22 - Trio da positividade
CAPÍTULO 22
Dizer que vai procurar ajuda é muito diferente de procurar ajuda em si.
Estar em um corredor, sentada em uma cadeira desconfortável enquanto espera uma mulher que você nunca viu na vida te chamar. É esquisito, meu coração vai sair pela boca e estou me policiando para não sair correndo. É o hospital de sempre, mas na área de consultas comuns, bem distante da recepção que uso para subir e visitar Cassandra. Acho que vi algumas vezes, mas não... nesse consultório. Inquieta, com as pernas dobrando e desdobrando, o lábio pressionado forte e monossilábica.
Tudo bem, mas e se eu tiver alguma coisa horrível sem cura? Será que tem algum transtorno do tipo? Deveria ter pesquisado. Que droga, eu deveria ter jogado todas as coisas que sinto no Google para descobrir se gabarito alguma coisa.
Não, lembrei o porque não fiz isso. No instante que enviei uma mensagem para Cassandra palpitando os meus problemas, ela me fez jurar que eu ia parar. "Isso é péssimo, você vai pôr na cabeça algo sem certeza alguma".
Não que isso seja algo novo, colocar algo sem certeza na mente até ficar maluca. Droga, melhor parar com a palavra "maluca". Não é de bom tom falar, a psicóloga vai me achar mal...
— Belém, é a primeira consulta. É só uma apresentação. — Mavi toca meu ombro.
Mavi e Andressa parecem meus seguranças particulares. Sei que os dois estão matando aula da faculdade, sentado cada um em um lado meu. É uma mistura de vergonha (eu já sou adulta, não deveria precisar de duas pessoas me acompanhando) e uma pontadinha de felicidade (eu já teria ido embora se estivesse sozinha).
— O que é pior, né? — retruco, em delay. — Me apresentar? É o pior de tudo. Eu quero falar coisas positivas para ela não me achar coitadi...
A psicóloga abre a porta. Exatamente no momento que eu digo que não quero me ver como coitada. Junto com ela, um paciente diz "até semana que vem" enquanto os dois se despedem. Ela se vira para mim e pede alguns minutos antes de me chamar.
Pronto, agora tenho certeza que está perto. Mesmo que esse seja o meu horário, agora é uma confirmação real que vou me sentar com uma estranha por cinquenta minutos. Vou desmaiar. Quero ir embora.
Calma, não é como se eu fosse a pessoa mais triste do mundo. Tipo, eu nunca atentei contra a própria vida. Meu Deus, o camarão. Eu não vou contar para ela sobre isso. Não, não. Melhor esconder.
— Belém Martins, tudo bem? — Nem percebo que ela já abriu a porta de novo.
Sorrio, nervosa. Olho uma última vez para Mavi e Andressa, que prometem me esperar aqui "ou na lanchonete daqui dentro".
O consultório é branco, como qualquer outro. A diferença está na ausência de macas, cortinas esverdeadas e apetrechos médicos. Diferente disso, tem brinquedos de montar, legos e algumas mini estátuas. É fofo, me pergunto se errei e é uma psicóloga infantil. Não é, o paciente anterior deveria ser mais velho do que eu.
Sento antes que pareça esquisito. Ela tem a pele clara, os olhos amendoados e o cabelo cacheado preso. É séria, o que me deixa ainda mais acanhada.
— Tudo bem, Belém? — Sorri. — A primeira consulta, por padrão, é uma espécie de triagem. Você me diz um pouco sobre você, o que quiser. Pode começar com o básico, mas, se precisar de ajuda, posso usar o questionário padrão.
Travo. Não respondo o "tudo bem", não dou oi. Nada. Ela me observa, silenciosa. Sem "Belém, o tempo vai acabar" ou qualquer empurrãozinho.
— Primeiras consultas dão nervosismo, não é? — diz, tentando manter um clima agradável. — Posso começar.
Ela se apresenta de maneira simples. É apenas para quebrar galho: Rebeca Soares, psicóloga (óbvio) e tem um cachorro chamado Dodó. Não me ajuda, mas acho gentil, o que me obriga a começar.
— Sou Belém. Dezoito anos. Não faço faculdade. Filha única. — Ela assente para que eu prossiga.
Mas acaba aí mesmo. Um minuto, dois, três...
— Meus pais têm muito dinheiro. Do tipo que eles não precisariam trabalhar nunca na vida. — Pauso, de novo. — Calma, isso é importante, eu não estou falando só por falar.
— Estou calma, Belém.
— Eles vêm de famílias importantes. Os dois. Eu tenho uma vida muito confortável. Estudei no colégio mais caro, tive acesso a tudo. Tudo mesmo. Nunca me faltou nada. Eu ganhei um carro de aniversário de 18 anos. Elétrico, caro. Eu nem sei dirigir.
Não olho nos olhos dela. Se eu olhar, irei parar.
— Mas... acho que meu cuidado foi tercerizado. Desde sempre, ainda que quando criança eu ainda os visse com um pouco mais de frequência — tento não me embananar.
Eu tinha uma babá, mas aí eu cresci e se tornou mais fácil ficar sozinha. Não sei o que meus pais pensaram quando decidiram, já que dinheiro não era problema. "Talvez seja melhor prepará-la para como vai ser sua vida"? Não sei. Reforço que não é mentira. Sim, eu realmente fui uma adolescente morando sozinha. Não, nenhum conselho tutelar entra em um condomínio de milhões. Sim, eu tenho uma tia religiosa que me checava se eu estava viva.
Ela não fez nenhuma dessas perguntas. Só tento me justificar ao máximo.
— Esse é o fato mais importante sobre mim. "Não, Belém, não é. Você é muito mais que isso". Não, não sou. Sou exatamente isso: uma garota sem amor dos pais que passou a vida toda querendo atenção. Não criei amigos de verdade, não me importei com o que eu queria ou fui alguém nos últimos dezoito anos. Fiz tudo por eles. E agora sou uma adulta que não amadureceu nada.
Não deu muito certo contar fatos positivos.
Primeiro, não percebi que falei tudo com os olhos marejados e a voz irritada de quem não quer chorar, de novo. Rebeca me observou atentamente, mesmo que eu nunca olhasse nos seus olhos — eu sinto o peso. Ouviu tudo e... não me interrompeu quando sai da apresentação e fiquei minutos e minutos me enrolando em uma espécie de confissão e defesa do que penso.
Eu sou uma péssima pessoa. Sim, eu sou uma péssima pessoa. Nunca parei para conviver em sociedade, penso mais em mim do que qualquer outra pessoa. Eu sou uma péssima amiga mesmo. Não sou uma companhia agradável.
Acho que não consigo ficar feliz porque estou pressionada a ficar feliz.
Rebeca me ouviu e... não acredito que isso é uma surpresa, mas não me julgou ao responder. E das coisas que eu mais gostei de ouvir, talvez tenha sido que eu não sou adulta.
Eu não sou, sou?
Quando saio do consultório, Mavi e Andressa não estão aqui — provavelmente porque as cadeiras foram preenchidas. Antes de ir procurá-los, respiro fundo no banheiro e limpo o rosto. Não parece tão terrível.
Na verdade, pela primeira vez, sinto que vai se resolver.
Mavi e Andressa não estão na lanchonete, mas sentados em poltronas do outro lado.
Com Cassandra. Meu Deus, que esquisito. Eu nunca a vi fora do lado de internação do hospital. De braços cruzados, conversando com meus amigos. Do jeitinho dela de sempre, mas mais realçado ao lado de pessoas que tomam sol todo dia. É estranho vê-los juntos, parece mundos tão... diferentes.
Não por não combinarem, acho que ela e Mavi têm semelhanças em gostos.
— A gente ia esperar na lanchonete, mas a Cassandra não podia entrar pela dieta restritiva — Andressa explica. — Mesmo a gente jurando que ela não ia comer nada.
Olho para Cassandra, ela sorri amarelo depois de todas as coisas de fora que eu trouxe para ela.
— Um batalhão para me ver sair com cara de choro na terapia?
— Sim — os três respondem em uníssono, como se tivessem pensando na mesma piadinha.
— E aí, como foi? — Andressa pergunta. — Ela é legal?
— É, acho. Não deu para ver muito, eu... mas eu vou voltar, tá? Ela me pediu para marcar pra terça.
Andressa ameaça bater palminhas antes de perceber que está em um hospital. Cassandra sorri em direção a ela, pelo quase constrangimento. Não que isso seja importante agora, óbvio, mas quando vejo a interação de Cassandra com outra garota, entendo o que ela quis dizer com "não estou flertando sério". Ela é... muito simpática. Gentil e conversa bem. Alterna o olhar em direção a quem fala, educada.
Apesar disso, não sinto ciúmes por ela se dar tão bem com os meus amigos. Estranho, eu deveria ficar com medo. Não que eu tenha pensado nisso, mas sei que no fundo gosto de ser sua única companhia. Conversamos baixinho, sem ir embora, mas fica esquisito tanto tempo aqui e Cassandra parece ter horário para voltar.
Algo me diz que a secretária ficou avisada, sempre olhando na direção dela. E os seguranças, talvez.
Quando precisamos ir embora, Cassandra me faz acompanhá-la até o seu quarto. Descubro que tem um corredor enorme juntando os dois lados do hospital. A gente caminha devagar, ela não parece estar acostumada a andar tanto assim.
— Eu só vim mostrar meu apoio — Cassandra se explica. — Se eu tivesse como comprar um balão e não fosse um hospital, você teria me visto com vários.
— Gostou dos meus amigos?
— Eles parecem muito com você — diz. — De elevador, por favor.
A gente desvia das escadas, indo até o elevador ao lado. Percebo que, mesmo que ela tenha andado em lugar lotado, não usou moletom para esconder os braços.
— Aqui. — Ela tira algo do bolso.
Outra Moranguinho. Quer dizer, uma Moranguinho de verdade dessa vez.
— Não tenho nada de valor aqui, então esse é meu presente pelo grande passo. — Sorri.
Uma Moranguinho levemente descascada, mas ela demonstra que ainda solta cheirinho de morango. Ela sorri ao me observar, interessada. Ela pensou em um presente de apoio, que... bobo (não é bobo para mim).
— Valeu por... sabe, ajudar.
— Eu não te ajudei, você ignorou todos os meus conselhos — retruca e eu semicerro os olhos.
— Claro que não, você me ajudou. Não me deixou só, pelo menos.
Ela ri.
— Ainda estou com medo de dar tudo errado — cochicho em confissão.
— Mas não vai desistir, a gente prometeu pela sua morte, lembra? — provoca.
— Bem, se tudo der errado, eu vou preferir m...
— Cala a boca, Belém.
— Só você pode fazer piadinhas com a morte? — retruco.
— Sim.
O elevador abre. Eu a acompanho até o quarto e a assisto voltar ao seu habitat natural: ela senta na poltrona, respira fundo aliviada. Eu continuo em pé, um pouco distante, já que não vou ficar por mais tempo. Ainda sim, fico um pouco em silêncio. Primeiro, aguardo que ela se recupere. Não está acostumada. Depois, penso que falei demais hoje.
— Que foi? — pergunta, melhor.
— Ela não me ajudou. Tipo, não disse nada milagroso, mas... acho que tirei um peso das minhas costas — confesso.
Cassandra sorri.
— Que loucura, né? — Sorrio. — Espero que funcione.
— Vai funcionar. — Cassandra continua sorrindo.
Silêncio. Eu, em pé, ela sentada distante de mim. Ainda sim, sinto um pouco de confidência. Uma... coisa esquisita de identificação.
— Não vou deixar Mavi e Andressa esperando, acho que já os aluguei demais — confesso, nervosa. — A gente se fala mais tarde.
— Claro, até mais — diz e eu me viro para ir embora. — Mas Belém... para cumprir nosso acordo...
Ela me chama atenção.
— Será que você poderia vir mais vezes? A gente pode assistir às aulas de vestibular juntas.
— Você vai se arrepender desse pedido — brinco antes de sair.
Mavi e Andressa ainda estão no mesmo lugar, me esperando. Quando ouço "meu irmão já está vindo", sinto um pouco de vergonha por precisar da carona. Muita vergonha, pouca inveja. Nós três nos sentamos do lado de fora, esperando que ele chegue, em silêncio. Não sei se devo narrar a sessão ou só... aproveitar o tempo em silêncio.
— Sua amiga é legal. Eu já tinha visto a foto dela, mas... ela é bem gentil pessoalmente — Andressa confessa.
— Eu não sabia que ela poderia descer — ou que ela iria querer. — O que vocês conversaram?
— Sobre você, óbvio — Mavi diz.
Franzo o rosto.
— Vocês ficaram debatendo sobre minha situação deplorável? — resmungo, incrédula.
— Não, ela quis saber sobre você — Andressa corrige.
Mordo os lábios para não dizer "mas ela sabe muito sobre mim".
— A gente deveria sair para comemorar, né? — Mavi muda de assunto.
— Primeiro dia de terapia de Belém — Andressa exagera, movimentando as mãos.
— Isso é ridículo.
— Não, não é. Vamos comemorar. Só nós três desta vez — Andressa diz. — Sem os amigos de Mavi.
E aí percebo que até isso eles notaram, me encolhendo de vergonha.
— Tá tudo bem, Belém. A gente ainda pode ter uma grande amizade — Mavi toca meu ombro.
Mavi faz o irmão esperar na minha casa enquanto nos ajeitamos. Eu coloco a Moranguinho do lado da sua companheira, perto da cabeceira da cama. São os meus primeiros presentes de verdade. Quando saímos, eu permito que eles escolham enquanto tentam me obrigar a escolher.
A pizzaria de quando nós três nos encontramos pela primeira vez.
Antes de chegar, meu celular vibra com uma mensagem. Não é Cassandra, mas minha mãe com um print do e-mail do plano de saúde, confirmando minha consulta.
"Tudo bem por aí, Belém?"
Deixo de lado, sem visualizar. Mais tarde, eu respondo. Não é como se fosse uma verdadeira preocupação dela, agora prefiro... conversar com meus... amigos.
Pedimos as mesmas pizzas da última vez, mas não é tão baixo astral a conversa. Na verdade, há um palpite idiota que também estou em um momento de apresentação, mesmo que não seja um "Oi, eu sou a Belém". É bom, pelo menos. Falar coisas idiotas, ser respondida e não achar que me odeiam em complô. Em algum momento, eu conto sobre os livros de romance que peguei, sobre Noemi (que eles riem) e é tão...
Talvez não seja o melhor dia de todos, mas com certeza o mais calmo. Antes de ir embora, em alguma conversa que virou brincadeira, Andressa muda o nome do grupo de provocação.
Trio da positividade (mas ainda azarados).
Boa noite!!!! Perdão, gente. Fiquei tão afobada hoje que não percebi que não agendei o capítulo <3 No próximo, vou papear com vocês no final.
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