1.[Início]
Meu pai vai morrer sem ter entendido Borges, muito menos Joyce. Como assim? perguntei. Ele não terá tempo para entendê-los, disse Laurenz, mesmo se quisesse, não conseguiria. Ele está doente? perguntei. Ele apoiou o queixo na mão e disse: não, mas na sua idade... Está no final da vida. E além do mais, continuou, não sei por que se angustia com Borges; se ao menos se concentrasse em Joyce, ah! a sutileza do Joyce. Não exagere! interrompi, chamar a Borges de tosco!?, você deve estar irritado com seu pai. Provocativo. Assim era ele, assim iniciavam nossas conversas.
Estávamos no Café Odeon, foi aí que o vi pela primeira vez (e todas as outras subsequentes). Laurenz bebia seu café lentamente, até deixar esfriá-lo. O bebia acompanhado com água, me explicou, porque tinha problema de rins. Nunca me acompanhava quando eu pedia mais um café, dizia que era besteira, já que havia bebido tantos outros em casa; era mais econômico e assim não dependia e nem relacionava-se com o garçom. Tampouco comia, nem mesmo um croissant. Sempre tínhamos muito o que conversar, sobre todos os temas possíveis. Nossos assuntos não se esgotavam, conversávamos incansavelmente, até que tínhamos que ir e, então, seguíamos pelas ruas, parando em cada esquina, alongando os minutos, aproveitando até o último segundo. Apesar de que, nos últimos encontros, eu mais o escutava que falava. Creio que foi porque me decepcionei com ele. Isto aconteceu quando sugeri para irmos à Livraria Romanica descobrir novos livros e ele preferiu ficar no Café, lendo seu jornal e, claro, bebericando seu café frio. O jornal era um dos seus vícios. Se não o lia, sentia-se incompleto e infeliz. Ficava por horas sentado imóvel, com a mesma taça de café; apenas levantava-se para trocar de jornal, este era o seu único movimento. Vai ficar o tempo todo aqui, grudado, colado, no mesmo lugar? lhe perguntei. Ele sorriu e disse que sim, que preferia ficar, que era um tanto quanto preguiçoso.
A segunda decepção ocorreu poucas semanas depois, enquanto contava-lhe sobre um novo livro e o convidei para acompanhar-me até o Goethe Bar, palco de fundo para um conto. Gostaria de lhe mostrar como o estou ambientando, falei. Ele desconversou e disse que precisava telefonar para o seu médico, necessitava fazer-lhe algumas perguntas, coisa de rotina, já que fazia um bom tempo que não se consultava. Na verdade, disse ele logo depois, à noite senti dores nas costas, não fortes, mas incômodas, então, pretendo marcar logo uma consulta, antes mesmo que iniciem as férias, estou um pouco preocupado.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top