você sumiu

Se tudo desmoronar, tenho para onde ir. Se tudo desmoronar, não sei se tenho um colo para deitar a cabeça e soluçar. Se tudo desmoronar, acredito que o Marlboro irá consolar-me quando estiver chorando alto demais. Desmoronando, deixaria meus olhos inchados, tentaria lavar a alma, esfregando bem forte, mesmo que fique vermelha e assada. Sentir um pouco de dor para perceber que estou tentando me curar. Mas só se tudo desmoronar. E pensei nisso cinco minutos atrás, pois tive um sonho ruim e a minha construção parece estar prestes a ceder. E se tudo desmoronar?

Acendo um cigarro e encaro uma chamada perdida de Chittaphon. Não retorno, não mando mensagem alguma explicando o porquê de ter perdido-a ou afins. Deito a cabeça na almofada sentindo dor e desespero. Acompanho com o olhar a fumaça vagar, perdida e desolada, pela sala de estar do apartamento pequeno onde resido. Gotas de cinzas salpicam minha tez alva e passo a tamborilar o indicador no cigarro para que caia no cinzeiro tão leve e doce como pluma. Deveria, sim, estar tomando uma sopa para ressaca ou qualquer coisa que a indústria farmacêutica empurre-me com uma propagando ridícula que tem uma musiquinha irritante que fica na cabeça como se me obrigasse a cantarolá-la na fila do banco.

E vou a cantarolá-la enquanto tomo uma ducha, visto roupas decentes e saio para sacar dinheiro. Estou faminto, mas o sol está forte e espero que a vitamina D seja o suficiente para o meu corpo, mesmo que eu não saiba muito bem quais seus benefícios. Hoje é aquele dia em que o sol simplesmente não pediu-me permissão para brilhar tanto e, contrariando-se com o meu humor, está tostando tudo que toca. E isso me irrita, pois queria tudo nublado. Não sei se foi o excesso de bebida na noite anterior ou eu realmente não aguento mais tanta claridade na minha cara.

Pego meu dinheiro, olho cinco vezes ao redor antes de enfiar no bolso e saio às pressas para minha casa. Jogado ao sofá, desperdiço horas na liquidez da web. Respiro fundo e decido acender o segundo cigarro do dia em menos de quatro horas. Sorrio para a capinha transparente de glitter que comprei na internet e rio sozinho em como seria a cara de Ten ao vê-la — amaria ou odiaria? Uma capinha para cigarros: aposto que ele não sabe que isso existe. Ele nem sabe que isso existe.

Penso na possibilidade de fumar dois de uma vez só e se daria conta disso. Abano a cabeça com a minha própria estupidez, mas trinta segundos depois estou tirando outro da caixinha e puxando o isqueiro para fora. Sou ridículo, mas não ligo para isso. Estou em casa, as janelas estão fechadas e não tem ninguém para me julgar. Se quisesse, poderia fumar seis de vez e não teria Ten nenhum para gritar comigo. E pensando assim, deito no sofá e fico observando a cortina balançar com a algazarra do vento. Dois cigarros na minha boca e uma fumaça subindo incessante toda vez que expiro.

Ten me manda mensagem, pede-me para que eu ligue para ele. Meus olhos reviram e nem sei o porquê. Meus músculos relaxados só querem um pouco de paz, estou tão destruído. Pensar nele me deixa em alerta, não consigo relaxar, me deixa ansioso, faz-me querer sair daqui para encontrá-lo e tentar fazê-lo feliz. Decido ligar para ele, mas acabo ligando para a pessoa errada ao tentar segurar os dois cigarros numa mão só. Acabo ligando para minha irmã e o beep beep insuportável da chamada significa tanta coisa para mim que acabo esquecendo de desligar.

— Que foi, Taeyong? Estou na aula! — ela sussurra contra o aparelho. Tua voz tem jeitinho de casa, o som de calmaria, esqueço que estou numa cidade turbulenta e bagunçada.

— Desculpe. Na verdade, foi sem querer — explico-me com calma, depois ponho ambos cigarros na boca e tusso ao tentar tragá-los ao mesmo tempo.

— Só assim para você me ligar, né?

— Quê?

— É, você escutou — e então escuto-a dizer à professora que irá ao banheiro e permanece em silêncio por alguns longos segundos. — Por que não desligou antes que eu atendesse?

— Não sei. Acho que queria falar contigo — sacudo os dois cigarros sobre o cinzeiro e espero o pó despencar.

— Sobre...?

— Não sei. Eu nem percebi que estava com saudades até escutar sua voz. Acho que estive entorpecido, sabe?

— É...

— Você quer alguma coisa? Estou ganhando dinheiro, então eu posso tentar...

— Ok, Taeyong, já ouvi essa historinha antes — interrompe-me. Ah, claro. Como ela poderia esquecer do dia em que liguei de madrugada perguntando sua conta do banco para transferir não sei quantos trios de zeros ganhados ilegalmente?

— Mas eu estou trabalhando, eu juro.

— Eu sei disso. Mas não quero nada, obrigada. Eu trabalho, então posso comprar minhas coisas — sua rispidez ao contar isso não me abala. Chega a ser um tanto irônico como as coisas não mudaram mesmo depois de anos depois dessa merda.

— Desde quando você trabalha?

— Desde quando consegui um estágio — isso me deixa tão atônito que, sem pensar, acabo puxando muito das ambas bombas de nicotina e isso faz com que eu recoste-me no sofá para soltar um suspiro esfumaçado repleto de relaxamento.

— Parabéns — respondo com a voz um pouco falha. — Você merece.

— Obrigada — ela não está agradecida. Não culpo-a. Mamãe deu-lhe boa educação. E quanto a mim? — Não vai perguntar sobre papai e mamãe? A última vez que falou com eles foi pra anunciar sua viagem chique à Paris. Aliás, você nem avisou sobre a volta. Já está em Seoul ou se mudou para a Europa?

— Quem me dera — rio. — Me passe o número de mamãe, acho que perdi na minha confusão ao troca de celular.

— Virou o irmão rico da família, Taeyong?

— Talvez um dia eu seja. Ou você. Ou nós dois — descasco o couro falso do sofá e ponho os dois cigarros na boca.

— Talvez — sua voz parece distante. — De todo modo, não sou você, que está com a vida ganha. Vou para a minha aula antes que eu tome falta. Não quero tomar falta num dia que eu poderia estar em casa dormindo. Tchau.

Ela não espera a minha resposta e desliga. Típico dela. Típico. Pergunto-me se devo ligar para Ten, como deveria ter feito antes. Minha irmã manda-me o número de mamãe e decido ligar. Com que cara vou falar um "oi"? Só Deus sabe. E quer saber? Deixa com ele mesmo, deixa que ele guarde a informação bem guardadinha para que eu não estrague nada com essa minha mania repugnante de ferrar com tudo antes mesmo de ter acontecido. Olha só: repugnante.

— Alô? Alô, mãe? Sou eu, Taeyong — esfrego ambas guimbas no cinzeiro e deixo-as lá. Minha mãe não ia gostar de saber que ando fumando. Ela não me pôs no mundo pra isso. Não para fumar dois de vez. Não para que eu fique com vontade de fumar mais três.

— Taeyong? Meu Deus, você sumiu! — ela exclama, não sei se feliz ou surpresa ou apenas esteja fingindo. Prefiro ignorar meus próprios julgamentos.

— É, eu sumi. Mas eu sempre volto, sabe disso — eu acho engraçado como ela conseguiu transformar meu sumiço em algo que pertence só a mim. E ela, onde entra nisso? E seus gritos, suas reclamações, suas palavras rudes, duras e pesadas sobre mim? Um dia me cortei com uma faca e eu juro que é a mesma dor que senti ao escutar minha própria mãe machucar-me. Minha própria mãe machucar-me.

— Como tem estado?

— Bem, acredito — ela não precisa saber da verdade. — E a senhora?

— Ótima — e eu também não preciso saber da verdade. — Que tem feito? Como foi a viagem?

— Ando trabalhando. A viagem foi ótima, depois te conto os detalhes. Tudo lá é diferente e achei que a Torre fosse maior. Enfim, tenho sentido falta, mas não liguei antes porque não queria incomodar.

— Incomodar?

— Eu sou incômodo. Não quero te sufocar.

— Mas Taeyong...

— Está tudo bem, nem eu mesmo me suporto. Só queria saber se as coisas estão bem por aí. Se precisarem de alguma coisa, não hesitem em me chamar.

— Estamos indo bem, não se preocupe — a sua voz calma faz-me esquecer do congestionamento de merdas que estou sentindo aqui dentro.

— Estamos bem? Digo... terminamos mal da última vez, sabe? E eu fiquei pensando muito nas coisas que tu me disse sobre mim. Não esqueci, mãe.

— Eu tinha medo de você não esquecer. Somos parecidos, Taeyong, somos bastante impulsivos e acabamos guardando as coisas que escutamos também. Fomos duros um com o outro. Sempre falamos demais e isso é ruim — algo chia do outro lado da linha.

Quero beber café, deitar a cabeça em seu colo como nos velhos tempos e escutá-la dizer que preciso cortar o cabelo e que sou muito preguiçoso e largado, pois deixei o tênis na sala de estar e papai sempre fica puto com isso. E eu ria. Então agora quero rir.

— Realmente — decido concordar. — Mas você já me perdoou? Eu também disse coisas ruins.

— Está tudo bem.

— E antes disso?

— Antes...?

O que eu fiz, mãe. Não me faz repetir, não me faz repetir.

— O que eu fiz.

Escuto-a respirar fundo.

— Já passou — sua resposta é tudo o que precisava escutar agora. — Então não temos que nos preocupar com isso.

É estranho, visto que brigamos feio da última vez. Ou melhor, antes de eu avisar que ia à Paris. Brigamos por conta daquilo, sobre eu ser a vergonha da família e afins. Eu sempre soube fazer merda muito bem, talvez minha inocência e curiosidade sempre ferram comigo e ninguém, senão eu, consegue me entender. O mundo é frio, ninguém se entende, ninguém se gosta, ninguém está nem aí. E assim que me tiraram da delegacia e apanhei do papai, nada mais foi o mesmo. Apareci no jornal local, papai lia aquela merda. Sensacionalista, nada a se surpreender. Mas não me superava.

E agora estamos em silêncio no telefone, esperando o outro contar algo, mas parece que somos dois estranhos. Nos perdemos no meio do caminho, não somos mais quem costumávamos ser e nem sei mais quem é ela, assim como ela também não sabe mais quem sou. Não sei se estamos bem com isso. Mas eu não gosto deste silêncio.

— Como está Doyoung? — céus, graças a Deus ela falou alguma coisa!

— A base de Chandon e viage internacional. Muito bem, quero dizer — conto ao cutucar uma das guimbas mortas no cinzeiro.

— Que bom. Ele sempre teve esse ar chique e requintado — percebo sua risadinha de leve.

— Ele nasceu em berço de ouro, então é de se imaginar — tusso duas vezes sem querer. Será que não prestou fumar tanto?

— Ele ainda continua com aquela menina?

— A MinYoung? — pergunto e ela confirma. — Sim. Eles dois são grudados.

— E você?

— Sou a vela.

— Estou perguntando se você tem alguém, Taeyong — ela me explica.

Minha barriga ronca, meu estômago embrulha. Mamãe, mamãe, primeira regra: em hipótese alguma deve-se fazer-me lembrar de Chittaphon e o rosto angelical dele que me faz querer socá-lo de beijos. Não, mãe, não pode fazer-me lembrar que estou falando contigo graças ao pedido dele e a minha lerdeza para iniciar a chamada. Oh, querida mãe, não deve-se fazer o filho lembrar do porquê de ele dormir tão tarde, imerso em pensamentos, sobre alguém que absolutamente não está fazendo o mesmo por ele. E que, no máximo, estará masturbando-se pensando no teu filho, mas não porque ama-o. Não, mamãe, piorou meu peito doente, cutucou a ferida, enfiou o dedo no hematoma, puxou o ponto pelo meio da linha. Oh, mamãe...

— Eu?

— Se não quiser contar, tudo bem...

— Não é isso, é que... É complicado. Sabe, a senhora não entenderia os relacionamentos dos dias de hoje, tudo é muito instável e... Bem, eu gosto de alguém, mas não acontece o que deveria acontecer — enrolo os fios da minha nuca do jeito que Ten costuma fazer e sinto uma vontade imensa de xingar, mas minha mãe não irá gostar disso nem um pouco.

— Por que não? Quem é a garota? Para se conquistar uma garota, precisa saber quem ela é, Taeyong. Está há quanto tempo tentando? — ela me bombardeia com perguntas e informações desnecessárias que só então percebo que ela está ainda vivendo na Disney que pus na cabeça dela, quando ainda era adolescente, de que eu era bi e não gay. Sou bi, eu dizia. Também gosto de garotas, dizia. Eu beijo garotas, repetia. Eu beijo garotas.

Há quanto tempo eu não beijo garotas? Parei de pensar sobre isso quando a energia masculina passou a me excitar e me encantar mais que a feminina. Talvez eu não me interesse tanto por garotas agora porque já saturou ou não sei. Não sei. Reconheço: aquela é bonita, essa tem lábios interessantes, olha o jeito dela ali. São detalhes, mas não levo a sério. Gosto de caras, mas não quando me chamam de "cara" — alô, Ten Chittaphon Lee-seja-lá-que-merda, isso foi uma indireta! Acontece, mamãe, que contei-te isso quando eu ficava com meninas para enganar a mim mesmo. Pensava: ok, gosto de homens, estou louco pra beijar uma boca masculina. Mas e meus amigos?, ainda pensava. Não posso ser gay. Tenho que gostar de meninas também. Preciso gostar de meninas também.

Para o Taeyong de quinze anos: hahaha, no.

— Mãe, é um menino — conto logo de uma vez, sem ladainha, sem enrolar.

Estranho se referir a Ten como "menino" e não como "ser humano que independente do sexo é o amor da minha vida"

— Melhor ainda, já que você é homem e entende dessas coisas — seu tom não é de surpresa nem estranhamento, o que me deixa feliz e aliviado. Ela soou natural, então pouco se importa. Eu gosto disso nela. Importante que eu não apareça querendo me casar com um animal, tudo bem.

E, mamãe, pode apostar: eu entendo mais as mulheres que os homens...

— Até parece — rio para não chorar.

Alguém diz algo como plano de fundo da ligação e minha mãe responde que já está indo. Bem, já sei bem o que irá me dizer e respiro fundo, pronto para me despedir.

— Tenho que ir agora, Taeyong. Tchau, foi bom falar contigo — diz-me.

— Também. Se cuida.

— Você também.

A ligação encerra. Levanto-me aos tropeços, não sei se feliz ou nostálgico. Uma taça de um, uma garrafa de outro. Sinto-me bêbado ou anestesiado. Enfio um paracetamol na garganta para dizer que tentei me livrar dos efeitos colaterais de ontem. Os beijos de Ten me deixam tão tonto que passo dias sem pensar direito. Como ele está? Penso em ligar, mas jogo o telefone longe. Hoje é sábado, eu vou descansar. Descansar um pouco dele. Amo-o. Amo-o demais. Muito. Em demasia. Em excesso. Transborda até. Inunda tudo. Afoga todos. Eu me afogo junto. Mas hoje não. Vou tirar um tempo, dar um tempo. Nada em excesso faz bem. Mas por que será que estou pegando outro cigarro? Que há de errado comigo? Deus...

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top