13 - Brownie feliz :)

8 de Março


Eu não acho que meu objetivo era realmente morrer quando comi camarão.

Para ser sincera, eu nunca pensei em (que desconfortável) me matar. Claro, já pensei em desaparecer, nunca ter existido, sofrer um infarto fulminante às 13h30 em uma aula de Física e provavelmente desejei em 95% das noites pré-aniversário que eu nunca mais acordasse depois de dormir. Mas isso... eu não acho que isso seja tendências suicidas.

É só... se morrer, morreu, né? Com um adicional de mente fértil tipo "meus pais vão se arrepender pelo resto da vida de nunca terem me dado atenção". Porque, sendo sincera, se eu realmente fosse uma suicida, oportunidade foi o que não faltou.

Nem é como se eu tivesse passado boa parte da minha adolescência sozinha.

Ainda sim, o que Cassandra disse me incomoda um pouco. Alguns neurônios estão um pouco preocupados com a possibilidade de... eu ter mais um problema para resolver.

E... eu li vários artigos pessoais sobre saúde mental por causa da Cassandra e todos eram péssimos. Eu não quero que eles sirvam para mim.

Com todo respeito.

Eu não quero ser um fardo para ninguém. Sem ser um fardo, já sou péssima.

— Você quer ajuda, Belém? — Andressa pergunta.

— Não, não preciso.

Faltam apenas três mechas separadas para eu terminar de secar o cabelo e ir me arrumar. É um pedido de última hora de Mavi para sairmos e, ainda que eu não esteja tão animada, acato o pedido. Não o suficiente, também prometo a mim mesma não dizer nada sobre três temas: minha vida terrível, Cassandra e todo o drama da ala psiquiátrica. É um autoteste.

Eu só sou meio dramática porque sempre estive em relações ruins, então... agora que eu tenho... amigos, eu posso aproveitar e jogar qualquer neura para debaixo do tapete.

Além disso, se foi Mavi que chamou, aposto que não vai ser tão ruim.

Diversão. Eba. Sou uma pessoa completamente normal.

O irmão de Mavi é quem nos busca. Mesmo que eu tenha um carro, ainda não aprendi a dirigir magicamente, então Lucas é solícito em nos dar carona. Não pela gente, pelo menos eu não tenho intimidade com ele o suficiente para isso. Mas por Mavi, ele ama o irmão. Tento não olhar tanto para minha inveja não estragar tudo, mas eles são sempre fofos um com o outro.

— É só um encontrinho com meus amigos — Mavi explica, esperando na entrada de uma casa antiga. — A dona da casa é a Duda, ela é super gente fina.

Assinto, mesmo que a ideia de sair e ser na casa de alguém que eu não conheço não seja a melhor de todas.

Sou a última a entrar. O barulho de liquidificador é o primeiro som que escuto, mas não é a primeira coisa que percebo. É uma sala pequena, a fumaça chega em minhas narinas rápido. A substância? Não faço a mínima ideia.

— Mavi — diz e o abraça.

É uma garota baixinha de bochechas cheias. O cabelo é escuro e a pele em um marrom mais claro que o meu. Ela tem um sorriso bonito do tipo que te faz sorrir junto.

— Essa é a Belém — me apresenta e a garota me abraça como cumprimento.

E um abraço bom também.

— E a Andressa, minhas novas amigas.

Observo ela repetir o processo com Andressa também antes de se afastar.

— Sintam-se à vontade, meninas. A gente tá fazendo brownie e tem bebida. Mavi, você já é de casa, então apresente o lugar para elas.

Não tem muito o que se fazer. Mavi apresenta cada um dos outros três amigos: Rafa, Marília e Maria Antônia. Simpáticos, mas não tanto quanto Duda. A casa em si não é tão hostil, mas tudo ser desconhecido me deixa acanhada.

Eu não bebo, mas aceito um copo por... socialização. E porque sou normal. O brownie vai para o forno e todo mundo que estava na cozinha se esparrama na região do sofá. A conversa surge, mas eu só assisto. Ela flui muito rápido e eu não consigo encontrar brechas para falar também sem conhecê-los muito (Andressa consegue). Balanço a cabeça, rio. Rafa mostra o dente que ele quase perdeu ao cair de uma ladeira, Duda reclama que ele nunca devolveu o skate... é divertido, pelo menos.

— E você, Belém? — Mavi se vira para mim.

— Se eu já caí? Não, eu nunca nem andei de bicicleta.

— Não? — perguntam quase em uníssono.

Separo os lábios para explicar, mas percebo que entra em um dos temas que prometi não falar. É óbvio que ninguém me ensinou a andar de bicicleta.

— Nunca.

— Bel... — Duda começa e faz careta. — Belém, posso te chamar de Bel?

Assinto. Acho que ninguém me chamou de Bel antes.

— Hoje você vai aprender a andar de bicicleta.

São quase oito da noite, então eu entendo como blefe, mas não. Duda sai e aparece com uma bicicleta. Olha o timing no fogão e chama todo mundo para ir lá fora comigo. Tento procurar uma resposta visual de Mavi sobre o que devo fazer, mas não consigo.

Então eu estou em uma bicicleta cor-de-rosa sem freio no meio de uma rua residencial pouco movimentada. Com as luzes dos postes embaçando a visão enquanto alguns agem como uma torcida e Duda e Andressa se posicionam lado a lado para me ajudar.

— É só manter a calma, Bel — diz quando percebe que não consigo me equilibrar. — Depois que aprende, fica fácil.

As duas soltam, mas não dá em nada. Eu não consigo e desequilibro em seguida. Não é uma queda, ainda não estou em movimento. Elas tentam de novo, me fazem pedalar apoiada nelas. Não consigo. Aviso que não tem problema não saber andar para não atrapalhar a noite, mas todo mundo insiste.

E, sinceramente, eles não parecem estar se divertindo às minhas custas com meus erros. Na verdade, para alguém que não conseguia dizer uma palavra na conversa, me sinto mais confortável assim.

— Vai, vai! — Mavi grita quando consigo me manter por mais que três segundos.

E o estímulo aumenta, o que me faz pedalar mais para me manter equilibrada. O vento bate no meu cabelo, eles comemoram como se fosse uma grande conquista eu andar de bicicleta quando...

Eu não sei parar.

Coloco os pés no chão, mas a inércia obriga o movimento a continuar. O resultado é uma queda feia no asfalto. Nem dá tempo de eu me levantar antes de todo mundo ter corrido até mim.

— Belém, tá tudo bem? — Mavi se abaixa, assustado.

Doloroso? Eu nem quero olhar meus joelhos, sei que eles estão ralados. Humilhante? Um pouco.

Mas...

— Agora tenho uma queda para contar.

Duda ri e me ajuda a levantar, pedindo desculpas. Meus joelhos realmente ficam doloridos, então não é hoje que eu aprendo a andar de bicicleta. Quando volto para a casa, Andressa me ajuda a limpar os joelhos e consigo curativos — que não cobrem completamente o machucado.

Nem quero saber o quanto vai doer quando a adrenalina passar.

— Especialidade da casa chegando. — Antônia põe um prato cheio de brownies na mesa de centro.

Todo mundo pega um, mas é Mavi que pega por mim. Não costumo comer brownie, mas gosto desse. A crosta tem uma textura gostosa de morder e o chocolate... Bem, se eu fosse cara de pau, pediria um pedaço para levar para Cassandra. Acho que está nos parâmetros dela.

— Nossa, é delicioso. Depois você me passa a receita — comento com Duda quando todo mundo já comeu.

— O segredo está na qualidade do chocolate e da maconha.

...quê?

— Maconha? — pergunto, confusa.

— Mavi, você não avisou para elas?

— Puta que pariu, eu esqueci.

É um problema. Eu nunca usei isso. Sei lá se a palavra certa é "usar", mas eles são tão legais e... acho que não vou morrer por comer brownie com maconha uma vez na vida.

— Mais uma queda de bicicleta para o dia — brinco. — Não tem problema.

Estou um tanto nervosa. É claro que eu sei o que fumar maconha traz, mas eu não sinto absolutamente nada. A conversa continua, os minutos passam e... nada.

Rafa se levanta e põe música, mas não tão alto. Ela rodopia Duda enquanto as duas dançam. Risadas. Acho que para todo mundo funcionou. Olho para Andressa e Mavi, eles parecem mais na vibe do que eu. Nunca fumei, então tento encontrar sinais de que está surtindo efeito, mas nada.

Então meus amigos me puxam para dançar junto com o resto e eu estou novamente em uma rua com postes iluminados. Com luzes tão brilhantes que meus óculos não são o bastante para me ajudar a enxergar. Meus joelhos doem, mas o sentimento é... bom. A música fica mais alta, as risadas parecem dançar nas minhas orelhas e, em algum momento, é Duda que está na minha frente movimentando meus braços de cima para baixo enquanto reclama que eu não sei dançar.

Andressa resmunga que sua mãe vai matá-la quando descobrir, Mavi tira os sapatos para se mexer melhor e... uau. É bom.

É como se... os efeitos realçassem as coisas boas do momento e tornasse tudo tão... vivo. Tão... esqueci a palavra.

Minhas bochechas doem de tanto de rir, eu falo mais, converso como se eles fossem amigos de longa data e sou retribuída de igual.

— Ainda dá tempo de pedir pizza? — pergunto e parece a melhor ideia de todas.

Rafa é quem se responsabiliza por pedir no aplicativo. Não há nada que faça meus joelhos aguentarem tanto tempo dançando, então me deito no tapete do chão. Não sou a única que cansa, então voltamos à estaca zero.

— Seus pais não se importam da casa ficar uma bagunça? — pergunto, meio vago.

— Meu avô puxaria minha orelha mais tarde, mas provavelmente iria tentar entreter vocês antes. — Senta no sofá.

— E falar sobre a vez que ele foi mordido por um tubarão — Antônia ri.

— Tubarão? — Andressa franze o rosto.

— É! Meu avô foi mordido por um tubarão na década de setenta. Ele tinha a marca na perna esquerda — diz e em seguida coloca as mãos na boca, como se fosse contar um segredo. — Ele só nunca deixaria nenhum de vocês saber que o "tubarão" era só um cachorro vira-lata.

Todo mundo ri.

— Não tenho pais, Bel. E meu avô já faleceu — explica, por fim.

Ah. Eu abro a boca para pedir desculpas por estragar o clima, mas... parece tudo bem. Ela não fica triste e os amigos dela não se mantêm em silêncio por mais nenhum segundo antes de lembrar de mais alguma coisa.

Então a morte não é um tema sensível aqui.

A pizza chega. As pizzas, já que Rafa pediu cinco. Eu acho demais, mas faminta como se não tivesse comido nada o dia inteiro. Dani me ensina a fazer sanduíche com dois pedaços de sabores diferentes e, ainda que não faça meu estilo, aceito porque ela é legal em ensinar.

Não vejo a hora passar. Mavi pede para dormir lá em casa para não ouvir os pais reclamando da hora. Maria Antônia nos dá carona e estou tão cansada que não tomaria banho se não fosse pelas quedas e toda a bagunça que fiz. Quando me deito no colchão no chão da sala para todo mundo ficar perto, não consigo dormir.

O cansaço somem, meus olhos fitam o teto branco e... a euforia passa. Eu não sei, deveria estar feliz. Satisfeita. Foi uma noite divertida, eu me senti tão viva. Mas...

Será que isso é viver?

O que Cassandra disse volta à minha mente. Não quero morrer. Eu... nunca quis morrer. Mas eu também nunca vivi, então... qual é a diferença?

Levanto e vou até a cozinha para não acordar ninguém com a luz do celular. Não sento nas banquetas, mas no chão atrás do balcão.


Belém Martins:

hoje foi divertido

eu sai com o mavi e andressa! conheci os amigos dele e uma delas, a duda, tentou me ensinar a andar de bicicleta (eu cai e meus joelhos estão ralados)

Cassandra:

kkkkkkkkkk

Belém Martins:

o que vc ta fazendo acordada?

Cassandra:

o que vc ta fazendo acordada?

Belém Martins:

você é uma paciente hospitalar que não deveria atrapalhar suas horas de sono

Cassandra:

você pensou nisso quando me enviou mensagens que poderiam muito bem ter me acordado com o som da notificação???

Belém Martins:

foi mal

pensei que ele estivesse no modo silencioso

Cassandra:

e está

:)

e aí, o que mais rolou


Não respondo. Eu não planejava que ela respondesse tão rápido e agora se torna tão desconfortável. Mas aí o rosto dela aparece na tela em chamada.

— Você tá triste? — pergunta baixinho quando atendo.

— Eu não tô triste, é...

— Melancolia? — pergunta.

Por que ela age como uma sabichona? A gente nem... ela sabe muito sobre mim, mas não é como se tivéssemos uma ligação sobrenatural que a permitisse me entender desse jeito.

— Você já morreu e agora é um fantasma atrás de mim? — pergunto, alisando as pernas.

— Sim, estou te vendo pela fresta do seu guarda-roupa.

— Errou, estou na cozinha — retruco e ela ri.

Tento rir baixinho também, mas tenho medo que alguém acorde.

— Você por acaso está me aturando só por causa do seu plano de ser uma boa menina e conseguir ir para o céu? — pergunto sem aguentar o silêncio.

— Sim.

Pausa.

— O que foi? — pergunta.

— Nada. Foi uma noite divertida.

— É normal estranhar coisas boas quando elas não acontecem com frequência. Seu cérebro precisa se adaptar — diz e eu fecho os olhos.

Murmuro um "aham" em concordância. Não acho que seja só adaptação. Ouço voz do outro lado, provavelmente de uma enfermeira brigando com Cassandra por estar acordada.

— Venha me ver amanhã. Hoje, que seja. Se você não vier, eu nunca mais atendo uma ligação sua de madrugada.

Ela desliga. Eu continuo no chão da cozinha sem saber o que fazer. Não sei se eu gostaria de ter que lidar com uma chata como eu nos meus últimos anos de vida. Talvez eu tenha mais medo do sufoco que é minha companhia do que a tristeza de perder alguém.


Cassandra:

eu tenho um segredo

[Imagem]

eu não vou para o céu

( e eu sou ateia)

oi!!! beijos! planejo uma semana para ter atualizações consecutivas e dar uma animada aqui 😼

beijos mylena te amo!! 

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