Capítulo 4
"CONFIANÇA"
As notas harmoniosas cessaram e Lucy Gray virou a cabeça lentamente. Ela olhou soslaia, e se deu conta de que não era algo de sua cabeça, havia alguém ali.
Lentamente, com um prato ainda em mãos, ela se virou.
Lucy Gray congelou e sua boca se entreabriu.
O tempo, o mundo pareceu congelar para ambos. De forma que nem piscavam e apenas encaravam um ao outro e então, o silêncio sumiu de forma impactante quando ela soltou o prato em sua mão, que caiu no chão e se quebrou.
— Coriolanus?
Era o efeito do choque. Foi tudo que ela conseguiu pronunciar antes de começar a hiperventilar.
E então, desmaiou.
— Lucy Gray!
A gritando e preocupado, Snow se jogou no chão, segurando a garota em seus braços.
[...]
Sua visão estava embaçada e seu corpo estava quente, ela sentia algo úmido em sua teste e seu corpo repousado em algum lugar macio.
Esfregando seus olhos e voltando a enxergar bem, Lucy Gray percebeu que estava deitada em seu sofá e, tocando sua testa, sentiu um pano molhado e frio. Ela o tirou e tentou se sentar, ficando um pouco tonta no processo.
Olhando em volta pela sala, não havia ninguém. Foi apenas...uma alucinação?
"— Lucy Gray?"
Relembrando rapidamente o que aconteceu na cozinha, ela tentou se levantar rapidamente, mas continuava muito tonta, e por isso, acabou batendo o pé com força na pequena mesa em frente ao sofá.
— Ah! P-porra...
— Lucy Gray?!
Ela arregalou os olhos quando ouviu a voz a chamar do outro lado da casa, provavelmente da cozinha, seguido por passos.
Cacete, era mesmo real. Ele era real.
Não havia nada por perto que pudesse usar para se defender, e tudo que conseguiu fazer foi pegar um livro qualquer que estava no chão e esperar que ele aparecesse.
— Lucy Gray, é você? — Coriolanus atravessou a casa apressado, até finalmente chegar a sala. — Lucy Gray, me responda. Eu.... — De repente, sua testa foi acertada por um livro. — Ai! — Ele elevou a voz com o susto, mas tentou se recompor. — Que diabos foi isso?!
— Um livro sobre peixes! O que você faz aqui?!
— Arg! Eu... — Não havia uma resposta certa. Eram muitas coisas ao mesmo tempo, muitas questões e motivos pelos quais ele poderia estar ali. Mas, ainda assim, precisava escolher um e dizer a ele. — eu vim te ver!
— Me ver? — Ela riu, sarcástica. — Você tenta atirar em mim e agora quer me ver?!
— Você precisa se acalmar! Eu...
— Não! — Ela jogou mais um livro, e dessa vez, ele desviou. — Como você me achou?!
— Se você parar de jogar coisas em mim, como uma louca, eu posso tentar explicar!
Foi quando Lucy Gray estava prestes a arremessar mais um livro, que levou o que Coriolanus tinha a dizer, minimamente, em consideração e abaixou o objeto, se sentando no sofá.
Ele suspirou, aliviado.
— Finalmente.
Com um olhar desconfiado, ela pegou o pano que antes estava em sua testa e tirou do chão.
— O que aconteceu comigo?
— Sua pressão caiu e você desmaiou. Eu te trouxe até aqui e cuide de você.
— Não espere um "obrigada". — Ela se sentou, cruzando os braços. — O que você estava fazendo na minha cozinha?!
— Não se preocupe, eu não pretendia te envenenar.
Ele alfinetou.
Um silêncio mortal se fez. Se as cabeças de ambos pudessem falar por eles, a sala se tornaria uma grande confusão. Tudo estava muito confuso.
Lucy Gray suspirou.
— Como...como você me encontrou?
— Sua prima.
— Maude: — Lucy Gray franziu o cenho. — Impossível, ela nunca diria nada pra você! O que você fez: Foi atrás dela:!
— Eu não perderia meu tempo desse jeito. — Coriolanus se sentiu arisco, como se quisesse se defender dela a todo momento. — Sua prima resolveu se envolver com os rebeldes e foi presa pela Capital, como se esperava.
— O que?! — Ela se levantou. — Maude foi presa?! O que ela fez?!
— Tentou explodir a represa da Capital. Feliz agora:
— Merda. Merda, Maude!
— Tsc...honestamente achei que você soubesse, afinal, ela sabe onde voce está.
— Eu pareço ter televisão aqui, por acaso?! Eu sou isolada! Droga... — A garota abaixou a cabeça e colocou as mãos no rosto. — eles vão executá-la.
Ela estava certa, Maude seria executada no dia seguinte, e ele se perguntou se deveria dar a péssima notícia de uma vez ou não. Ele precisava ser mais esperto, escolher bem o que diria.
— Talvez, não...
— "Talvez"? — Com uma mistura de indignação e confusão no rosto, ela se aproximou. — O que é isso? Mais um dos seus joguinhos: E o que te fez pensar que Maude saberia de mim?
— Eu tive uma pista. Disse a ela que poderia livrá-la da forcar em troca de...informações.
— Negociando vidas...— Ela disse com indignação em sua voz, balançando a cabeça. — eu não deveria ficar surpresa, vindo de você!
— Ela vai sair ganhando tanto quanto eu.
— "Quanto você"? Que diabos você ganha com isso?!
— Eu precisava saber a verdade, sobre...você.
— Conseguir o que queria as custas do medo dos outros, não foi?
— Acredite, eu gostaria muito que estivesse errado.
Ele disse, desviando da pergunta.
— Sobre?
— Você estar viva.
— Garanto que não foi graças a você! — Ela retrucou. — O que vai acontecer com ela agora?
Coriolanus começou a se sentir levemente estressado, para ele Lucy Gray parecia irritada, sendo que para ele, ela não tinha esse direito, afinal, ele é quem foi traído. Eles ficaram longe por cinco anos e tudo que estava recebendo dela era desprezo. Estava ferindo seu ego.
— Ainda vou resolver isso.
— Eu não confio em você...não mais.
Ele sabia oque aquela frase significava...significava que sua figura havia morrido, para ela, anos atrás. O loiro sentiu seu peito ferver, mas tentou ser minimamente racional e juntou algumas peças, pensando que poderia conseguir extrair algo bom dessa situação.
— Você quer vê-la. Não quer?
— O que voce acha?
— Então, você vai.
Ela parecia surpresa, mas tentou disfarçar. Dando alguns passos na direção dele.
— Eu não faço acordos com você.
— Não e um acordo. Estou te fazendo um favor. Posso resolver isso. Ela pode ficar alguns dias com você, e depois eu a embarco em um trem para fora de Panem. Ela se condenou quando se juntou aos rebeldes, se pisar em qualquer distrito de novo, será enforcada.
Lucy Gray estava totalmente desconfiada, ela sabia que não podia confiar totalmente nas palavras dele, não depois de tudo que passaram.
Mas, apesar disso, faziam cinco anos e alguns meses desde a última vez que encontrou a única pessoa que sobrou de sua família.
— O que você quer de mim, Coriolanus?
— De você? — Ele fez uma expressão questionadora, como se a pergunta o "ofendesse". — Eu não quero nada.
— Então por que veio até aqui?!
— Como eu já disse, precisava ver com meus próprios olhos. Precisava saber se era verdade. Sinceramente...preferia que não fosse. — Ele a avaliou de cima a baixo. Lucy Gray não havia mudado em nada. Seus cabelos estavam um pouco mais longos, mas ela seguia tão bela quanto na primeira vez em que o Snow colocou seus olhos nela, tão linda quanto no dia em que ele a perdeu. — Você não mudou nada.
A garota poderia dizer o mesmo sobre ele. Ela se aproximando e olhando pra cima, para conseguir olhá-lo nos olhos. Seus cabelos penteados para o lado e agora crescidos, exatamente como estavam no dia em que seu conheceram, o mesmo rosto, e agora, um pouco mais alto e forte.
"Você cresceu." ela quase deixou a frase escapar de sua boca, mas não podia. Lembranças vieram à tona com força, então, ela recuou e deu as costas.
— Vá embora. Agora.
Ver Lucy Gray agindo como se Coriolanus fosse uma ameaça, ou um estranho no qual ela estava tentando confiar, o causava um certo desconforto, indignação. Eles eram parceiros, ele a ajudou a sobreviver na arena, trapaceou por ela. E por ele, ela se destacou como jogadora e tornou a vida no Distrito mais tolerável, fazendo com que algo aquilo valesse a pena para ele.
E agora, ela agia como se nada disso contasse. E ele, estava com raiva, impressionado por vê-la, mas, com raiva, afinal, ele não nunca esqueceu o que houve naquela floresta.
Coriolanus queria força-la a mudar aquele comportamento imediatamente, naquele instante, mas, sabia que era impossível.
Ele tinha que ir embora. Precisava.
[...]
Snow fez o possível para entrar em casa sem que fizesse muito barulho e, felizmente, ele conseguiu, entrando em seu quarto, ele fechou a porta e suspirou aliviado.
A porta foi aberta e alguém acendeu a luz.
— Onde diabos você estava?!
Merda.
Tigris estava na porta, de roupão, cabelos amarrados e máscara facial.
"Credo". Foi o que ele pensou, olhando de cima a baixo.
— No laboratório.
— Você disse que voltaria cedo pra casa. Eu fiquei duas horas te esperando na rua.
Ele esqueceu completamente que deveria buscá-la no trabalho.
— Eu acabei me esquecendo. Desculpe.
Ela cerrou os olhos e ficou lá parada, o encarando. Ele tinha certeza de que ela queria começar uma discussão.
— Peça desculpas a Lady-Vó amanhã, ela disse que viu suas coisas jogadas no sofá, mas não te achou, e ficou muito preocupada com você,
— E você, não?
Ele provocou, mesmo que não se importasse de fato, afinal ele tinha preocupações bem maiores em sua cabeça.
— Eu só queria dar um soco, mas estou cansada demais pra isso. — Ela deu as costas. — Vai dormir.
Tigris bateu a porta e saiu. Sua prima nunca foi tão amarga, e ela costumava ser um doce de pessoa...
Cansado, ele se jogou na cama, respirando fundo. Muito fundo.
Lucy Gray estava viva, e ele não fazia a menor ideia de como se sentir sobre isso.
Todo o pensamento conformista que havia criado nos últimos cinco anos sobre a morte dela entrou em contradição. Ele se contradisse desde o momento em que foi atrás de Maude questioná-la sobre o brinco, desde que atravessou toda a Capital com aquele mapa.
Coriolanus mentiu para si mesmo desde o inicio dessa confusão. Ele não foi até lá para descobrir como ela conseguiu aquele brinco, e muito menos seguiu as instruções do mapa para comprovar que Maude estava mentindo.
Ele foi até lá na esperança reprimida de encontrar Lucy Gray.
Esse era o problema.
[...]
Respirando fundo, Coriolanus encarou o teto, depois olhou para o carpete cor púrpura e os lençóis lilás, que cobriam seu corpo nu.
Aquele não era seu quarto, muito menos sua cama.
Seu delírio foi quebrado quando Livia saiu do banheiro, vestida em um roupão, com seus cabelos molhados e um sorriso irritantemente satisfeito.
— Você devia estar bem estressado, huh? — Ela disse, passando a mão pelo próprio pescoço, sentindo as marcas das pontas dos dedos de Coriolanus. — O estrago foi grande...eu gostei.
O loiro suspirou e se levantou, pegando suas roupas jogadas no chão, começando a se vestir.
Ele já imaginou, que se algum dia precisasse escolher uma mulher para ser sua dama, ele escolheria alguém que odiasse, alguém que não pudesse manipulá-lo e que não possuísse efeito nenhum sobre ele, seria Livia. Ele achava sua inteligência mediana, seus comentários sem sentido, seu gosto péssimo para escolher suas roupas e em questão de personalidade, era uma casca vazia.
Um pesadelo, mas o ideal caso não quisesse uma mulher que não o atrapalhasse e que daria, ao menos, descendentes.
— Vai a algum lugar?
— Por que? Quer que eu fique pro jantar?
Ele respondeu, sarcástico, enquanto vestia sua calça. Foi a primeira vez em meses que Coriolanus usou Livia para aliviar seu estresse, era o tipo de coisa que ele fazia em casos extremos, e o caso mais recente, definitivamente era extremo. Depois que chegou em casa, não conseguiu dormir, a insônia e o estresse vieram com tudo, e ele precisava descontar em algo, ou, alguém.
Por alguns segundos, enquanto se vestia, ele se perguntou o que era pior. Beber até desmaiar no terraço de casa ou transar com ela.
Talvez a bebedeira trouxesse arrependimentos menores...mas, ainda assim, ele estava precisando daquilo.
— Hm, alguém continua mal humorado...tem certeza de que não precisa de mais?
— Já tive o suficiente por hoje.
— Bom, eu não tive.
— Livia, hoje não. — Ele disse, finalmente abotoando sua camisa, completamente vestido. — Não estou com paciência.
— Tsc...e quando você está?
Ela disse com certo descontentamento na voz, deitando na cama e cruzando os braços.
Coriolanus não pretendia insistir na conversa, e com isso foi embora. Eram quatro da manhã, e ele tinha até as seis da noite para resolver a situação de Maude...que não seria tão fácil de solucionar.
Era hora de acionar alguns contatos.
[...]
Frutas frescas, legumes, leite, queijo, carnes, grãos, temperos e enlatados. Tudo que precisava comprar. Nossa...ele se odiava por estar realmente fazendo isso.
Na noite anterior Coriolanus percebeu que a geladeira de Lucy Gray estava quase vazia. Por isso, ele decidiu que faria uma lista e compraria o suficiente para que ela passasse o próximo mês bem.
Também pegou chocolate com amêndoas. Era o preferido dela. De novo, ele se odiou.
Quando terminou, foi até o caixa para pagar. A atendente pareceu reconhecê-lo e sorriu com um sorriso amarelo. Ele desviou o olhar com certo nojo.
Enfim, tudo ficou por quatrocentos dólares. Ele abriu a carteira e pagou sem problemas.
Mesmo que o tempo tenha passado, ainda era estranho pensar que a não muito tempo atrás ele e sua família passavam fome. Até hoje, ele mantém sua mania de picar a comida em pequenos pedaços, como fazia quando criança para que ela durasse. Sua vida havia mudado, e certas pessoas à sua volta pareciam insistir em dizer que ele era "melhor" antes.
Coriolanus via isso como uma grande hipocrisia, afinal, ele só fez o que tinha que fazer, qualquer um faria isso.
Saindo do mercado, ele foi ao encontro de um certo contato. Era hora de dar início ao suborno.
[...]
O guarda na guarita acordou de seu cochilo em um pulo quando Snow bateu uma grande maleta de couro preto na mesa. Coincidentemente, era o mesmo homem do dia anterior.
— Urg...você de novo?
— Quer negociar?
— Garoto, você é bem sem noção, sabia?
— Que tal você começar a contar quantos dólares você ganha por me entregar Maude Baird?
— ...
— E então?
O guarda pegou sua xícara de café e tomou um gole, antes de responder:
— Tá de sacanagem, né? Vamos colocar a garota no trem daqui a pouco. Você tá achando mesmo que...
Calmo, Coriolanus abriu a maleta, mostrando um total de três mil dólares.
Ele engasgou com o café.
— Ei, ei...calma lá. Você quer que eu simplesmente solte ela e entregue pra você, gênio? Como eu ficou depois?! Todo mundo vai querer saber dela.
— Estou te dando três mil dólares. O que você vai fazer depois de me entregar ela é problema seu. Tudo que posso te dizer é que, ela não será mais uma preocupação.
O guarda olhou em volta, verificando se havia qualquer um em volta.
— Cacete. — O guarda agarrou a maleta e pôs embaixo de sua mesa. — Estaciona nos fundos...você deu sorte. No dia do apagão, as câmeras de segurança quebraram. Ninguém vai te ver.
Concordando, ele saiu, pegando seu carro e estacionando nos fundos. Trinta minutos depois o guarda saiu às pressas com Maude, totalmente coberta por uma manta preta.
O loiro saiu e abriu a porta do passageiro de seu carro.
— Pronto. Feito. Agora, você vai parar de encher o saco?
Ele o ignorou e colocou a garota para dentro do carro, olhando para o guarda uma última vez.
— Seu nome, soldado:
— Tsc! Acha mesmo que eu vou te falar?
— Você cooperou. Quem sabe não fazemos algum negócio no futuro de novo. — Coriolanus estendeu a mão ao homem. — Acha mesmo que eu não sei o qual mal pagos são os pacificadores: Eu já estive no seu lugar.
O guarda hesitou por alguns segundos, olhando Snow de cima a baixo...até finalmente apertar sua mão.
— Tragus.
Coriolanus sorriu, orgulhoso com sua capacidade de arrastar mais um para a sua teia. Com isso, ele finalmente entrou no carro, sorridente e com um pensamento hilario? É preciso ser um péssimo pacificador para não reconhecer três mil notas falsas.
Considerando que Coryo sabia que todas as câmeras do lado de fora do presídio estavam quebradas, o homem não teria provas contra ele e seria preso em breve por tentar comprar com notas falsas.
Fácil demais.
— Coloque o cinto.
Ela fez sem questionar, ainda confusa e assustada.
— E os outros? Meus amigos?
— Vão ser enforcados.
Ela baixou a cabeça e bufou.
— Por que? Por que tá me tirando daqui?
— Não foi por você.
[...]
— L-Lucy Gray?!
— Maude! — Lucy gritou e correu feliz na direção da prima, a abraçando, sorrindo e dando risadas. — Eu senti tanto a sua falta!
— Eu também morri de saudade! Você faz tanta falta nos shows do prego...o distrito todo pergunta!
— Os shows que fazem falta pra mim...ah, — Ela suspirou. — que bom que você está bem.
Enquanto abraçava sua prima, Lucy Gray olhou para Coriolanus, que estava lá parado, a observando.
Ele cumpriu com o que havia dito na noite anterior.
Lucy Gray queria sorrir para ele, mas tudo que conseguiu foi dar a ele um olhar mais brilhante, satisfeito, na esperança de que ele entendesse o recado.
Ele entendeu, e sentiu algo em seu peito Algo que não queria sentir.
— Bom, — Ela se afastou do abraço e olhou para Maude, arrumando os cabelos da prima com carinho. — acho melhor você tomar um banho. O banheiro é lá em cima, segunda porta à direita. Enquanto isso, eu vou te arranjar algumas roupas e uma toalha.
Ela concordou e atravessou o corredor principal. Ambos ouviram o som de Maude subindo as escadas.
Lucy Gray se virou parao loiro, com certa...timidez e relutância, de braços cruzados. Ela ainda parecia arisca, desconfiada.
— Não sei exatamente o que dizer.
— Que tal "obrigado"? Eu disse que a traria.
— Como você... — Ela sentiu que se arrependeria de perguntar. — não, esquece. Eu não quero saber.
— Ninguém se machucou. —Ele bufou ao ver o olhar desconfiado que havia na garota. — Eu juro.
"É claro que ela não acredita." Ele pensou.
Realmente, como ela poderia confiar em seu "juramento"?
E, mesmo assim, aos olhos de Snow, era perturbador como Lucy Gray nunca deixava de ser fascinante. Ela usava um vestido roxo simples, com os ombros à mostra, meias coloridas nos pés e cabelos semi-presos. E de forma simples parecia tão linda quanto nos momentos em que se arrumava para subir nos palcos do distrito para cantar.
Vê-la tão "bem", pelo menos, era o que parecia fisicamente...aquilo o confortou. Ele quase quis sorrir.
Quase.
— O que é isso?
Só então, ele se lembrou de que havia duas enormes caixas de papelão ao seu lado.
— Ah...sim, claro. Eu comprei, para você.
— Pra mim?
Com um pequeno entusiasmo, ela se aproximou, abrindo uma das caixas. Sua boca se entreabriu, enquanto ela observava a quantidade exagerada de comidas, temperos e bebidas.
— Bom, não é atoa que você desmaiou noite passada. Reparei que você não estava muito "bem", em questão de comida. Sua geladeira está quase vazia. Então eu fui no mercado e comprei algumas coisas. — Ele se abaixou, ficando ao lado dela e começando a mostrar tudo que havia comprado. — Eu comprei carne de boi, porco, frango e cordeiro. Ah, eu também comprei dois sacos grandes de arroz, e achei que seria bom comprar alguns temperos. Orégano, pimenta e Curry. Comprei três vidros de suco, cuidado quando for...
— Ei... — Ela o cortou. Coriolanus sentiu seu ombro roçando no de Lucy Gray, um leve contato, mas para ele, muito perceptível. — é o suficiente pra mim.
— Okay. É, — Ele balançou a cabeça, concordando e tentando voltar a seus eixos. Eram muitas coisas para assimilar e ele não havia se acostumado com o fato de ela realmente estava ali, ao seu lado, olhando para ele. — acredito que seja mesmo.
Ele limpou a garganta e agarrou uma das caixas, se levantando e dando alguns passos até o corredor.
— Eu vou levar isso à cozinha e depois vou embora. Sua prima não pode ficar aqui por muito tempo, então depois conversamos sobre o...
— Espera... — Lucy Gray, arregalou levemente os olhos, como se a palavra tivesse apenas escapado. Ela abraçou os próprios braços, olhando para os lados. — já que você já está aqui e trouxe bastante comida, pode ficar pra, aham...jantar. É o mínimo, eu acho.
Coriolanus se virou, lentamente, olhando para ela de novo. Ele não sabia o que dizer.
— Ahm...eu não estou com muita fome.
Ele estava sim.
Não é como se Coriolanus não quisesse ficar, ele queria, mas sentia que ficar tempo demais próximo a ela poderia ser perigoso para ele.
Perigoso pelas coisas que poderiam passar por sua cabeça, perigoso por imaginar tudo que pensaria se ficasse tempo demais olhando para ela, ouvindo sua voz, a assistindo se movimentar.
Ela ergueu uma única sobrancelha e o encarou de cima a baixo com certo deboche.
— Mentiroso. — Ela passou reto por ele, e seus olhos a acompanharam sem falhar. — Eu vou pegar algumas coisas pra Maude. Você pode deixar as caixas na cozinha enquanto isso.
[...]
O canto dos grilos se sobressaiam no silêncio. Ele estava calado, sentado à mesa, esperando Lucy Gray terminar de cozinhar. Maude não quis jantar e preferiu repor algumas noites de sono.
Ele a assistia cortando cebolas, temperando um bife cru e acendendo seu fogão. Ainda parecia tão irreal. A sensação era de que ele poderia acordar a qualquer momento e perceber que estava em seu quarto, que tudo havia sido um sonho...ou um pesadelo.
Por precaução, ele se beliscou. Mas, nada aconteceu. Ela continuou ali, em sua plena calmaria, cozinhando.
"Que ridículo". Ele pensou sobre si mesmo, ao fazer tal teste, voltando a assisti-la.
Seus cabelos estavam mais bem presos para que não se distraísse, e com isso, Coriolanus conseguia ver seu pescoço nu, sua nuca e seus ombros expostos por completo. Lucy Gray era bela em seus mínimos detalhes.
— Eu consigo sentir seus olhos queimando a minha nuca, sabia?
Ele ignorou o comentário e engoliu em seco, antes de mudar de assunto.
— Não sabia que você cozinhava.
— Eu tive que aprender. — Com as mãos, ela começou a descascar um alho. — No distrito, eram outras pessoas do bando que cozinhavam. Mas, quando eu vim pra cá, não tive muita escolha.
O mesmo pensamento que rondou a cabeça do loiro na noite anterior veio à tona mais uma vez.
— Por que a Capital? Você sempre odiou...não faz sentido.
Lucy Gray parou de mover suas mãos, ela respirou fundo, encarando a bancada. Coriolanus pôde ver seus ombros subindo e descendo lentamente com isso.
— Sim, eu odeio. Mas, seria o último lugar que você cogitaria me procurar.
Um silêncio mortal caiu sobre os dois, e a frase acertou o loiro como um soco. Não fazia sentido, para ele, nunca fez. Como ela poderia fugir dele, depois de tudo que ele fez por ela? Depois de tudo que quase perdeu?
— Fugir de mim, hm? — Ele engoliu em seco. — Muita consideração.
Ela se virou rapidamente, o encarando em discordância.
— Você mentiu pra mim, Coriolanus. — Ela disse, de forma firme e seca. — Você matou o Sejanus e escondeu isso de mim.
— Se eu não o entregasse, eu poderia ser enforcado. E me diga, de quem você acha que eles iriam atrás, depois? Você.
Pela primeira vez em muito tempo, Coriolanus sentiu raiva com facilidade. Seu peito ferveu e ele fez o possível para controlar sua voz áspera.
— Você mentiu!
— Eu te protegi.
Lucy Gray riu, com deboche e indignação, depois do que acabou de ouvir.
— Matando pessoas?!
— Pessoas que podiam tirar você de mim!
— Eu não sou sua Coriolanus!
Ele se levantou e deu alguns passos em sua direção, a fazendo recuar contra a bancada!
— "Eu sou sua e você é meu, está escrito nas estrelas". Lembra disso? Para alguém que odeia mentiras, você é uma incrível mentirosa!
— Não se preocupe, eu me arrependo completamente do que eu disse!
Os ex amantes estavam frente a frente, a centímetro, exaltados, confusos e com raiva um do outro.
Coriolanus certamente tinha seu ego ferido, muitas perguntas, muitos sentimentos confusos, raiva e...falta. Ele sentia a falta de Lucy Gray e enquanto acreditava em sua morte, essa falta não era um problema, mas agora, com ela em sua frente, era totalmente diferente.
Era doloroso, angustiante, e ele odiava isso.
— Como você descobriu? Como sabia sobre Sejanus?
Ela entortou a cabeça para o lado e cerrou os olhos.
— "Eu matei meu antigo eu para fugir com você". Acha que eu sou burra?
— Nunca.
Era genuíno. Ele admirava a inteligência emocional da garota. A mesma ficou quieta, divagando no fundo de seus olhos azuis, tão azuis quanto um lago. Ela poderia se afogar naqueles olhos.
— E de que adianta te contar?
— Eu tenho milhares de perguntas e só estou te pedindo para responder uma! — Seus rostos estavam muito próximos, a tensão e o calor da discussão eram impossíveis de se ignorar, mas Coriolanus não se permitia perder o foco, principalmente com a raiva que sentia. — Se você quiser que eu vá embora, que eu coloque meus pés para fora e deixe você bater aquele projetinho de porta na minha cara, então que seja... — Em um movimnto ousado, muito ousado, Coriolanus a agarrou pelo queixo, forçando-a a olhar para ele.
— Tire as mãos de mim.
— Me responda. Como. Você. Sabia?
— Ou o que? Vai fazer comigo oque fez com a Mayfair? Ou com Sejanus?!
Coriolanus recuou, soltando seu rosto e se dando conta do que estava fazendo.. Havia negação em seu olhar...
— Eu nunca te machucaria.
De repente, ele sentiu sua bochecha arder e uma certa desorientação.
Lucy Gray bateu no seu rosto. Ele não reagiu, não no mesmo segundo.
— Vai a merda. Você tentou atirar em mim! O que você acha que queria com isso?! E, melhor, o que acha que ia acontecer depois?! Que eu iria correr pros seus braços, te abraçar e pedir desculpas?!
— Você também tentou! — Ele gritou. — Com uma maldita cobra!
— Eu estava me defendendo!
— De mim?!
— Sim, de você! — Lucy Gray o empurrou, o fazendo dar passos para trás. Ela o encarou, com dor, de cima a baixo, como se procurasse por algo, agitada. — O garoto que me deu uma rosa na estação, que caiu naquela jaula comigo, que trouxe comida pra mim e cuidou de mim, aquele garoto, eu o...e-eu... — Sem forças para continuar, ela deu as costas e se apoiou na bancada. — você não é ele. Não mais!
Coriolanus ficou quieto. Nenhuma conversa pacífica sairia dali, não mais. Eles estavam apenas machucando mais e mais um ao outro. Ele se sentiu impotente, porque novamente, queria poder consertar tudo o mais rápido possível, e não podia. Era inútil.
Ele se afastou e deu as costas para ela, andando e parando apenas no batente da porta
— Eu volto daqui a dois dias para levar Maude à estação. Ela tem que ir embora.
[...]
"— E o que meu mentor faz, além de me trazer flores?"
"— Faço meu melhor para cuida de você."
Desde que se conheceram, Coriolanus fez de tudo para cuidar de Lucy Gray, protegê-la e mantê-la por perto...perto dele.
Ele não pensou, não foi nenhum pouco racional quando pegou aquela arma e atirou para todos os lados. No fundo, Coriolanus não queria feri-la naquele dia, mas o fato de que ela estava fugindo dele, o machucava, e muito. Ele foi feito de idiota por alguém, foi enganado, e odiou isso com todas as forças.
E por mais que soubesse que toda situação a magoou, ele não se sentia "errado", porque para ele, tudo que fez foi para proteger a si e Lucy Gray.
Se ele não derrubasse outras pessoas, outras pessoas o derrubariam e derrubariam coisas com as quais se importava. Coisas que não aceitaria perder.
E ele não aceitava perder Lucy Gray.
Mas sabia que as coisas não funcionam dessa forma para ela. A garota era persistente...até demais.
Ela odiava os Jogos Vorazes e ponto.
Ela não concordava com assassinatos e ponto.
Ela não concordava com mentiras...e ponto.
Além do mais, Coriolanus fez algo fatal, que seria muito difícil de consertar.
Quebrou a confiança de Lucy Gray.
"— Confiança é tudo, pra mim, é mais importante que o amor. Se eu não confio em você, é como se estivesse morto pra mim."
Aquela tarde no lago em que ela contou sobre seus ideais a ele, sobre o quão sagrada era considerada a confiança para ela. Como o loiro consertaria isso? Ele não sabia ainda...mas, certamente, descobriria.
Ele era obcecado em conquistar tudo que almejava e até então, havia "aceitado" que não poderia reconquistar Lucy Gray, porque ela estava morta.
Mas, agora...as coisas serão diferentes. Ela seria dele novamente.
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