Capítulo 1
"CORIOLANUS SNOW"
Os Tordos tecem liberdade em suas asas contra o vento, traçam trajetórias ao desconhecido, seu canto ecoa pelos ares de todo o mundo. Eles vivem em sua plena imprevisibilidade e perigo que a vida livre pode proporcionar e agem sem qualquer ordem, guiados pelo canto, pela natureza, pelos instintos.
Coriolanus now odiava Tordos. Ele odiava tudo aquilo que não era capaz de controlar.
Então, ao ver Tordo parado em sua janela, o encarando como se o conhecesse, ele ergueu a mão com agressividade para espantá-lo, o que funcionou. Feito isso, ele finalmente pode terminar de se arrumar em pleno sossego.
Até que alguém bateu à porta do quarto.
— Entre.
A maçaneta girou e Tigris entrou. Ela abotoava seu casaco de pele animal com certa pressa.
— Coryo, vamos? Preciso abrir o ateliê.
— Um instante. — Abrindo seu armário, tirou seu casaco preferido do cabide, um sobretudo vermelho. Depois, alcançou sua pasta e chaves na escrivaninha. —Vamos.
Os dois se despediram de Lady-Vó e saíram do apartamento.
Ao lado de fora, Snow tirou as chaves do bolso e foi até seu carro, foi quando Tigris parou de acompanha-lo e deu alguns passos para trás.
— Na verdade, eu... mudei de ideia. Acho que prefiro ir a pé.
Ele ergueu uma sobrancelha, curioso e encarando sua prima. Ele era um homem pragmático.
— Você vai demorar se for a pé, e eu posso te levar. Seu ateliê fica a poucos minutos do...
— Não precisa. — Ela o cortou. —Eu prefiro ir andando. — Tigris deu as costas e se afastou. — Até mais tarde.
Coriolanus ficou quieto, ele não queria pressioná-la e não estava afim de discutir. Seria inútil. E ele sabia bem porque ela estava assim.
— Até.
Ele entrou no carro e deu partida, saindo de sua vaga reservada e fazendo seu caminho pela Capital.
Cinco anos se passaram e muitas coisas mudaram...
Com seu sucesso como mentor nos décimos Jogos Vorazes, a morte de Sejamos e os benefícios oferecidos pela Dra.Gaul, tudo tomou um rumo favorável. Sua família entrou em grande ascensão financeira, se tornando tão rica quanto foi antes da guerra, Lady-Vó passou a receber tratamento médico particular, e comprar remédios para sua saúde deixou de ser uma dificuldade para os primos. O apartamento de sua família recebeu uma imensa reforma e revitalização, se tornando luxuoso e completamente diferente dos escombros que foi um dia. Tigris se tornou uma das estilistas mais famosas e procuradas em toda a Capital, tendo seu ateliê na área comercial nobre da cidade e recebendo centenas de clientes todos os dias.
Quanto a Coriolanus?
A cinco anos iniciou seus estudos na universidade, se especializando em estudos militares avançados e tornando-se um aprendiz de idealizador, tendo Dra.Gaul como sua mentora.
Até o momento, todas as implementações sugeridas por ele foram um grande sucesso. A introdução de novas arenas, o início da construção da "Vila dos Vitoriosos", a reorganização do período de colheita, melhorando a distribuição dos tributos...todas ideias muito bem recebidas por toda a Capital! Coriolanus Snow era o novo brilho de Panem, a personificação do progresso e sucesso.
Ele tinha mais poder do que nunca antes teve, e amava isso.
O jovem carregava o amor e o desejo por poder em seu sangue, a satisfação em ser aquele que conduz o rumo do mundo a sua volta. Exatamente como um Snow deve ser.
[...]
Apesar de longe, ele chegou ao laboratório consideravelmente rápido. Os pacificadores que guardavam a entrada se aproximaram, Coriolanus baixou o vidro e se identificou. Os guardas se apressaram em abrir o grande portão de ferro. Entrando, ele estacionou e saiu.
O laboratório pessoal da Dra.Gaul. Por fora, o local parecia uma mansão elegante e antiga, apesar de extremamente moderna em seu interior. Coriolanus era o único aprendiz para o qual a idealizadora chefe abriu suas portas. Ela sabia o quanto ele era promissor e queria investir.
Duas avox abriram as portas e deram passagem a ele, que fez seu caminho pelo imenso hall de entrada até o elevador principal. O local possuía um longo tapete vermelho sobre o piso de granito, haviam diversas colunas exibindo de forma macabra esqueletos completos de diversos animais diferentes, alguns tão deformados quanto os outros. A doutora parecia gostar de estar rodeada por tudo de mais mórbido e esquisito.
Indo até o elevador principal, Coriolanus tirou um cartão de sua pasta e colocou sobre o monitor ao lado, que o reconheceu e abriu automaticamente as portas, o levando aos subsolos da mansão.
Nada como o cheiro de químicos queimados pela manhã, certo? Porque foi o que sentiu quando as portas do elevador abriram de novo!
Gaul estava com seu jaleco habitual, parada em frente a uma grande maca, onde dissecava um morcego de tamanho anormal, bem anormal, que salivava algum líquido corrosivo de sua boca. Era mais um de seus experimentos.
Garoto, — Disse, sem precisar tirar os olhos do animal. — finalmente.
— Bom dia, doutora.
— Nossa agenda de hoje está cheia.
Ela disse enquanto deixava o bisturi, tirando as luvas para conferir a prancheta ao seu lado. Enquanto isso, Coriolanus tirava seu casaco e arregaçava as mangas de sua camisa, para lavar as mãos e colocar suas luvas.
— Sua ideia dos Zangões é interessante, mas sua composição é falha.
— O que houve?
Ela deu um sorriso travesso e sinalizou para que ele a seguisse.
Juntos, andaram pelo laboratório, passando pelas centenas de experimentos enjaulados e entubados da doutora...alguns poucos já pertenciam a ele, fruto de seu trabalho e estudo. Criar criaturas não era sua atividade preferida, mas achava minimamente útil. Ele se recusava em ser completamente ignorante em qualquer assunto.
A colmeia dos Zangões estava protegida por uma grande película de vidro. Todos estavam morto.
— Seres vivos precisam de adaptação. E se vai transformar algo "não letal" em "letal", precisa ter a garantia de que ele irá suportar as próprias modificações.
— Não aguentaram o ácido clorídrico no ferrão.
— Exatamente.
— Talvez o ideal não seja criar algo que mate no mesmo instante.
Em sua expressão quase enigmática, a doutora pareceu interessada em sua linha de raciocínio.
— Prossiga.
— Ao invés disso, posso trabalhar em uma mistura de fenciclidina e cetamina.
— Alucinógenos?
— Os Zangões são imunes, mas, não os competidores.
— Ainda assim, a chance de uma overdose é variável.
— Posso aplicar dois mililitros de isocianato à mistura. Não é corrosivo, mas causa danos rápidos nos pulmões. A chance de morte fica entre cinquenta por cento. O suficiente para manter o púbico entretido.
— Hm... — Ela o encarou de cima a baixo, era uma mulher difícil de se ler, assim como seu aprendiz. — Faça isso e depois continue o trabalho com os Jabberjays. O resultado final está aceitável, mas precisamos aprimorar algumas coisas.
Ele suspirou aliviado. Ela gostou de sua ideia.
— Sim, senhora.
[...]
O dia foi longo e a noite já havia caído, fria, quieta e banal, como todas as outras. Coriolanus estava cansado, mas isso não o importava, porque ele ainda tinha trabalhos a fazer.
Em casa, ele tirou seu sobretudo e passou a mão por seus cachos loiros para trás, soltando um suspiro. No caminho para seu quarto, ele passou pela sala de jantar, onde sua avó e prima já faziam suas refeições.
— Meu menino! Oh...eu não o vi o dia todo.
— Boa noite, Lady-Vó.
Tigris não parecia tão disposta a cumprimentá-lo, ele a avaliou de cima a baixo e como ela parecia ignorar sua presença.
— Tigris? — Ela finalmente o olhou nos olhos. — Boa noite.
— Boa noite, Coryo.
— Por que não se senta? A cozinheira fez um cordeiro delicioso.
— Não tenho tempo pra isso, preciso estudar. Além do mais, estou sem fome.
Sua avó pareceu se decepcionar e Tigris encarou seu primo com desaprovação, mas ele preferiu ignorar, indo para seu quarto.
No caminho, pôde ouvir alguns passos atrás dele, o que o fez revirar os olhos, porque sabia que se tratava de sua prima, pronta para incomodá-lo. Coriolanus entrou no quarto, fechou a porta e em questão de segundos ela entrou logo atrás.
— Não foi você quem me ensinou que devemos bater antes de...
— Vá pedir desculpas a Lady-Vó. — Ela cruzou os braços. — Agora.
— Eu não disse nada demais, — Respondeu, calmo como sempre. — eu realmente não tenho tempo.
— Você já percebeu o quanto está afundado nos estudos? Coryo você nunca para e não tem tempo para a sua família. Seu comportamento mudou.
Inabalado, ele começou a desabotoar sua blusa.
— Você sabe que meus estudos praticamente pagam essa casa. Além disso, esse é meu último ano na universidade e como aprendiz da doutora. Preciso me concentrar nas notas e nos projetos para os jogos desse ano.
— Não fale como se só você fizesse alguma coisa. Você sabe que eu também trabalho e me esforço.
— Sim... — Ele deu as costas. — com roupas.
— Como é?! — Tigris o puxou pelo braço, forçando a virar de novo e olhar para ela. — Coryo você não era assim! Você nunca desmereceu o meu...
— Tigris, não posso fazer muito se minha ausência te incomoda. Acha mesmo que eu vou dar menos importância para a universidade e o trabalho como aprendiz só porque não cabem na agenda de almoços e jantares com a vovó? Não. Mas, já você... — Sua voz era calma, mas ríspida, com veneno. Ela sabia que ele estava fazendo de propósito. — tem mais tempo livre, não é?
– Para. Para de falar desse jeito! Você está agindo exatamente como ele!
Ela arregalou os olhos por um segundo depois de falar, sabendo que deveria ter escolhido melhor suas palavras.
Coriolanus deu alguns passos na sua direção, a fazendo recuar.
– Quem? Hm?
Ele sabia bem de quem ela estava falando.
Seu pai.
Tigris sempre foi aberta em dizer que temia o dia em que seu primo se tornasse seu pai. E cinco anos atrás, quando ele voltou do Distrito doze, ela finalmente viu o olhar de Crassus Snow no garoto. Desde então, ela não conseguiu mais ver seu primo, que muito mais considerava um irmão, da mesma forma.
O coração bom que ela viu crescer dentro dele foi congelado e a bondade que brilhava em seus olhos pareceram desaparecer, Coryo passava a ser cada vez mais "Coriolinus Snow, um homem Snow", um estranho.
Ela ainda o amava, é claro, mas dentro de si sabia que ele já não era mais o primo com quem ela cresceu.
— Vamos, Tigris... — Ele perguntou, de forma mais firme e amedrontadora. — quem?
Ela deu alguns passos, recuando, sem expressar medo, mas sim, decepção.
— Você mudou, Coryo.
– Eu sou melhor. — Ele disse com toda a confiança e orgulho que tinha em seu peito. — Em todos os sentidos.
– Não, não é...eu sinto falta do meu primo, de antes dos décimos jogos. Eu me pergunto o que aconteceu com ele.
Coriolanus não respondeu, deixando que sua prima simplesmente desse as costas e batesse a porta do quarto.
Ele matou aquela versão de si mesmo e a enterrou no Distrito doze. Aquela versão que ainda procurava ser bom, que se importava com os seus, que se apaixonou por um nome amaldiçoado.
Estava morto.
[...]
Apenas vestindo sua calça, Coriolanus estava se preparando para dormir. Já havia estudado, como planejou e depois comeu algo muito rapidamente.
Ele abriu seu armário e pendurou seu sobretudo vermelho no cabide.
Olhando para a estante em cima do cabideiro, ele puxou uma pequena caixa velha de mogno e se sentou na cama. A inicial "S" estava cravada.
Abrindo, ele observou seus pequenos segredos. Uma foto de seu pai, com ele, ainda recém nascido, em seu colo. A manta de sua mãe e...um único brinco de Lucy Gray, que ele tateou com seus dedos.
Lucy Gray Baird. Uma das maiores loucuras que já haviam acontecido em sua vida.
Ele a odiava.
A cinco anos atrás, quando ela o traiu e fugiu, ele retornou a Capital. Ninguém além dele sabia sobre isso.
Ela estava morta, e ele tinha certeza disso. Tanta certeza quanto raiva.
A sua morte o tranquilizava, ele achava justo depois de toda a manipulação que ela o fez passar. Depois de tudo que ele fez por ela, todos os sacrifícios, as trapaças, tudo. Só a raiva restava, a certeza da ingratidão dela.
E, com o fim que tiveram, os dois poderiam ter o que queriam. Ela poderia ser livre como sempre quis...como um Tordo, e ele nunca mais teria sua vida abalada por ela, nunca mais seria incomodado ou machucado como foi.
Mas, em algumas noites, quando não conseguia dormir, ele ainda se questionava sobre a razão para querer guardar aquele pedaço dela.
Não sabia dizer com que frequência mas, pelo menos algumas vezes por semana, abria aquela pequena caixa antes de dormir e tocava o objeto. O trazia raiva, nostalgia e outras coisas que não queria sentir.
Ele nunca foi capaz de se desfazer do brinco e tinha para si que aquilo seria uma boa e confiável lembrança de que nunca mais deveria perder o foco de seus objetivos, que ninguém era confiável, que todos eram potenciais traidores e que...
O amor, esse sentimento, não servia para ele.
Ele pensou em jogar fora algumas vezes, muitas vezes, mas nunca o fez. Era uma lembrança importante, um pedaço dela que deveria ser mantido, uma lição eterna. Esse pensamento frequente sobre ela deveria perturbá-lo, mas como tinha a certeza de sua morte, não se torturava. Ele poderia viver com o fantasma da garota, com aquele objeto. Não era ameaçador.
Ela se foi e nada mudaria isso.
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