24 - Como saber que estou apaixonada?

6 de Junho 


Má notícia: você não para de pensar em um problema só porque acha que já tem problemas demais para falar na terapia.

Cassandra parou de flertar comigo. Eu percebi isso, senti isso. Mas acho que depois que percebi, estive o tempo inteiro focado em outras coisas que essa questão acabou ficando de lado. E ela não está me tratando mal, então não tinha porquê se chatear. É, mas agora o incômodo voltou.

Principalmente porque quando saio do hospital, sinto que Cassandra está me empurrando para outra garota. Sim, eu poderia pensar que ela só quer me ajudar a me entender, mas não consigo. É só um palpite, talvez uma paranoia idiota. Como não posso tirá-la à força, não paro de pensar.

E pior: estou chateada. Tudo bem, eu fiquei triste quando percebi sobre os flertes, mas agora é diferente. Parece que o sentimento ficou menos abstrato e me incomoda mais. Penso em enviar uma mensagem dizendo "eu não gosto de você", mas me sinto idiota. "Não é legal que você me empurre para outra pessoa só porque acha que estou interessada em você, Cassandra. E não, eu não estou".

Planejo, planejo e... tenho medo de admitir que estou pensando nisso. Em teoria, não deveria me importar. Os flertes não são de verdade, eu não sinto nada por ela e Cassandra me trata bem demais para soar como se estivesse me repelindo. Eu não quero pensar nisso. Não quero.

Mas eu penso. E muito. E surge mais e mais sentimentos abstratos que eu não sei o que significam.

Para piorar, entendo o que Cassandra quis dizer com "remarque as aulas práticas" e "nos vemos semana que vem". O remédio me destroi nos primeiros dias. Mal me levanto da cama, sinto tontura e vomito boa parte do que comi.

Depois, também me sinto vazia como um balão furado. Fico por um triz de pensar "é, talvez a medicação realmente não seja para mim", mas os dois fiscais da casa me impedem de parar. E fazem sopa encorpada de carne com legumes, meu primeiro ânimo na semana.

— Eu realmente não sei porque estou chateada. Será que a terapeuta vai me julgar se eu trouxer um probleminha pequeno na próxima sessão ao invés de problemas gigantescos?

Estou deitada no sofá com as pernas para o alto, no encosto. Mavi está sentado no chão, sabe se lá o porquê, e Andressa ao meu lado. Contei a situação, ainda que eu ainda sinta um certo receio de ser julgada ou empurrada para uma decisão que ainda não entendi.

— Não sei, eu também ficaria chateada se minha amiga começasse a me negar indiretamente — Andressa diz. — Ia ficar me policiando para não dar pinta demais.

— É. E pior que não está rolando nada demais, a gente... não tem muito contato físico ou qualquer gesto... meio romântico — explico.

— Mas e o quase beijo? — Mavi pontua.

Eu contei. Omiti que desmaiei porque isso não é tão... relevante assim.

— Não teve nada romântico nisso. Eu... nem sei o que deu na minha cabeça naquele dia — confesso. — Mas não foi nada paixão avassaladora para mim.

Mas ignoro o quanto imaginei o beijo dela no dia seguinte. E no outro. No outro. E que... às vezes, tenho um sentimento esquisito quando ela sorri de fechar os olhos, mas é só porque eu... acho bonito. É bonito. E também é bonito quando posso ver a íris dela, tão escura que parece me refletir por inteira.

Mas não acho que seja romântico-romântico. É normal gostar da aparência dos amigos ou de certas características. Eu gosto do tom vermelho do cabelo de Mavi, por exemplo. E de como a risada da Andressa é barulhenta. A única diferença entre eles e Cassandra é que... parece esquisito com ela.

— Eu não vou falar nada porque Mavi vai me olhar com cara feia — Andressa pressiona os lábios.

— É só uma teoria.

— O quê? — Franzo o rosto, curiosa.

— Não é nada demais.

— Agora precisam me contar.

— Não, ninguém aqui tem certeza de nada e não é bom jogar mais uma informação na cabeça da Belém — Mavi diz e eu resmungo.

— Mas agora eu já sei e vou imaginar as piores coisas — ameaço.

— Talvez ela é quem esteja em uma quedinha por você — Andressa diz e Mavi acerta um tapa no próprio rosto.

— Não, não.

— Você disse que ela flertava com você e se ofereceu para te beijar.

— Eu sei que parece ridículo, mas realmente foi coisa de amigas. E ela flerta por hobby!

— Talvez os flertes não sejam tão de brincadeira assim.

— Não, não. No dia que vocês se viram, ela agiu da mesma forma que age comigo, mas com você.

Andressa semicerra os olhos.

— ...do que você tá falando?

— Ela é solicita daquela forma. Gentil, te dá atenção e brincalhona — explico, calma. — Não é algo específico comigo, é com garotas no geral.

Eu realmente não entendo, mas Andressa me olha esquisito. Não só ela, Mavi também. Então os dois concordam em algo que não consigo entender e não sei se é bom ou ruim.

— ...estou falando sério — digo, confusa. — Ela te tratou da mesma forma que me trata.

— Mudei de ideia, não é ela quem tem uma quedinha por você. É você que tem uma quedinha por ela mesmo. — Andressa ri, cobrindo os lábios. — E pior: você realmente não percebeu que ter notado isso foi ciúmes, pelo visto.

— Não foi ciúmes.

Dessa vez, não é defensiva. Eu realmente não entendo porque notar isso é ciúmes.

— Como Cassandra tratou o Mavi? — pergunta.

Pauso.

Como assim?

— Ué, normal... eles conversaram normal.

— Você prestou atenção em como ela o tratou? Me dá um exemplo de como foi. — Andressa cruza os braços. — Ou será que você só prestou atenção em como ela agia com outra garota?

Minhas pernas saem do encosto do sofá e eu me sento, mudando para uma postura séria.

— Eu nunca ficaria com ciúmes de vocês, tá? Eu fiquei muito feliz que meus amigos estavam juntos — digo.

E estou sendo sincera. Eu realmente fiquei feliz de vê-los juntos, por minha causa.

— As duas coisas podem coexistir. E o ciúmes é do tratamento, não de mim — explica. — Talvez, para o seu cérebro, notar que ela trata todas as garotas iguais foi algo importante.

Solto uma risada nervosa.

— E isso não é sobre um medo relacionado à amizade, já que você não se incomodou com a proximidade de Mavi. E convenhamos, os dois têm muito mais em comum.

— Nunca tive minha transgeneridade tão validada quanto agora — Mavi brinca, levantando os braços. — Não leve tão à sério o que Andressa diz, ainda são só teorias.

Mas aí eu já estou remoendo.

Eu não acho que seja. Não acho que seja uma quedinha por Cassandra, todos meus pensamentos por ela ainda estão na linha da amizade. Exceto o beijo, mas o beijo talvez esteja mais relacionado com a minha confusão do que qualquer outra coisa.

Ou...

Não. Não é.

É, talvez eu precise falar isso com a terapeuta antes que o probleminha se torne um problemão.

Como não posso agora e eu nunca teria coragem de pedir uma terapia a mais na semana só por isso, abro o notebook antes de dormir em busca de uma resposta universal em uma pesquisa boba (eu realmente espero que ninguém esteja vendo meu histórico).

"Como saber que estou apaixonada?"

Vários sites surgem. A maioria é sites de revistas teen, entretenimento e... há um site religioso também, que evito clicar.

"Primeiro. Você não enxerga defeitos, apenas qualidades e endeusa o seu parceiro."

Não preciso nem ver o resto, falho de primeira. Eu vejo os defeitos de Cassandra: ela não é mentirosa, mas gosta de fingir que está tudo bem. Sei que o que fez com os amigos ao sumir foi errado e, de certa forma, egoísta. Enquanto tentava me fazer ir para a terapia, escondeu todos os seus problemas.

E sendo sincera, eu gosto que Cassandra tenha defeitos. Assim como ela também parece gostar que eu os tenha, aos montes.

Ainda sim, leio o próximo item da lista.

"Segundo. Você se sente bem com perto do seu parceiro."

Um pouco. Tudo bem, talvez ela seja uma das companhias mais confortáveis para mim. Mas não conta. Eu também estive mal perto dela.

"Terceiro. Você pensa no seu parceiro quando não estão juntos."

Normal, ela é um dos meus únicos amigos. Além disso, eu não penso tanto. Tá, talvez eu pense. Mas é que a Cassandra é tão... importante para mim. Se não fosse por ela, talvez eu nem fosse amiga do Mavi e da Andressa. Foi ela quem fez chamá-los para uma encontro de aniversário atrasado e não desistir de se aproximar deles.

É normal.

"Quatro. Você sente borboletas no estômago."

Abro outra aba. "O que é sentir borboletas no estômago?"

Uma reação cérebro-intestino liberada por hormônios é a versão mais técnica que aparece no topo da tela. Não só romanticamente, mas em situações de nervosismo ou ansiedade. É um frio na barriga, ausência de sangue. Adrenalina.

Acho que nunca senti isso.

"Quinto. Você não sente mais vontade de ficar com outras pessoas."

Nunca tive vontade de ficar com ninguém.

"Sexto. Você imagina momentos românticos e situações cotidianas com ele."

Não... ok, talvez imaginar beijos dela sejam algo que se encaixe naturalmente como romântico, mas eu não sei o que sinto sobre isso. Não sei como é beijar para poder sentir qualquer coisa que seja.

Apesar de que humanos têm instintos. Por que raios eu não tenho nenhum instinto? Um "talvez isso seja paixão"? Ou... acho que quando eles dizem ficar em todos os sites que leio, sei que não só sobre beijos.

E eu também nunca senti isso também.


10 de Junho


Estou melhor na segunda-feira.

Ainda sim, é estranho. Eu estive esquisita nos últimos dias, é natural que ainda esteja um pouco. Além disso, é engraçado como eu posso acumular coisas a fazer em tão poucos dias. Preciso marcar as aulas práticas da autoescola, rever aulas que não assisti e confirmar minha sessão para amanhã às quatro da tarde. Não respondi Marina, a conversa ficou interrompida desde que senti o meu primeiro mal-estar. E claro, Cassandra previu o que aconteceria, então faz sentido que tenha me enviado tantas mensagens.

É a primeira conversa que abro.

Cassandra: acho que você deveria me atualizar falando sobre o tatu bola jogador de basquete também :(

Cassandra: mas é normal o mal estar nos primeiros dias!!!! não se dê por vencido!

Cassandra: você consegue!

Cassandra: me envia mensagem assim que estiver melhor tá?

Belém Martins: Oi, aqui é a mãe da Belém, ela faleceu ontem a noite.

Belém Martins: O que você achava dela? Gostava dela? Seja sincera, dê uma nota de 1 a 100.

Cassandra: 0, não gosto de copionas.

Belém Martins: :(

Cassandra: :)

Cassandra: como você está?

Belém Martins: foi terrível, eu pensei que o remédio me mataria, mas acho que estou um pouco melhor

Belém Martins: (quando vou virar uma pessoa normal?)

Cassandra: (você já é normal)

Cassandra: ótimo, já pode voltar a me ver!! estou com saudades (e entediada)

Belém Martins: vou passar aí depois de ir na livraria :)))) ainda bem que me convidou (já iria de qualquer maneira! sou sua acompanhante oficial!)

Cassandra: livraria? 👀

Belém Martins: ...devolver os livros só.

Cassandra: você me conta quando chegar.

Eu realmente quero devolver os livros que peguei e, (só) talvez, eu esteja um pouco sem graça de responder Marina depois de dias. Eu não quero explicar o motivo. Ainda que não esteja interessada em fazer o que Cassandra sugeriu, ela é uma pessoa legal para conversar sobre os livros que peguei.

São dez da manhã quando apareço na livraria com uma ecobag de livros. Marina está meio de um atendimento, preciso sentar em uma das mesas até que ela fique livre e eu posso fazer algo para que ela me note. Nem preciso, ela me vê antes de terminar de entregar o troco para o homem que agradece antes de sair.

— Ora se não é a garota com nome de capital. — Marina diz, baixinho ao se aproximar. — Dessa vez, eu realmente pensei que você tinha me passado as pernas.

— Foi mal, eu... tomei um... medicamento aleatório... que me deixou um pouco exausta nos primeiros dias. Não tive energia para responder as mensagens, mas já estou melhor.

Ela olha para os lados e percebe que sou a única cliente (não vou comprar nada).

— Acho que ansioliticos, antidepressivos e essas coisas deixaram de ser tabu há alguns anos. — Sorri de canto. — Sei como é. Tá melhor, então?

— Bem, ainda não recebi uma carga de felicidade, mas está tudo bem — tento fazer piada.

— Não é assim que os remédios funcionam, Bel.

Arregalo os olhos, surpresa. A última pessoa que me chamou de Bel foi Duda, mas sai com facilidade nos lábios de Marina. Minha surpresa também, o que a deixa levemente envergonha de me dar um apelido.

— Foi mal, em minha defesa meu tataravô deve ser paulista que gosta de dar apelidos de uma siliba só.

— Bé-lém — digo em voz alta.

— Você entendeu. — Ela desvia o olhar novamente para checar se ninguém chegou. — Se importa de eu te chamar de Bel, Belém?

— Não, não. Eu gosto. — Sorrio. — Vim devolver os livros que já li, acho que estou os mantendo em cárcere tempo demais.

— Quer outros?

— Talvez eu deva comprar na internet ao invés de te importunar. Além disso, você não gosto de saber que li suas anotações.

— Era brincadeira. Tá tudo bem ler. — Ri. — Eu posso te emprestar mais.

Sorrio.

— Eu posso pagar.

Ela revira os olhos.

— Ainda não fiz amigos na cidade o suficiente para ter alguém para conversar presencialmente. Dispenso seu dinheiro, mas vou adorar sair para conversar com alguém sobre livros. Que tal? — Sorri. — Não posso conversar tanto com você no expediente.

Dá um olhada sutil para as câmeras. Na minha mente, a palavra amigo soa como porto-seguro. Bem, não me interesso pelo plano de Cassandra, mas ainda gosto da chance ridícula de fazer uma nova amiga.

— Mas a gente pode marcar de comer algo, falar sobre livros e eu te empresto mais algumas recomendações.

— Fechado.

— Eu te mando mensagem mais tarde, então. — Ela pega a ecobag. — Até mais, Bel.

Ela parece animada quando se afasta e, confesso, provavelmente eu estou também. Escutá-la me mencionar como uma potencial amiga meio que é o suficiente para me sentir mais confortável com a ideia de conversar com ela.

A próxima parada é no hospital para ver Cassandra. Sem os livros, fica mais fácil caminhar até a rua da praça e chegar até a recepção do Santa Maria da Conceição do Rio. Mais um pouco e meu crachá está em mãos, me permitindo subir até a ala de sempre e o quarto 107.

Quando abro, sem bater depois de todas as vezes que vim aqui, encontro Cassandra deitada na cama. Sem camisa ou sutiã, cheia de eletrodos espalhados pelo torso. Ela levanta o rosto, a enfermeira se vira para ver quem chegou chegou.

Eu sinto meu rosto esquentar e, mesmo que não fique vermelha, meus olhos devem estar dando voltas para não olhar na direção de ninguém que esteja... parcialmente nu.

Vou até a janela, fingindo ver a linda paisagem de carros.

— Só mais um pouquinho. — A enfermeira diz enquanto finjo que realmente tem algo de interessante na janela.

A regra do exame parece ser ficar quieta, já que Cassandra não faz nenhum comentário até que o teste esteja por encerrado e os eletrodos saiam do seu corpo. No mesmo instante, ela veste a camiseta e se senta na cama, o que me permite finalmente olhar em sua direção.

— Se eu soubesse que você chegaria agora, teria te avisado — comenta antes de sinalizar para que eu me aproxime depois que as duas enfermeiras saem. — Não que eu me incomode, óbvio. Acho que já fiquei nua para metade desse hospital.

— Você tá bem? — pergunto, me aproximando da cama.

— ...estou? — Franze o rosto. — Eu que te pergunto, me conte como foi a semana.

— Eu só fiquei deitada no leito da morte, Cassandra. Você deve ter coisas melhores para contar — retruco e ela estende as mãos para pegar meus óculos.

Coloca no rosto e é esquisito vê-la com os olhos menores.

— Eu só fiquei deitada no leito da morte, Belém. Você deve ter coisas melhores para contar — me imita.

— Não gosto de copionas. — Cruzo os braços. — Mas sério, realmente achei que ia passar dessa pra melhor.

— Vem, deita do meu lado.

— São quase onze da manhã — pontuo e ela revira os olhos.

— São quase onze da manhã — me imita de novo, ajeitando os óculos.

— Além disso, não tenho nada para dizer e saiba que eu vou morrer de culpa se você adoecer por minha causa — resmungo.

— Você me perguntou porque eu não tenho uma abordagem paliativa e eu acho que ter contato humano é um método paliativo e tanto — apela.

— Estou começando a cogitar que você aprendeu a usar sua situação para me manipular — digo, pegando um espaço para mim ao seu lado.

Ela ainda não me devolveu meus óculos, mas isso não importa tanto. Ainda que o resto seja um borrão, não me impede de ver de perto. E Cassandra está ao meu lado, com as suas bolas de gude pretas reduzidas e o cabelo desgrenhado. Eu realmente não tenho nada para dizer além de dor, vômitos, "por que Cassandra não flerta mais comigo" e tontura.

Você se sente bem ao lado do seu parceiro.

Nós duas ficamos em silêncio olhando uma para a outra. É esquisito, me sinto levemente sonolenta em olhar em sua direção. E sinto vontade de tocá-la. Nas bochechas, limitar o caminho entre o maxilar e deslizar pela ponta do nariz. Como alguém que precisa de tato para reconhecer alguém, como se fosse necessário também reconhecê-la no escuro.

Sinto um incômodo. Uma pontada de ansiedade.

Paro de olhar em sua direção, de barriga para cima.

— Por que você não me chama de Bel também? — Arranjo um assunto.

— Por quê? — Ri.

— Porque os apelidos são mais íntimos, indicam proximidade e você não me deu um apelido.

— São? E por que você me chama de Cassandra? — provoca.

— Não tem apelido para Cassandra. Cass é esquisito, americanizado demais. Sandra te dá quarenta anos a mais — digo e ela gargalha. — Mas Belém tem.

— "Bel", então? — pergunta.

— Isso.

— Seus amigos te chamam de Bel?

— Sim — minto.

— Bem, se você quiser, tudo bem. Mas seu nome é uma das minhas coisas favoritas de todas — diz, calma.

E de novo, uma maldita pontada.

— E o que tem de especial nisso? — digo, mesmo que não me importe mais.

Eu não acho que meu nome seja favorito nem para a minha mãe, que escolheu.

— Não que eu seja religiosa, mas... não dá para negar que eu gosto de ter conhecido alguém chamado Belém no natal. — Sorri de canto.

— Eu também gosto de ter conhecido alguém chamado Cassandra no natal, ainda que não tenha simbologia nenhuma.

— Tem, eu sou a estrelinha que levou Jesus a Belém — diz tão séria que eu sorrio.

— Horrível, você não vai pro céu.

— Eu não quero, de qualquer forma — diz e faz o que não tive coragem.

Desliza seus dedos pelas minhas bochechas. Mas de um jeito bobo. Ela puxa levemente, finge desenhar com a ponta do dedo e... talvez estejamos na ala cardíaca. Talvez eu também tenha um problema no coração.

Arritmia.

É a primeira vez que meu braço se levanta inconsciente e vai até o rosto dela, também em uma tentativa de imitar. Fecho os olhos, como se fosse necessário. Tateio suas bochechas, desvio dos seus lábios levemente úmidos e consigo tocar a ponta do seu nariz, o que a faz rir.

— Você pode me chamar de Belém — digo, mesmo que o assunto já tenha encerrado.

— Obrigada. — Ela põe uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.

Mas de novo, é cedo demais e alguém entra, nos fazendo encerrar o contato. E diferente das últimas vezes que senti essa estranheza, meu coração continua batendo como uma britadeira quando me sento na poltrona, observando Cassandra tomar uma medicação em comprimido.

E o quarto fica em silencioso de novo, sem toques dessa vez. E levemente constrangedor, pelo menos para mim.

— Ah, tenho um novo hobby — diz, pegando algo em cima da mesinha que não percebi.

É o começo de algo feito em crochê. Emaranhado ainda em agulhas de plástico. Não é bonito, mas Cassandra sorri tão orgulhosa ao mostrar o pseudo tapetinho deformado que é impossível fazer uma careta de estranheza em resposta.

— ...Tá lindo.

— Não, tá horrível. Vou desistir em menos de vinte e quatro horas — dramatiza, mudando de expressão.

— Não, não. Você não pode, precisa aprender a fazer peças de crochê ou o que vai me dar quando acabar as moranguinhos?

É uma piada, eu apenas imito o seu jeito ao dizer isso, mas não cai bem em mim porque ela separa os lábios, incrédula.

— Você foi muito convencida, Belém.

Arregalo os olhos.

— Só estou brincando.

Ela ri.

— Você não consegue me imitar, não sustenta a provocação — diz, divertida. — Mas é, parece um ponto positivo, ainda que eu ainda tenha outras moranguinhos ainda.

— Jesus, quantos fast foods você comeu por esses brindes? — digo, mais por provocação.

— Você acha mesmo que eu já comi algum fast food na vida? — Semicerra os olhos, ofendida. — Eu já fui super fã da Moranguinho. Meus pais compraram a coleção inteira separado.

— Será mesmo? — provoco. — De qualquer forma, vai dar tempo para você fazer a bolsa de coração linda que eu vi em um Instagram de uma gringa.

— Certo, aí você foi realmente convencida. Deveríamos procurar a bula de Sertralina e descobrir se dá convencimento?

— Eu só tô brincando!

Ela gargalha.

— Eu também. — Sorri, recuperada. — Você pode ser convencida, eu realmente estou aprendendo por sua causa.

Quê?

— As moranguinhos vão realmente acabar e eu acho que você vai conquistar coisas legais. A gente precisa ter algo para comemorar de qualquer forma.

Quê?

— Vai demorar, claro. Isso tá péssimo, mas teremos algo para comemorar até suas pequenas vitórias.

Por um segundo, acho que vou desmaiar. Não porque minha visão fica turva, é só que meu corpo inteiro se sente estranho. Uma descarga elétrica. Um coração batendo acelerado. A falta de tato.

— Que foi? Eu sou uma ótima amiga, apesar dos pesares — completa.

E rapidamente a sensação de ir para fora da órbita da terra acaba. E eu sou puxada de uma vez para o chão. Uma dor quase física, como se eu tivesse realmente saído do lugar em algum momento.

— Ah, você não tinha me dito que iria na livraria? E aí?

Oi, gente. Como vocês estão? Na verdade, esse capítulo era para sair semana passada, mas um dos meus gatos infelizmente faleceu e eu acabei sem cabeça para postar o capítulo & atrasei mesmo prometendo que as atualizações seriam mais recorrentes.

Mas eu prometo que a história está legal <3 Sei que vocês conhecem meus monstrinhos, mas juro que a Belém não é tão dissimulada quanto o resto, ela só vai demorar um pouquinho mais para entender direito o que acontece, mas vale a pena.

(A Cassandra talvez seja, mas isso é papo para outra hora).

Beijos!

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