15 - Um web encontro no parque de diversões
20 de Março
Cassandra: oiiii
Cassandra: e aí? como você está?
Cassandra: eu me esforcei muito para respeitar seu limite de afastamento (ainda que eu tenha minhas críticas), mas eu pensei... hum, ela não me proibiu de mandar mensagem, só de respondê-la
Cassandra: além disso a vizinha de cama que acabou de sair foi uma das PIORES companhias que eu já tive! que falta faz uma belém martins com um parafuso a menos
Cassandra: (mas tá tudo bem ter parafusos certinhos também!)
Cassandra: como estão seus amigos? e você?
Cassandra: andei pensando e escrevi um manual de sobrevivência para você
Cassandra: manual-natalino.pdf
23 de Março
Cassandra: vc sabe que é meio mal educado não me responder depois do esforço que fiz para escrever aquele manual
Cassandra: mas tá, beleza
1 de Abril
Cassandra: Oi, aqui é a mãe da Cassandra, ela faleceu ontem a noite.
Cassandra: O que você achava dela? Tinha crush nela? Gostava dela? Seja sincera, dê uma nota de 1 a 100.
Belém está digitando...
Belém está digitando...
Belém está offline.
16 de Abril
O despertador não é pontual. Talvez seja porque tenha apertado uma quantidade considerável de vezes no modo soneca, mas já são oito e meia da manhã quando levanto. Pelo menos, tenho uma rotina: cinco minutos sentada na cama criando coragem para levar, um banho e mais cinco apenas me olhando no espelho.
Eu não vejo nada demais, mas há um certo medo de acordar e estar deplorável. Consigo sustentar bem quando estou fora do quarto ou Mavi e Andressa me fazem companhia, mas basta chegar no quarto para sentir minha energia evaporar.
Tudo bem, eu consigo lidar com isso só à noite. E sendo sincera, estou bem no resto do tempo. Acho que Mavi e Andressa não saberem me ajuda muito a ficar mais confortável em omitir e me sentir parte disso.
E vale a pena, então está tudo bem. De pouco em pouco, não vou me sentir mais triste a noite.
Ufa.
Não consigo parar de me sentir culpada por tratar Cassandra assim. De ter feito aquilo, mas meu cérebro se acostumou fácil a achar que eu posso falar qualquer coisa para ela e o resultado foi esse. Ela provavelmente se sentiu na obrigação de me ajudar e eu provavelmente não soube entender limites de confissões.
A gente nem era tão amiga assim, eu repito sempre que penso. Uso a justificativa do tempo curto, das coisas que falávamos, do quanto ela era misteriosa sobre si... mas a realidade é que a madrugada de natal foi o único momento que eu senti que alguém me entendia e meio que me agarrei nisso.
— Eu quero bolo, balões e uma faixa escrito "bem-vindo, Mavi" na sexta — diz, se sentando no sofá.
É uma terça-feira às quatro da tarde. Mavi deveria estar na faculdade, mas está esparramado no sofá enquanto diz suas vontades sobre sexta-feira, quando ele finalmente se muda para cá. Ele não nos contou exatamente como foi a decisão com os pais, mas eu e Andressa conversamos uma vez que parece ter sido difícil. Ainda que ele seja animado, há um quê de cansaço.
— Por que a gente faria isso? Você já vive aqui praticamente — Andressa revira os olhos. — E eu não tive bolo, então ninguém vai ter.
— Bem, a gente poderia oficializar vocês como novos moradores com um bolinho. Sem faixa — sugiro, jogada na poltrona.
— Mas e os balões?
— O que a gente vai fazer com os balões depois? — Andressa pergunta.
— O que normalmente fazem com balões? Estouram e jogam fora? E bolinho é algo cordial.
— A gente pode fazer uma reuniãozinha e aí... você pode chamar seus amigos — sugiro, direcionado à Mavi.
— Meus amigos?
— É, a Duda e eu não lembro o nome do resto — digo e ele ri.
— A gente pode chamar a Duda e o resto para comer aqui — diz, debochado. — Mas sabe, só para avisar, a Duda é hétero, ela só é um pouco animada demais.
— Ah, eu não pensei nisso — respondo, surpresa por ele ter pensado algo do tipo. — Só achei que ela foi muito legal comigo.
Mavi semicerra os olhos.
— ....eu sou heterossexual.
— Sério? — Os dois perguntam, como se fosse um choque.
A reação me deixa desconfortável, mas não porque me sinto mal em acharem que eu gosto de mulheres. É mais para "como explico para eles que nunca me importei com romance, já que estava mais ocupada tentando... fazer com me amassem?". Primeiro, meus pais. E agora... estou em uma corda-bamba para ter outro tipo de família.
Eu não sinto vontade de beijar ninguém. Não quero... nada com ninguém. Sendo sincera, nunca senti isso. Duda foi tão legal comigo e... eu só pensei que a gente poderia ser amigas.
Talvez não sentir nada romântico por ninguém seja mais uma falha minha.
Além disso, Cassandra morreria logo só para puxar meu pé se soubesse que eu me interessei por uma garota depois de ignorar todos os flertes dela.
— É, eu só não sou muito interessada em... sabe, paixonites. — Dobro a mão, tentando responder de um jeito descontraído. — Não é meu foco.
— Ah, então tem tipo um antigo relacionamento que terminou com "eu nunca mais vou amar de novo"? — Andressa pergunta curiosa. — Eu entendo, isso aconteceu no meu primeiro término quando eu tinha 15 anos, mas aí eu comecei a namorar de novo depois de um mês.
Mavi a fita.
— Acontece. — Ela ri, completando.
— Eu nunca nem namorei — respondo a primeira pergunta e finalmente: — ... quê?
— Às vezes não tinha tanta coisa legal para fazer. — Alisa o braço, mas não parece envergonhada. — Mas eu parei com isso. Foi... hormônios demais.
Eu gosto disso. Não pelo fato de Andressa ter namorado um milhão de pessoas, mas de ainda não sabermos quase nada um do outro. Tudo bem, eu só tenho coisas terríveis para dizer, mas Mavi e Andressa tem dezoito anos de histórias e... gosto de quando a conversa vai para esse rumo. De ficar em silêncio por um bom tempo, só escutando.
Na maioria das vezes, eu nunca passei por algo do tipo. Eu nunca beijei, então não posso ter tido tantos namorados. Nunca me perdi em uma viagem à Bariloche, nunca quase morri em uma cachoeira ou fugi de casa... mas é diferente de quando eu escutava minhas ex-amigas falarem das suas experiências. Com elas, era tudo unificado. Tudo tão... "só você não fez", enquanto aqui parece que todo mundo tem alguma experiência extremamente individual e absurda.
Ainda que Andressa seja a se defender quando há julgamento da nossa parte.
— Desculpa se eu não tenho uma etiqueta como vocês — retruca enquanto caminha em direção à cozinha.
Sorrio e Mavi revira os olhos. Meu celular vibra no instante que Andressa sai do nosso campo de visão.
Cassandra.
Bem, ela não me manda mensagem há dias, mas a outra opção é algum dos meus pais ter falecido nos últimos dias.
Cassandra: você tá aí?
Cassandra: agora é sério, juro
Cassandra: :(
Cassandra: mas se você não quiser realizar um desejo de uma pobre jovem com problema no coração quase falecida é um escolha sua
Penso em não responder porque sei que não é sério de verdade, mas me sinto mal só de ameaçar fechar a conversa.
Belém Martins: eu não sei quando você tá exagerando ou não
Belém Martins: você tá precisando de alguma coisa?
Cassandra: [Imagem]
Cassandra: é UM PARQUE DE DIVERSÕES!!!!!
Cassandra: e tudo bem, existem milhões de parques de diversões com suas estruturas precárias, mas
Cassandra: [Imagem]
Cassandra: [Imagem]
Cassandra: [Imagem]
Primeiro, um folheto digital anunciando um parque de diversões intitulado "Alegria". Depois, imagens mais detalhes das suas atrações. Uma roda-gigante colorida, algum tipo de labirinto de terror e... um bate-bate com carrinhos temáticos de comida. Sim, é só mais um parque de diversão com estruturas precárias.
Cassandra: eu quero ir!!!
Cassandra: ...mas eu não posso.
Cassandra: além do fator sou uma coitadinha presa no hospital, também sou uma coitadinha sensível a fortes emoções
Cassandra: então eu nunca fui em um
Cassandra: bem que você poderia ir por mim :( e me mostrar tudo :(
Belém Martins: eu sei que você tá exagerando
Belém Martins: eu ir não é a mesma coisa que você ir
Cassandra: eu não estou exagerando!
Cassandra: tá um tédio aqui :( eu só pensei que talvez fosse divertido você ir e me mostrar as coisas
Cassandra: mas tudo bem!!!!!!
Cassandra: estou indo fazer algo divertidíssimo ali (assistir mais um filme)
Cassandra: quando eu morrer você vai lembrar disso
Belém Martins: eu sei que você tá exagerando
Belém Martins: mas eu nao vou conseguir deitar a cabeça no travesseiro pensando nisso, então eu vou ver se consigo ir
Cassandra: :) :) :) :)))) sabia que você diria sim
Cassandra: mas o parque só vai até hoje
Como explicar que estou indo em um parque de diversões para ser a câmera viva de alguém? Quando repentinamente digo que vou sair, mesmo com Mavi aqui, eles se oferecem para ir juntos. E como vai ser ridículo se eles forem, eu preciso explicar do jeito menos ridículo possível que estou indo por causa de Cassandra. É, pelo menos eles não sabem que eu não falo com ela há dias, então eu só sou uma amiga gentil.
Não sei como vou fazer isso.
Nem quando já pedi um carro por aplicativo e já estou pronta para ir a um lugar que não é lá um dos meus grandes interesses. E sozinha. Com Mavi e Andressa seria constrangedor, mas sozinha também é um pouco humilhante. Eu sei e meu coração sabe, já que se torna inquieto o caminho inteiro até lá.
Bem, é o mínimo que eu posso fazer por Cassandra depois de tudo. Mesmo que eu duvide muito que ela realmente queira isso.
Belém: pronto, cheguei.
Belém: eu já vou tirar umas fotos e te mando
A ligação aparece antes mesmo de eu comprar meu ingresso de entrada. Está barulhento aqui, tem a música dos brinquedos e os gritos de quem está nas atrações mais radicais. Eu não quero atender, mas ver aquele mar de gente me deixa nervosa, então busco os fones de ouvido na bolsa.
— Como você está? — pergunta e eu respiro fundo. — Fisicamente. Roupas. Eu vesti minha camiseta especial de passeio para ajudar na ambientação.
Sorrio.
— Você é besta — digo, dando alguns passos à frente. — Estou de camisa polo laranja escuro e saia jeans.
Parando para pensar, a saia não foi uma boa escolha.
— E então?
— E então — diz. — O que você quer fazer?
— Você que me chamou, você deveria ter um roteiro do que eu preciso fazer.
Ela pausa. É bem colorido aqui, do tipo que deveria ter um aviso sobre ataques epiléticos na entrada. As filas são enormes, então caminho em busca de tickets para os brinquedos.
— Então devíamos começar pelo clássico ou...? Não, que tal os carrinhos de bate-bate?
— Cassandra, sinto lhe informar, mas você se atrasou só uns dez anos.
— E se tiver um carrinho de yakissoba? Meu Deus. Talvez tenha.
— Cassandra, a gente não vai conseguir brincar nesse — digo e penso o quão esquisito é.
"A gente". Só eu estou aqui.
A fila é um pouco demorada, então tiro algumas fotos ao meu redor. Pelo menos, serve para Cassandra pontuar onde nós... eu devo ir. Quando consigo os tickets, caminho em direção ao bate-bate esperando o óbvio: limite de altura.
Mas aí assim que eu tiro a foto da placa para provar que estou certa, tem a droga de uma criança dentro de uma tigela de yakissoba logo atrás.
— Pede. Faz drama. Você nem é tão alta assim.
— Apenas vinte centímetros a mais.
— E se você fosse uma criança com essa altura? Seria excluída? Tenta, pelo amor de Deus.
Cedo, mesmo sabendo que não é a mesma coisa. Caminho até o responsável pelo brinquedo e fico alguns minutos em silêncio até ter coragem.
— Moço, será que eu... posso... ir... — Ouço a gargalhada no meu fone de ouvido. — ....na tigela... de yakissoba ali.
— Só crianças — responde.
— Implora maaaais — Cassandra dramatiza.
Fecho os olhos, sem poder responder e ainda parada na frente do homem que deve estar me achando uma idiota.
— É que... eu tenho uma amiga que tem câncer terminal — "C NCER TERMINAL?", Cassandra resmunga — e eu pensei que ia divertir ela com uma foto nessa tigela. É a comida favorita dela. Não preciso andar... eu posso pagar a mais até.
É genuíno e eu não estou mentindo, então... ele diz que vai checar com os superiores dele.
— Meu Deus, câncer terminal. Você não sabe que palavras tem poder? Quer me jogar em mais uma batalha? — Cassandra reclama.
— Você queria que eu explicasse para ele uma doença que eu nem sei como é?
— "Doença terminal", que tal?
— Eu não pensei direito! Além disso, eles sentem mais pena. E quieta, estou tentando te ajudar.
O homem me chama depois de conversar pelo celular.
— Então, querida. Não teria como você entrar no carrinho porque ele realmente não tem espaço. Mas se quiser, a gente pode tirar uma foto sua do lado dele na hora da troca.
— Pode ser — é Cassandra quem diz.
— Pode ser.
Eu me arrependo. Não demora muito para que os pais estejam retirando seus filhos do brinquedo para a próxima rodada, mas é constrangedor ter que ver tudo parar só por uma foto boba. Eu desligo a ligação, entrego o celular para um senhorzinho que trabalha aqui e me ajoelho do lado do brinquedo.
Meu Deus, devem estar achando que sou alguma digital influencer chatona.
— Sorri para a sua amiga, moça. — Ele pede.
Devo estar tão tensa quanto sei lá o quê.
Sorrio, mostrando os dentes. Mas ele não diz nada, só fica apontando o telefone para a minha cara enquanto uma fila de crianças impacientes esperam.
— Diga para a sua amiga que Deus vai curá-la.
Assinto, simpática pela gentileza deles. Quando pego o celular de volta antes de agradecer, noto que ele gravou um vídeo. Um vídeo de vinte segundos do meu rosto tensionando com o sorriso.
Belém Martins: aqui
Belém Martins: [Vídeo]
— Foi humilhante — digo quando a atendo novamente. — Ridículo, constrangedor...
— Eu gostei — diz, rindo. — E obrigada pelo sorriso.
— Devia ter te enviado no mudo. — Caminho sem rumo pelo chão de terra do parque. — O que faremos agora?
— A gente vai no castelo do susto.
— Isso não parece muito seguro. — Olho para o casarão em cima de uma estrutura metálica.
— Só uma vez na vida não vai matar ninguém.
Eu acho que vai.
Como já estou aqui por causa dela, não tenho outra escolha. É só pisar no chão metálico que ele parece ranger enquanto eu entrego o ticket para entrar. Um aviso de "não recomendável para pessoas com problemas cardíacos" me faz rir antes de entrar.
E aí... silêncio. Uma escuridão que me impede de enxergar qualquer outra coisa além de um buraco negro. Escuto o grito seguido de risadas, vejo um corredor iluminado no final e...
Alguém segura meu braço.
Eu sei que aqui é uma atração de susto, mas toque?
Por impulso, além do grito exagerado, acerto sabe se lá o quê por reflexo. Meu coração acelera, Cassandra ri e eu... sei lá o que eu devo fazer. Peço desculpas para o nada e até tento ver se eu realmente acertei alguém, mas parece silencioso do nada. Então eu corro para o corredor e apresso o passo para terminar logo.
Zumbis não me dão medo, mas é a próxima sala. Eles são nojentos, mas nada que eu não consiga desviar até passar para o próximo corredor. No meu ouvido, Cassandra não para de perguntar o que está acontecendo agora como se eu tivesse tempo de narrar alguma coisa aqui.
Terceiro, bruxas. Quem tem medo de bruxas?
Quarto, palhaços. Tudo bem, seis palhaços parados no canto da sala é meio macabro, mas... nada demais.
— Não valeu o dinheiro que paguei. Eu só levei aquele susto porque não fazia ideia que alguém ia tocar em mim e tipo... bruxas? Pelo amor de Deus, que sustos são esses? — reclamo e ela ri.
Cassandra não está aqui, mas é engraçado como ouvi-la rir tão perto do meu ouvido faz parecer que eu tenho companhia.
— E agora?
— Maçã do amor — diz.
Eu olho ao redor, mas não há nenhum brinquedo do tipo.
— O doce? Eu não gosto.
— É, maçã do amor é algo típico de parque de diversão. Você precisa de imersão.
Isso não faz sentido, mas aqui estou eu pagando dez reais em uma maçã do amor cheia de açúcar. Procuro um lugar para sentar e tento morder um pedaço, mas se eu fizer isso, todos os meus dentes vão junto.
— Horrível.
— Eu sei — diz.
— E você me fez comprar isso?
— Imersão.
— Cassandra, vai se ferrar.
Ela ri e eu também.
Deixo a maçã de lado, envolvida em um guardanapo. Parece que a cada minuto que passa, mais gente está aqui. Famílias inteiras, grupos de amigos, casais... e eu no telefone com Cassandra.
— A minha sorte é que todo mundo está em volta do seu mundinho ou todo mundo me julgaria por minha única companhia aqui ser uma ligação — murmuro, levantando.
— Todo mundo está te julgando. Aposto como eles acham que é um web encontro entre você e seu webnamorado que mora a dois mil quilômetros de distância.
Sorrio. É, parece algo do tipo. Na verdade, aposto que é isso que Andressa está pensando: um web encontro com a garota bonita do hospital.
— Você já namorou? — pergunto, sem direção novamente.
— Um pouco.
— O que é "um pouco"? Poucas vezes? Levando em consideração a sua situação, mais de uma vez já é muito.
— Namorei só uma vez. Mas não um namoro-namoro.
Mordo os lábios. Eu não sei o que ela quer dizer com isso, mas tenho certeza que é algo trágico. Ela tem um problema no coração e... paixão meio que mexe com isso. Batimentos acelerados, nervosismo... é clichê.
E a noite está sendo legal demais para isso.
— Foi mal por perguntar. Onde a gente deveria ir agora? — pergunto, mudando de assunto. — Tem a roda-gigante, esse troço que vai até o alto...
Ela gargalha do outro lado.
— O que você pensou?
— Como assim?
— "Foi mal por perguntar"?
— Só pensei que poderia ser uma tema sensível. Tipo, sabe — tento ser implícita, mas ela obviamente não consegue ver minhas mãos se movendo.
— Nada horrível ou constrangedor aconteceu. Tá, eu era nervosinha, mas nada nível "você vai morrer". Eu só quis dizer que foi um lance e terminamos amigas. Algo bem típico de lésbicas.
— Nervosinha? — pergunto, curiosa.
— Como qualquer mini lésbica beijando uma garota pela primeira vez. E você?
— Eu sou hétero, nunca beijei uma menina.
— Obrigada por me lembrar, quase pensei que você tivesse entrado nesse assunto porque queria me pedir em namoro repentinamente — debocha e eu sorrio. — E você, já namorou?
— Não, nunca. Na verdade, hoje a gente conversou lá em casa sobre isso. Eles sempre acham que estou interessada em alguém. Tipo você ou a Duda, amiga do Mavi. Na verdade, eles acham que gosto de mulheres.
Cassandra ri.
— O que é engraçado, eu sou lésbica e nunca pensei isso de você.
— Você flerta comigo desde o primeiro dia, Cassandra.
— Eu já disse, é meu charme — retruca e eu reviro os olhos. — Esse é só meu mecanismo de lembrar que eu ainda gosto de mulheres. É uma característica forte minha. Não estou flertando de verdade.
Levo um esbarrão de uma criança com balão e percebo que estou parada feito boba no meio do caminho.
— Onde a gente vai? — pergunto.
— Roda-gigante.
A fila é enorme e a roda-gigante grande demais para as estruturas enferrujadas daqui. Mas não recuso, caminhando até o brinquedo. Como aqui está mais barulhento ainda, é impossível ouvir Cassandra até que eu me sente em um dos bancos — logo após entregar dois bilhetes só para não ter companhia.
— E gostar de alguém? Você já gostou?
— Não, sou hétero não-praticante — digo, preparando a câmera do celular. — Acho que... não tive tempo para me interessar por alguém.
— Paixonite?
— Nada.
— Leve crush?
— Nunca pensei isso de ninguém.
— É normal. Eu também nunca gostei de ninguém de um jeito romântico. Apenas alguns... fogo de palha.
— Cassandra, você já namorou.
— Então é que... — Pausa abruptamente. — Parando para pensar, não vou te contar.
A roda-gigante começa a se movimentar de verdade, já com todo mundo em seus lugares.
— Preciso ter motivo para você voltar nos próximos dias.
Minha cidade não é feita de prédios, mas casinhas e construções de no máximo dois andares. É sem graça, a típica cidade interiorana movimentada. Mas daqui, do alto da roda-gigante, ela até parece bonita com as luzes da cidade inteira. Aponto o celular para gravar.
— Fala sério — resmungo, com a câmera apontada para o céu.
— Eu estou. Se você quiser saber, precisa me ver. Ou pelo menos, responder as minhas mensagens.
Desisto de gravar.
— Não.
— Belém.
— Eu não acredito que você gosta tanto da minha companhia assim. E... Jesus, você não precisa te ajudar.
— Então não te ajudo, pronto. Mas eu gosto da sua companhia, tá?
Fecho os olhos. Não tem motivo para gostar da minha companhia. Não ela, pelo menos. Eu só a enchi o tempo todo enquanto estávamos juntas.
— Cite três coisas que são boas em me ter por perto.
— Primeiro, você me trata como um ser humano.
— Eu não acho que te encher seja te tratar com um ser humano — retruco.
— Segundo, você fala demais. Eu gosto que você fale muito, eu odeio o silêncio. E, querendo ou não, sei que você se sente confortável.
— Falo demais coisas horrorosas — a interrompo.
— Belém, cala a boca. Você ignora que sou eu que te pergunto, sou eu que insisto no assunto. Você é chata, isso sim.
— Porque você é uma tonta com síndrome de benfeitora.
— Terceiro, gosto de você. Eu gosto do seu egoísmo, da sua bondade em vir em um parque sozinha por minha causa, me fazer yakissoba caseiro ou implorar por um carrinho de bate-bate. Eu realmente queria que você não se visse só como uma pessoa ruim de passado difícil porque... eu sei que você tem um bom coração.
Fecho os olhos. Ela pausa, como se soubesse que minha mente precisa de alguns segundos para absorver.
— Comparado a você, eu tenho mesmo um coração bom — murmuro, baixinho.
Nenhuma qualidade que ela deu é boa o suficiente. Ela ri, tão baixo quanto meu sussurro.
— Você gosta da minha companhia? — pergunta.
— A primeira noite no hospital ainda é o momento que eu mais me senti eu mesma.
A roda-gigante trava. Eu não percebi que ela já tinha subido e descido mais de uma vez, mas parece ser a hora das cabines serem liberadas de um por um. Eu ainda estou no topo. E a vista aqui é uma das coisas mais bonitas que já vi, a altura deixa a cidade tão... pequena e fofa. Cheia de brilhinhos e casas que posso segurar entre os dedos.
— Seus motivos para gostar da minha companhia são meia boca, mas eu facilmente fingiria que não porque sou egoísta.
— Bom saber. Até porque o que eu faço também é egoísmo, né? Tentar te puxar para perto, mesmo sabendo da minha situação — diz. — Será que não podemos ser egoístas juntas?
Por um lado, estou me sentindo mal. Eu sei que não é certo, sei que a culpa é minha por precisar ignorar Cassandra nos últimos dias e por nossa situação dessa maneira. Por outro... novamente, há um sentimento que eu nunca senti surgindo. O de me querer por perto, mesmo sabendo que eu sou terrível.
— Vamos fazer um trato. Você não vai tentar me ajudar, de jeito nenhum. Se me der abertura para falar, eu te bloqueio assim que cair na real. Seremos amigas normais, como qualquer outra amizade.
Ela murmura um "aham" desacreditado.
— Não está de acordo? — pergunto, nervosa.
— Estou.
— Você promete? — pergunto.
— Prometo pela minha morte.
Oi, gente. Como estão? Esse é um capítulo grandinho: tem quase quatro mil palavras. Antes de tudo, sei que a demora realmente atrapalha a leitura e o real aproveitamento da história, então agradeço desde já por todo mundo que ainda está aqui! E para falar de coisa: a semana de atualizações vem aí! Serão 7 capítulos próximos um do outro, uma boa oportunidade para acumular e ter mais dessa história para ler <3 Vamos tirar o atraso!
Espero que vocês gostem & vou tentar ao máximo levantar defunto por cá.
Também queria dizer que mudei o formato de mensagens de texto aqui porque senti que as outras ficavam muito jogadas no capítulo e a diagramação não ajudava. Espero que dessa forma esteja melhor.
Beijos!
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