você quer brincar de asmr?
Eu tenho medo. Eu sempre tenho medo. Vez ou outra me acho estúpido por ser tão fraco, por fugir assim. Mas eu não tenho culpa. Não há como correr atrás de alguém foge, tentar encontrá-lo nas entranhas da displicência e solidão. Se alguém foge, não quer ser encontrado e fará o possível para evitar. Mas e quando você se apaixona por alguém que foge? O que mais fazer, senão fugir também? É proteção própria. É o que eu deveria estar fazendo.
— Acho que preciso cortar um pouco meu cabelo — é o que Chittaphon comenta ao soltar o prendedor da franja.
Estou sentado na cama, vestindo apenas uma samba canção de listrinhas azuis enquanto recolho os Sims de Doyoung do trabalho. A brisa noturna despeja para dentro do quarto, sacudindo as cortinas com euforia. Me arrepia o ventinho, então eu olho para o celular de Ten, localizado sobre a bancada, que toca uma música em francês. O player indica Sémaphore de Requin Chagrin. Ela é legal, então decido guardar o nome na memória para depois.
— Agora que você veio perceber isso? — comento brincalhão, a respeito do comentário feito sobre cortar o cabelo. Mas eu amo o corte de cabelo dele, amo o fato de ser longo e vir até a nuca e ficar volumoso após um dia cheio de vento na cara.
— É sério, ele está maior que o normal. A franja, se eu jogar para o lado, quase fica presa atrás da orelha — vira-se de frente para mim para mostrar-me, e eu finjo surpresa com isso. Eu percebi isso quando acariciava-o durante o beijo. E que beijo, senhor! Até agora estou anestesiado...
— Mas está bonito — tiro os olhos dele e volto a prestar atenção no jogo. — Por que você não faz um topete arco-íris?
— Não dá nem pra pedir conselhos a você, Taeyong... — ele revira os olhos e enfia o pente nas madeixas escuras. O cabelo dele é incrivelmente bem hidratado.
— Desculpe, então — eu sorrio para exatamente nada e decido que vou criar um Sim em homenagem a Ten aqui e se Dongyoung reclamar, ele vai receber tapa na cara.
Se já não basta ter tirado minha paciência ontem com o papinho de Yuta sobre eu ter cara de virgem — coisa que não sou —, ainda teria de vir reclamar por eu estar mexendo em todos os seus jogos e tirando seus personagens da fossa? Ah, não. Eu estou fazendo um favor tornando todo mundo homossexual e criando um bonequinho para o deus da Tailândia e o do meu coração.
Pronto, agora eu pareço patético.
— Você me ouviu? — sua pergunta me acorda de um transe. Ergo os olhos e praticamente não vejo teus olhos com o cabelo na cara, pra variar.
— Não, desculpe — paro de configurar o cabelo de Chittaphonzinho Lee e presto atenção no real e cem vezes mais bonito.
— Eu falei que ainda continua a promessa da primeira classe! — ele sorri para mim, intensamente fofo e mortal para meu miocárdio sentimental.
— Ah, sim... Isso é legal — sorrio de volta, mas eu nunca sei o que falar quando me derreto nesse maldito sorriso. — Bem legal.
Ele larga o pente e pula na cama ao meu lado, balançando-a. Consigo sentir o calor que emana do seu corpo, aproximando-se cada vez mais de mim. Ele me envolve de lado, deita o queixo no meu ombro, sua respiração esfregando-se na minha pele nua, teu cabelo cobrindo meu pescoço.
— Que você ta fazendo? — indaga, tentando olhar para o iPad de Doyoung, que está com o brilho baixo justamente para ele ter dificuldades para enxergar o próprio Sim diante do ângulo que se encontra.
— Jogando The Sims — respondo, obviamente tentando não surtar com o fato de ele, sim, ele mesmo ter vindo me abraçar e agora está interessado no que estou fazendo. Será que sou importante para ele? Ainda somos amigos? Ele ainda tem medo de raízes? São muitas perguntas matutando minha cabeça, mas nenhuma delas podem ser ditas.
— Bloqueia o iPad, por favor — ele me pede e eu estranho. Que ele quer dizer com isso?
Obediente, bloqueio o iPad de Doyoung e fico na expectativa do que é que vai acontecer.
— Deixa ele ali — seu indicador aponta para a bancada ao lado da cama e eu ponho-o ali rapidamente, com cuidado para não ter de desfazer o abraço de Ten.
Respiro fundo e olho-o nos olhos, ele está fazendo o mesmo. Seu queixo sai do meu ombro e ele aproxima-se para um beijo. Seu hálito é de creme dental e agora concluo que Ten está muito estranho desde ontem e isso não é legal. Sei que é ridículo da minha parte, uma vez que esses contatos são tudo o que quis desde quando ficávamos conversando tarde da noite no restaurante. Mas eu estou assustado agora, porque há algo estranho aqui e nem estou falando do fato de estarmos nos pegando na cama e Ten afagar-me a coxa a todo momento.
É que ele não quer amor, foi o que disse-me no parque, antes da viagem. Talvez ele queira alguém para se apoiar, para beijar e fazê-lo sentir-se bem. Talvez ele tenha mudado de ideia sobre essa palhaçada de egoísmo e amor e blá-blá-blá. Mas eu não quero lidar com mais ferimentos, sabe? Sou um soldado ferido na guerra que é a vida, só que neste caso não há ninguém me carregando para a enfermaria.
Terrível ficar nesse dilema enquanto praticamente gemo com seus beijos avassaladores e o movimento sobe e desce na minha coxa direita. Filho de uma mãe.
— Vamos com calma, Ten — sussurro ao vê-lo afastar-se para tirar com pressa a regata branca que está vestindo. Espero que ele entenda o que quero dizer.
Mas não, ele não entende. Ele tira a camisa, puxa a minha mão para o seu abdômen e implora toque com o olhar. Eu abro a boca para reclamar, mas ele me beija outra vez e eu não consigo resistir a isso. As respirações misturando-se e os estalos dos beijos é tudo o que consigo escutar agora, com exceção da música que ainda toca no celular de Ten, seguindo a playlist. Me sinto um peixe fora do aquário.
— Ten, ainda está cedo — digo ao senti-lo descer os beijos para o meu pescoço. Queria não estar arrepiado com isso. Queria não estar gostando disso. Mas vou seguir o conselho de Doyoung. Ainda não.
— É quase madrugada — ele me abraça pela cintura. De repente sua mão me arrepia ao descer vagarosamente pelo meu peitoral, seguindo o abdômen... Ele para. Glória.
— Não estou falando do horário. Estou falando que... Eu percebi que ainda é cedo — mordo o lábio, mas ele me beija rapidamente do mesmo jeito. Eu estou incomodado sobre quão estranho ele está sendo comigo.
— Você sugeriu isso ontem — ele ainda se lembra do que quase fizemos ontem. Ótimo. Incrível. Sensacional.
— Foi um erro — acaricio suas costas para tentar dizer que está tudo bem, para que não fique bravo comigo por ter destruído sua diversão da noite.
— Então tudo bem — ele se afasta, desprende-se de mim. Bagunça o cabelo que acabou de pentear e olha para o short de dormir que está usando, ajeitando-o melhor no corpo.
— Vem cá — puxo-o para um abraço calmo e romântico. Felizmente ele retribui e confesso que gosto de sentir suas madeixas escorrendo no meu corpo. É como um carinho.
Depois desse ocorrido estamos bem, acredito eu. Quer dizer, eu sempre ando com uma pulga atrás da orelha em relação a ele. Nos beijamos algumas vezes, mas nada de beijos quentes. Prefiro assim.
Desligo meu abajur na hora de dormir, Ten deita-se ao meu lado. Espero não me arrepender de ter dito essas coisas, de ter impedido o que poderia ser a melhor noite da minha vida. Mas eu não posso me arriscar assim. Estou sensível, besta e totalmente careta por este homem. Preciso ter cuidado.
— Ten, você já dormiu? — resmungo com a cara no travesseiro, totalmente amassada. Eu estou com sono, mas não consigo dormir.
— Não — responde com a voz rouca. Eu amo a voz dele.
— Você quer brincar de asmr? — proponho, sem nem virar o rosto para ele. Ten ri.
— Como seria essa brincadeira? — ele desliza o corpo até mim e joga seu joelho sobre a lateral do meu quadril.
— Faz aquelas vozes de asmr no meu ouvido para eu dormir — explico. — Se você quiser, posso fazer em você também.
— Não, obrigado — Chittaphon faz um pequena cafuné no meu cabelo e eu sinto-o se aproximar mais ainda. — Assim? — ele sussurra e rimos no mesmo instante. — Ah, Taeyong, isso é sem graça.
— Continue — peço.
— Que você quer que eu diga? — ele sussurra bem próximo do meu ouvido, seu hálito quente encostando na minha orelha, me arrepiando.
— Sei lá, umas coisas aleatórias — dou de ombros. — Uma história. Uma história da sua vida.
Ele fica uns segundos pensando, mas enfim começa. Me acomodo no cobertor e me preparo para a sua voz acalentando-me e acalmando meus pensamentos bagunçados.
— Quando eu estava no início da faculdade, onde felizmente consegui entrar mais cedo que o normal, eu testava inúmeras receitas com meus amigos da república — sua voz se torna calma e doce, vez ou outra falha por conta do sono, mas me acalma e me arrepia. — Eu preparava várias coisas para eles. Mas chegou o dia em que eu finalmente decidi criar uma receita.
É estranho o modo como me sinto sonolento e molengo só com sua voz e um cafuné gostoso na nuca. Eu sou fácil demais, preciso trabalhar um pouco isso.
— Então eu decidi fazer um bolinho esquisito usando merengue. — dá continuidade à história — Mas eu não era muito bom com merengues e isso deu-se desde o Ensino Fundamental, quando eu tinha preparado um merengue numa atividade escolar e praticamente vomitei de nojo da minha própria criação.
— Não consigo te imaginar fazendo comida ruim — comento.
— Mas eu era um molequinho tentando acompanhar os passos da minha mãe. Achei que já sabia fazer quando entrei na faculdade, então não vi problema nenhum em tentar daquela vez. Me imaginava famoso por ter criado um bolinho diferente de vários outros... Com merengue, açúcar mascavo, creme de morango, pimenta, mussarela...
Que porra de bolinho é esse?
— Eu estou vendo essa cara de nojo aí, Taeyong — ele reclama com sua voz de asmr e eu rio, porque é muito engraçado escutá-lo bravo com uma vozinha amorosa como um sopro.
— Desculpe — respiro fundo para me controlar.
— Acontece que eu não fiz o principal que se aprende na faculdade: checar a data de validade de tudo. Fiz o bolinho e ofereci aos meus amigos. Eu tinha até um namorado e convidei-o também. Acontece que, além do bolinho ter ficado uma porcaria...
— O que choca zero pessoas — ouso interrompê-lo, porém causa-me apenas alguns tapas no braço direito.
— Shh, quem está fazendo o asmr sou eu — reclama. — Acontece que o bolinho ficou uma merda e só tinha dois banheiros para todo mundo, então foi uma guerra para ver quem ia cagar primeiro...
Eu desato a rir e Ten também. Seu riso é gostoso, é lindo.
— Bolinho de Chernobyl — após eu ter dito isso, ele me bate outra vez pelo insulto.
— Não critica! — me sacode e depois encosta o peitoral nas minhas costas.
— Conta outra história — peço.
Ele respira fundo, limpa a garganta e começa a história de um par de tomates que deram muito trabalho quando ele estava tentando cozinhar para os amigos, com o intuito de que confiassem na sua culinária outra vez. Eu caio no sono sem nem mesmo descobrir quem roubou os tomates para evitar mais um desastre culinário de Ten. Mas sinto-o abraçar o meu corpo e acho que isso é o suficiente para mim agora.
Espero que ele não me machuque tão profundamente.
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