Solidago

Tord

Azul sempre foi uma cor que me deu certo nervosismo.

Seja ela na, horrível, cortina de peixes, no céu do amanhecer que passei inúmeras noites acordado presenciando as quatro da manhã, ou no ocasional jaleco de certos médicos.

Porém, presenciando Tom o usar em meio à luz da lua escapando da janela, vi-a pela primeira vez como um símbolo de encorajada liberdade.

Especialmente porque, agora, o via fugindo pela janela usando um simples - porém sujo - hoodie azul.

Noites em claro assim não eram incomum para mim, as vezes por conta de dor e outras vezes pela falta de exercício ou pura euforia. 

Ali estava meu chamado para a aventura, o azul estava a balançar em minha janela; tomando seus suspiros e esperando por algo para dar-lhe a partida.

Levantei com dificuldade, sentia-me como a pequena sereia - cada passo que dava ,em direção da janela que passei tantos anos a observar, era como milhões de pedaços de vidro perfurassem a superfície de minha pele - Indaguei se valeria mesmo a pena, se toda esta dor era realmente necessária, olhei para as constelações em meus braços.

Aquilo era necessário.

Alcancei-o antes que pudesse pular da janela para um campo verde que contemplava as paredes do velho hospital, puxando sua manga e, assim como da última vez que o surpreendi, pude ver em suas feições o medo, este logo sendo substituído pelo frio olhar que virou,tragicamente, característico nele.

"O que quer?" Disse ele, sua voz seca e fria me lembrava de neve fresca caindo na cidade na qual cresci, e tão baixa quanto os leves sussurros numa manhã de natal dentro de um hospital como esse.

"Me leve com você,  eu te imploro." Gostaria de ter dito algo mais sútil, que ele não me fitasse com a expressão de pena que eu vim a conhecer de tantas pessoa - espero que esta seja a última vez que precisarei expandir minha coleção de olhares,- dando um gole seco, encarei-o procurando pelas certas palavras; tenho medo que uma delas faça-me perder a chance de sair. 

"Eu...Posso fazer o que você quiser, de verdade, só pedir." Tomei um grande suspiro de ar, não me sentia respirar enquanto murmurava a proposta que era tão mal elaborada.

Um tempo se passou, e não mais conseguia o encarar, conforma-se que uma pessoa pode, de uma forma ou de outra, ser a chave para algo que você quer não somente deixaria a pessoa desconfortável, como também você.

Mas eu tenho minha 'bola' agora, e pretendo pega-la.

"Certo,mas não pode ir com isso, vai parecer suspeito." Um sorriso apareceu em meus lábios, minha vontade de abraça-lo crescia a cada segundo que ouvia suas palavras, sentia-me uma criança depois de ganhar um novo brinquedo após inúmeras tentativas de persuadir seus pais; estava eufórico, para dizer pelo menos, esta havia sido a primeira vez em todos esses anos em que me senti tão genuinamente feliz por um simples ato.

Ele saiu da janela, procurando em baixo de sua cama apenas para achar uma mala antiga, sua cor amarronzada me fazia pensar sobre a terra em que eu pisaria logo; fazem anos em que não a sinto, queria poder me atirar e sentir sua superfície me consumir enquanto aproveitava o doce sentido da liberdade, finalmente me consumindo. 

Tom levantou-se para mim com um hoodie avermelhado, sua expressão de neutralidade rapidamente mudando para uma de preocupação e de medo."Tord, você 'tá chorando?" Pus minhas mãos sob as bochechas úmidas e pálidas que pertenciam a mim, certa vez um ruivo que se olhava demais no espelho foi internado nesta mesma ala, não recordo seu nome, como sei que ele não recorda o meu, porém certas palavras que disse estarão cravadas para sempre em minha mente, quase como um mantra que me lembro toda vez que percebo as lágrimas tão familiares descendendo pela superfície da minha pele. 

'Gostaria de poder chorar como você, quando eu choro pareço estar tendo uma crise de espirros! Você parece cultivar flores.' Minhas lágrimas, minhas bochechas avermelhadas, eram para mim outra grande coisa, meu pequeno jardim escondido de tudo e todos por uma parede de auto-proteção e amargura, porém as lágrimas que desciam agora não eram amargas ervas daninhas criadas pela solidão, dessa vez cultivo belas rosas; frutos de pura euforia. 

"Sim, mas não se preocupe, estou feliz." Tom entregou-me o hoodie juntamente com uma calça que ficaria, com certeza, pequena nele. 

Ao ir me trocar ele evita trocar olhares por mera privacidade, ato que expresso tamanho respeito, apesar de estar orgulhoso pelas minhas constelações nos braços -símbolo que vivi mais um dia- meu tronco está coberto por um constante lembrete que não sou quem gostaria de ser, que apenas foi atrasado pela doença; pelo modo como forço minha voz em inúmeras ocasiões, ou o jeito como arrumo meu cabelo - até mesmo minhas naturais feições- ninguém nunca suspeitaria do meu segredo sujo, e apesar de cantarolar todas as noites que sou um garoto de verdade, sei que no fundo no fundo, ninguém mais acreditaria se soubesse. 

Sinto as rosas brancas serem consumidas pelas ervas daninhas, e já não quero mais demorar na troca de roupa. 

"Podemos ir agora, estou pronto." Apesar do hoodie ter ficado um pouco folgado, as calças parecem caber quase perfeitamente, me pergunto se ele tinha uma mãe que um dia saiu para comprar essas roupas, ou se ele as comprava sozinho.

"Você parece exausto, tem certeza que posso te tirar daqui?" Tomando minhas mãos na sua como um instinto ele me guia para a janela, limpo as lágrimas com a manga do hoodie e aceno positivamente, estou pronto para isso.

Nós saímos e senti o frio vento da noite tocar em minha pele, a acariciando como uma mãe acariciaria uma criança, a noite é extremamente gélida, porém tenho a lua para me lembrar que o sol saíra de novo amanhã. 

Por um momento aprecio a sensação de estar livre, retiro minhas pantufas e sinto a terra - apesar de ainda sentir as milhões de farpas, como a pequena sereia, decido aproveitar o momento antes que vire espuma marinha.- 

"Temos que ir buscar uma coisa antes, se importa de andar um pouco?"Ponho de volta as pantufas e mordo meu lábio inferior, isso será extremamente doloroso, porém se significa estar livre eu estou pronto para aprender a ignorar minhas ervas daninhas, as dores em meus membros, pauso minha linha de pensamento percebendo que estou apenas trocando uma gaiola física por uma mental, mas não me importo; não há jeito de ser totalmente livre de qualquer forma.

"Nem um pouco."

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Ok, eu meio que expresso um pouco de headcannon por esse capítulo, mas juro que não vai se repetir :v

Só achei que seria interessante, anyways! Espero que tenham gostado, vocaloid me deixa pensar bem sobre histórias, lol. 

Chauzinho!

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