que está havendo? Por que queria me encontrar aqui?

— Eu sei que te devo muitas explicações, mas há uma boa justificativa para tudo isso.

Sophie acabou deixando escapar um sorriso sem humor algum.

— Que justificativa? Numa semana você me trata com tanta frieza e indiferença que me faz pensar que tudo o que você quer é terminar comigo. E, agora, parece que nada disso aconteceu? Não me tome por boba.

— Não diga tamanha besteira. Nem se eu fosse louco passaria pela minha cabeça a ideia de terminar com você! E nunca, nunca te tomaria por boba! — rebateu de imediato, sentindo-se aflito com tal possibilidade e segurou o rosto dela com uma de suas mãos num gesto carinhoso, mas firme em suas intenções. Ela suspirou. Era também muito difícil não acreditar nele quando falava com tamanha convicção e afeto.

— Então, o que está acontecendo? Só me explica, porque eu não tenho pensado em outra coisa nas últimas três semanas. Toda essa sua mudança de comportamento está me deixando confusa e nervosa. — confessou, sentindo-se frágil e insegura novamente. — Hoje é o nosso aniversário de três anos de namoro e eu já não sei se vamos ter motivos para comemorar. Você está todo estranho e eu...

— Sophie! — tratou de interrompê-la e acabar logo com aquelas dúvidas. Não poderia mais deixá-la pensar naquelas possibilidades. — Escute, eu consegui a promoção no trabalho! — foi o que conseguiu dizer.

A notícia veio num tom empolgado, cheio de expectativas, como se respondesse todas as perguntas de Sophie. Contudo, a jovem francesa encontrou-se mais confusa ainda e não sabia se ficava feliz ou com raiva de novo.

— O quê? Uma promoção?! — indagou, levemente surpresa, mas já torcendo uma sobrancelha. — Eu sei que isso é importante, mas, por acaso, justifica toda a sua frieza e ausência comigo esses dias, Jean Louis Baptiste Segundo?!

— Amor, veja bem...

— Não me venha com "amor" agora!

— Por favor, me deixe explicar. Eu...

— Você tem ideia de como fez eu me sentir? Ainda mais hoje, você sabe como hoje é importante pra mim, pra nós, pra gente! — Sophie desembestou a falar.

E lá estava a carranca de mais cedo estampada em seu rosto outra vez. Jean, no entanto, achava as mudanças de humor da sua namorada um tanto quanto adoráveis, embora fossem assustadoras em determinados momentos. Ele quis sorrir, mas sabia que não seria uma boa ideia agora. Então, simplesmente, decidiu que era hora de fazer o que tinha planejado em todas aquelas semanas em que Sophie pensara no pior.

Ele olhou para os lados procurando algo e acenou para um grupo de acordeonistas que embalavam a trilha sonora na ponte. Não eram mais que três homens e logo se aproximaram sorridentes. Sophie torceu as duas sobrancelhas sem entender absolutamente nada, mas as notas de "La Vie En Rose", um dos clássicos favoritos dela, talvez lhe fizesse perceber o que estava bem diante dos seus olhos.

A melodia ressoou por seus ouvidos e sua expressão, aos poucos, foi se transformando ao se dar conta do que estava prestes a acontecer. Não era só mais uma surpresa, mas era aquela que esperou durante todos esses anos que estiveram juntos. Sim, tão repentina e tão óbvia que quase se sentiu estúpida. A jovem encarou Jean, um sorriso apaixonado brincando nos lábios dele, que retirou uma rosa de dentro do seu casaco cinza claro e entregou a ela.

— Eu pensei muito em como eu faria este momento acontecer nas nossas vidas, mas eu não podia dar um passo tão largo sem ter certeza que poderia dar o melhor a você — ele disse e se ajoelhou. Sophie recebeu a rosa, desacreditada que aquilo estava mesmo acontecendo.

— Jean, o que...

— Eu não estive ausente porque queria terminar com você ou porque não te amava mais. Pelo contrário, a minha ausência foi culpa das horas extras de trabalho dobrado para fazer esse momento se tornar realidade. Não podia dar o próximo passo sem poder te dar segurança, conforto e certezas de um futuro para nós dois.

Aos poucos, nervosa ainda, os pensamentos da jovem foram juntando os pontos. O arquiteto apaixonado tirou uma pequena caixa de veludo de um dos bolsos e a estendeu na direção da mulher que amava, revelando um lindo anel adornado em pequenas pedras de diamantes dentro dela. Sophie ficou boquiaberta, desacreditada, os olhos arregalados marejando com toda a situação e a explosão de sentimentos dentro de si.

— Amor, eu não sei o que dizer — sua voz tremulou e ele sorriu de leve. Parecia que era novamente seguro usar a palavra "amor", e essa era a deixa que ele precisava para terminar o que havia começado.

— Há três anos, eu prendi um cadeado nessa ponte e te prometi amor eterno. Você lembra? — Seu questionamento a fez suspirar.

— Como poderia esquecer?

— Bem, embora ele não esteja mais aqui, a minha promessa a você não mudou. Eu ainda te amo como se fosse a primeira vez e todos os dias percebo que o meu coração não poderia ter escolhido uma mulher mais linda e mais incrível do que você para amar. Eu me sinto sortudo em apenas estar ao seu lado e conviver com você todos os dias. Você me fez acreditar que eu poderia conseguir coisas que jamais imaginei antes de você. E, se me permite a honra e a imensa felicidade de viver o resto da minha vida junto a você, eu gostaria de te fazer minha esposa, Sophie.

— Jean...

O arquiteto apertou os lábios em um sorriso com a expressão surpresa, mas emocionada e feliz da jovem mulher.

— Sophie Madeleine Perrot, diante de todas essas pessoas a nossa volta, nesse mesmo lugar em que prometi te amar para sempre, você aceita casar comigo?

De todas as coisas que passaram pela cabeça da francesa durante todo esse tempo que passou duvidando de Jean, o que estava acontecendo naquele momento era tudo o que não esperava. Mas lá estava o que derrubava todas as suas inseguranças e incertezas. Seus medos e fantasmas fugiram com aquele simples pedido como se soubessem que jamais poderiam ganhar uma batalha em que tivessem o amor como oponente.

Era tão óbvio, pertenceriam um ao outro para sempre.

Sophie ficou sem reação por alguns segundos, até que se obrigou a dizer algo. Precisava dizê-lo.

— Sim, eu aceito... eu aceito, meu amor... — Sorriu boba de si mesma. — Aceito passar o resto da minha vida ao seu lado. É tudo o que eu mais quero! Meu Deus, nem posso acreditar nisso!

Jean não podia sentir-se mais feliz com o que ouvira, era como se um grande peso fosse retirado dos seus ombros ou como se a paz mundial houvesse sido conquistada pelo "sim" da mulher que amava. Era indescritível a sensação de plenitude que preenchera seu peito, pois nada lhe fazia sentir mais vivo que Sophie. Não era como se algo lhe faltasse antes, mas era como se agora tudo transbordasse.

Logo retirou o objeto valioso de dentro daquela caixinha e o colocou no dedo anelar direito da jovem francesa, dando um pequeno beijo carinhoso em sua mão em seguida. A pequena plateia que se formara com o momento romântico dos dois, aplaudiu timidamente quando ele se levantou e depositou um beijo casto nos lábios de Sophie. Era mais um momento daquela história de amor que ficaria marcado na Pont des Arts, como sempre aconteceria durante as primaveras em Paris.

Após alguns segundos, eles se separaram e sorriram sem jeito para as pessoas que estavam ali, observando. Estas não tardaram em se dispersar assim que ápice do momento passou. O casal apaixonado logo voltou a se encarar. Jean segurava Sophie pela cintura enquanto ela envolvia seu pescoço com os seus braços. E como qualquer um poderia notar facilmente, ela estava muito feliz, mas internamente aliviada e emocionada.

— Desculpe por ter ficado ausente nessas últimas semanas. Não imaginei que tentar a promoção no trabalho pudesse me cansar tanto e lhe afetar dessa maneira. Nunca foi a minha intenção te fazer se sentir sozinha ou insegura.

— Está tudo bem, agora. Isso não importa mais. — ela assentiu e ele sorriu minimamente. — Se eu soubesse que estava preparando tudo isso... A verdade é que eu nunca iria imaginar. E eu achando que você planejava terminar comigo aqui.

— Amor, você sabe que nada de ruim pode acontecer nas pontes e nas primaveras em Paris — disse e os dois sorriram abertamente com a velha frase que ganhava, cada vez mais, significado para os dois.

Jean retirou a mão direita da cintura de Sophie e levou até o rosto dela, tirando algumas mechas de cabelo que a brisa jogou em seu rosto, colocando-as atrás da orelha.

— Eu te amo — ele disse.

— Eu também te amo. — afirmou. — E sorte a sua, porque havia muitas chances de você estar no fundo do rio Sena agora.

— O quê? — olhou confuso para ela, que apenas sorriu.

— Nada, apenas um pensamento alto. Esquece! Só me beija agora, porque nada mais pode estragar esse domingo.

E Jean, sem titubear, a obedeceu.

Algum dia, provavelmente, lembrarão desse momento em meio a risos e brincadeiras. No entanto, naquele dia, aquela história estava apenas começando... para os dois. E quem sabe o que poderia acontecer dali para frente ou quais histórias ainda seriam escritas nas pontes de primaveras em Paris? Bom, só o tempo poderá dizer. Fato é que Jean e Sophie, certamente, escreverão muitas outras mais.


Fim.

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