1. O Vendedor de Sorrisos


≿━━━━༺❀༻━━━━≾

     Maurício é um jovem de 27 anos, que enfrenta muitas dificuldades de inclusão por ser portador de albinismo. Desde muito pequeno, teve que se adaptar às adversidades que o mundo mostrava. Ter a pele tão branca, mesmo nascendo numa família de negros, fazia as pessoas o encarar e "apontar o dedo", mas essa condição nunca tirou sua alegria e otimismo. Cresceu e desafiou todas as probabilidades de se tornar uma pessoa amarga e sem esperança.

Um dia, ao entrar no metrô com camiseta de manga comprimida, protetor solar, óculos escuro e boné, percebeu que uma menina o encarava com um sorriso. Ele se contagiou com aquele gesto, retribuindo de volta e acenando.

Ela, envergonhada, escondeu o rosto entre as pernas da mãe, que carregava uma mochila das princesas da Disney, provavelmente da garotinha de cabelos cacheados, ornamentados com uma tiara cor de rosa.

― A senhora quer sentar? ― Perguntou, oferecendo o lugar para a mãe da garotinha.

Ela olhou assustada com a aparência do rapaz, mas agradeceu logo em seguida, já que o cansaço estava dominando seus braços e pernas. Sentou, colocando a pequena no colo, que não desviava os olhos dele.

― Você é um anjo?

A pergunta repentina fez Maurício rir. Foi a primeira vez que recebia tal elogio inusitado.

― Não. Acho que não. ― Sorriu, embaraçado.

― O tio é um anjo, né, mamãe? Ele é igual os anjos dos livros!

― Filha! Deixe o moço quieto!

Ela apertou os lábios, contrariada. Baixou os olhos na direção dos pés, admirando suas sandálias com glitter rosa, sacudindo, distraída com o brilho que irradiava delas.

― Qual é seu nome, tio anjo?

― Maurício. ― Sorriu. ― E o seu?

― Vitória. Já viu minha sandália da Barbie? ― Ao dizer isto, ergueu os pezinhos unidos, numa satisfação incomparável.

― São lindas, Vitória.

A menina sorriu, se ajeitando no colo, aninhando o rosto rosado no volume dos seios de sua mãe, aquietando-se por um tempo, adormecida. Maurício desviou sua atenção para a parada que deveria descer, já que precisava chegar cedo na entrevista de emprego.

― Você é vendedor de sorriso, tio anjo?

Aquela pergunta da garotinha surgiu após um leve despertar, quando ela virou o rostinho na direção dele. Maurício enrugou a testa, pensando em como responder à sua indagação infantil. Resolveu não quebrar o encanto e ofereceu seu melhor sorriso.

― Como você sabe? Sou o anjo dos sorrisos e vendo bem baratinho uma porção individual deles. ― Piscou, divertido.

A mãe ria, ao passo que arrumava os cachos teimosos que invadiam o rosto enrubescido pelo calor da sonolência.

A menina foi abrindo os olhos num assombro pueril, enchendo o coração do rapaz de uma felicidade inexplicável.

― Viu, mãe? Eu sabia! É muito caro um sorriso, tio? ― Ergueu a feição satisfeita em direção da mãe. ― Mãe! Compra pro papai? Ele tá precisando de um sorriso do anjo.

― Moço, me desculpe. Ela tem esta imaginação fora de controle. ― Se desculpou, envergonhada. ― Vitória! Fica quietinha?

― Está tudo bem, senhora. Ela é uma menina muito doce.

― Vou te fazer uma oferta, Vitória. Um sorriso bem especial para seu pai, pela metade do preço.

― Eu não tenho dinheiro, tio anjo. ― Falou, mostrando um leve muxoxo.

― Pois o valor é bem baixinho e está no seu coração. Quando chegar em casa, chame seu pai, sente com ele e conte suas aventuras na escola. Desenhe vocês numa bela paisagem e dê um demorado abraço. Ah! E se fizer isto com sua mãe, ganha dois sorrisos pelo preço de um!

― É, tio anjo? ― Proferiu quase num sussurro.

Maurício assentiu, animado com a reação da pequena.

― Obrigada, tio anjo! ― Falou, acomodando-se nos braços da mãe, sonolenta.

A mulher agradeceu, voltando sua atenção para a filha que já adormecia.

Maurício percebeu que seu destino havia chegado, finalmente. Esperou que as portas se abrissem dando espaço para um número generoso de pessoas e antes de ajeitar os óculos, se despediu da mulher com um leve aceno. Assim que desceu, se surpreendeu com o ar frio da manhã, por estar tanto tempo respirando o ar viciado pela quantidade de pessoas no metrô.

Respirou fundo, arrumando sua roupa e seguiu em frente, pensando naquela entrevista de emprego. Se sentia otimista, já que preenchia todos os requisitos que a empresa exigia. Sorriu ao lembrar da menininha.

― Tio anjo... ― Sussurrou.

Parou na sinaleira, repassando na memória o que iria falar sobre ele, quando ao abrir o sinal avisando que estava liberado, uma senhora cadeirante teve dificuldade para seguir, já que havia um desnível exatamente no meio-fio.

O rapaz não pensou duas vezes, apesar do assombro dela ao ver alguém tão branco como ele diante de seus olhos. Ele gentilmente levou-a até o outro lado.

― Muito obrigada, menino.

― Foi um prazer, senhora. ― Sorriu.

― Tens um belo sorriso.

Ele agradeceu, seguindo seu caminho e, mesmo sem olhar para trás, sabia que ela ainda o seguia com olhos receosos. Mas ele já estava acostumado e não se importava mais. Por onde ele passava, chamava atenção dos transeuntes, que viravam o pescoço amedrontados.

Enfim, ao chegar no edifício comercial, foi logo para a recepção, avisando que tinha hora marcada, aguardou sua vez ao lado de um adolescente que o encarava curioso.

― Você é albino? ― Cochichou.

― Sim, eu sou. Meu nome é Maurício. ― Sorriu.

― Cara... Que maneiro! Nunca havia visto alguém como você de perto! É fascinante!

― Ah, é? ― Perguntou, surpreendido com aquela reação do garoto. ― Confesso que, fora minha mãe e meus irmãos, nunca ninguém me disse isto.

― Pois deveriam dizer mais vezes! Meu nome é Cristian, mas pode me chamar de Cris.

― Prazer, Cris.

Quando chegou sua vez de ser entrevistado, Maurício entrou, ficando diante de um homem de meia-idade, que não fez questão alguma de esconder sua reação diante dele e da condição de sua pele.

― Então, você se chama Maurício? ― Perguntou o homem, pegando seu currículo.

― Maurício do Anjos, senhor. ― Sorriu, cheio de esperança.

― Sente-se, Maurício. Me chamo Nelson e sou o encarregado pelas novas contratações.

― Prazer, senhor Nelson.

― Antes de fazer as perguntas de praxe, devo salientar que não aceitamos pessoas deficientes ou com doenças de pele. O quadro de funcionários com alguma comorbidade já foi preenchida.

― Certamente, senhor. Fico feliz que essa empresa se preocupe com pessoas especiais. Mostra o quão estão preocupados com a inclusão e à frente de muitas que existem no mercado, se igualando as mais desenvolvidas mundialmente. ― Falou, empertigando a postura.

Esperou que o homem lesse tudo e iniciasse todas as perquisições necessárias da melhor maneira possível, transmitindo segurança e tranquilidade.

Não demorou muito para o responsável pelo RH da empresa analisar tudo e após todos os questionamentos básicos, contratou Maurício como recepcionista de um dos setores.

― Seja muito bem-vindo à equipe, Maurício. ― Estendeu a mão para ele.

Após apertar as mãos, Nelson avisou que poderia pegar a lista de documentação com a recepcionista, parabenizando-o mais uma vez. E antes que Maurício saísse, o homem fez mais uma última pergunta:

― Mas me diga, como se mantém com essa aura tão positiva, apesar das atribulações cutâneas?

Maurício abriu um largo sorriso, daqueles de iluminar qualquer lugar e disse de um jeito singelo:

― Sou apenas um vendedor de sorrisos, senhor Nelson. ― Encolheu os ombros, saindo da sala.

"A pluralidade é o fio condutor do respeito e do afeto, evidenciando que é nas diversidades que os anjos encontram refúgio na vida terrestre."
≿━━━━༺❀༻━━━━≾

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top