2.[Meio]

Em um dos nossos primeiros encontros, emprestei a Laurenz alguns livros de ficcionistas argentinos, creio que foram oito ou nove. Num deles, um conto inesquecível no qual o personagem principal havia herdado duas caixas com livros antigos que haviam sido do seu pai e, por isso, não conseguia desfazer-se deles. Solitário [e creio, se não me engano era mudo], mudáva-se com eles, de pensão em pensão. Um certo dia ele percebe que uma ratazana havia se instalado em uma dessas caixas e, como a escutara roer os livros, começou a alimentá-la com migalhas de pão, a fim de salvar o único que havia restado do seu pai. Uma noite, enquanto abstraído escrevia uma carta, se dá conta que a ratazana está tentando sair da caixa. Após um tempo indefinível, ela logra enfim sair e, – gorda de migalhas e de papel, deformada, um monstro repugnante! – avança em sua direção olhando-o fixo nos olhos. O pavor e o asco são imensos. Ele refugia-se na cama e, num relance, lembra-se da caneta em sua mão – a caneta era tinteiro – e a lança como um punhal que se crava nas costas da ratazana e a encobre de sangue. Ele, desmaia. Uma cena impressionante. O conto era do Di Benedetto. Realmente inesquecível!

Quase em seguida, emprestei-lhe "El hombre sentimental" e, quando comentei sobre o que tratava o livro, Laurenz perguntou se me interessava por triângulos amorosos, o que achei leviano da sua parte. Isso não tem nada a ver, contestei. Não lhe interessa mesmo? insistiu. Não, assegurei, me interessa a trama, a maneira como Javier Marías desvenda os personagens e relações, seu estilo e seu modo de relatar. Isto você confirmará ao lê-lo. Tenho certeza que gostará do cantor de ópera: um neurótico por excelência! Concluí irritada. Ele riu, creio que um risinho cínico. Fiquei mesmo irritada com ele. Realmente, senti muita raiva. Incontrolável.



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