você nem fala comigo

Eu preciso fumar. Eu preciso fumar. Eu preciso fumar. Eu preciso. Sabe, criei algo na minha cabeça acerca de necessidade: eu preciso ou eu quero? Se não preciso, mas quero; é melhor que descarte a ideia. Mas agora a questão é diferente, não é apenas querer. Eu preciso fumar. Não posso simplesmente descartar. Só um pouco, só um pouco.

Quieto, descalço, escutando uma guitarra assar meu sistema auditivo pelos meus fones. Leio sobre astronomia, pois a monotonia esquartejou minha criatividade para o desenho. Estou suando e, embora o pequeno ventilador enferrujado esteja girando e jogando uma pancada de vento na minha cara, ainda não é o suficiente. Minha irmã está pesquisando para o artigo científico dela, papai assistindo luta e mamãe não para de costurar a blusa favorita da minha irmã.

Estávamos fazendo a mesma coisa, anos atrás. Com esse cheirinho de bulgogi incendiando a casa. Eu gosto disso, mas o tempo já passou. É bom relembrar, é bom. Bom querer voltar ao passado, às vezes sinto prazer ao fazê-lo. Sinto-me infeliz. Acho que dou valor até determinado ano da minha vida. Depois dele, saquearam minha minha paz e tratei de casar com frieza do mundo. De vez em quando me odeio. Estou fazendo isso agora.

— Taeyong, vá comprar o xarope do seu pai — mamãe pede, empurrando-me a nota.

Levanto-me, calço os pés e trato de pôr uma camisa para sair. Decido levar meu celular e aviso que talvez eu não volte tão breve assim, pois vou andar um pouco. Bem como Ten disse para eu fazer.

Odeio conversar por mensagens. É seco, sem graça, sem cor. É um monte de abobrinha criptografada, informações salvas, convertidas e enviadas por uma rede aparentemente ilimitada. E eu odeio ter de ficar grudado no meu celular para que possa conversar com ele. Sei não, mas eu não gosto de me forçar a fazer isso. Mas se trata dele. Não posso perdê-lo.

Ten: tá, vou te contar por vídeo chamada
Ten: hoje às sete
Ten: do horário daí
Ten: agora estou ocupado

Engulo em seco, no meio da rua, com o sol irritando minha pele. Respondo que tudo bem, combinado. Um encontro virtual, que épico. Estou cansado de mensagens, de vídeos, de áudios, de chamadas. Se for para ter Ten, quero tê-lo na minha frente. E eu explico isso por mensagem, que não aguento mais todos esses dígitos para nos comunicarmos. Não obstante, acaba por ignorar meus comentários. Repete:

Ten: tô ocupado.

Reviro os olhos, atravesso a rua. Que se foda tudo isso, vou comprar um maço. Pago com meu dinheiro, junto com um isqueiro. Não trouxe nada disso, com medo de briga. Agora não estou nem aí. Eles não devem opinar mais na minha vida.

"Este produto causa câncer. Pare de fumar." Que irônico isso estar escrito numa embalagem de cigarro, letras maiúsculas, em negrito, contornado. Não há nada mais belo e romântico sobre o câncer. E adivinha? Meu signo do zodíaco é câncer. Câncer!

Queria ter aqueles isqueiros banhados a ouro, com formatos únicos, talhados perfeitamente. Amaria tirá-lo do bolso, girá-lo nos dedos, acender, a chama bailando próximo ao meu dedo. Sempre fui amedrontado, até perder o medo. E até hoje, sempre que fumo, penso em como isso me faz sentir melhor em relação a tudo.

Cigarro me faz mal. Ten me faz mal. Não comer me faz mal. Tudo me faz mal. Estou sendo atacado, bombardeado, nunca vou encontrar a paz. E se estou de pé até hoje, significa que está dando certo viver assim. Por isso que não ligo mais. Arranco um cigarro do maço, com dedos desengonçados, ponho na boca e trato de fazer uma concha com a mão para acendê-lo. Papai não vai gostar, nem sonha. Que pena.

Atravessando a rua, é brechoque que encontro, é fruta que me colore, é vitrine que observo, é o mar que almejo. De sandálias pretas de tiras grossas e largas, desfilo pela orla. Minha camisa inchada pelo vento que entra, sacode, lambe o suor da minha barriga tão bem quanto Chittaphon poderia fazer numa noite de soju e farra.

Empurro a fumaça brônquios adentro, e que se foda o resto. A sensação do cigarro em mim, tendo em vista o tempo que fiquei sem fumar, é uma renovação. Por detrás da barreira de concreto encaro o rio desaguar tão ávido, livre e necessário no oceano. Assim como a água derrama-se ao mar, a nicotina derrama dentro de mim. Paz. Respiro fundo, bem fundo, cigarro na boca e cabelo bagunçado. É, sou eu, Lee Taeyong ou seja lá como queira me chamar.

Não estou usando minha jaqueta jeans, meu chuck taylor tão fodido que as pessoas perguntam até como consegui tal tom. Amigos, quero sempre responder, guardem a porra da mão de vocês dentro do bolso e não comprem uma droga de tênis a cada ano e verá a merda do resultado. Caralho, me sinto tão bem.

Meu celular vibra e, por sorte, é só o Yuta. Acho que se fosse mais uma ligação do Ten, eu iria enlouquecer. Ele está me deixando ansioso, nervoso. Mas agora tenho meu cigarro de volta. Atendo a ligação prontamente, olhando o mar castigar as pedras pela teimosia de estarem paradas no meio do caminho. Mas elas não têm culpa.

— E aí, não-virgem? — cumprimenta ele, animado costumeiramente.

— Ah, começou... — resmungo, cuspindo a fumaça.

— Você nem fala comigo, né?

— Yuta, eu não sou seu amigo. Só te suporto porque você é amigo do Doyoung — lanço três tapinhas no cigarro para que as cinzas caiam.

— Me sinto importante por isso — ele brinca. — Que anda fazendo, oh, belo cavalheiro?

— Nada de espetacular — levo aos lábios o cilindro do câncer, relaxante na medida certa. Tudo que nos faz bem, nos mata.

— Que som é esse? Hm, ta na praia, né safado?! — sua risada toma conta da ligação e eu rio ao empurrar para fora a fumaça. Yuta é muito besta.

— E daí? Estou tentando relaxar — eu explico, pois não quero que pareça que não estou fazendo exatamente nada para ajudar e que só vivo na praia. — Nem estou saindo muito, então hoje decidi fazer diferente. Como estão as coisas por aí?

— Normal, como sempre — diz. — Tu vai voltar logo?

— Sei não, por quê?

— Para a gente sair pra beber, né. Eu, você e Doyoung. Precisamos ser o trio mais famoso de Hongdae.

Afasto-me sutilmente do cerco que me impede de cair na água e arremesso mais cinzas ao chão antes de pôr o cigarro na boca e puxar tudo outra vez. Mar combina com nicotina, com a cor do meu cabelo, com o tecido da jaqueta jeans que tenho em casa. E quanto mais eu fumo, melhor me sinto.

Hongdae é uma merda, dispenso — observo a leveza da cinzenta fumaça deixar minha boca à procura de, literalmente, novos ares.

— Ih, por quê? Problemático você, hein!

— Muito clichê. Só tem gente bêbada lá, principalmente estrangeiro. Ando sem paciência para estrangeiros.

— Vai me dizer que o único lugar que tem estrangeiro que vovê gosta é Seorae, aquela vilinha francesa perto de onde Ten mora? Você é chato, Taeyong, precisa transar para tirar esse humor de lixo — a capacidade de Yuta de pôr sexo como solução para exatamente tudo me surpreende dia após dia.

— Sim, o único lugar mesmo. Eu perguntei a Ten por que o restaurante não é lá, já que tem muita coisa francesa, mas ele disse que o intuito do restaurante não é fazer franceses e descendentes comerem em seu restaurante, ele quer que outras pessoas conheçam a culinária francesa num lugar onde normalmente não encontrariam de costume — e, de repente, me pego tagarelando sobre Ten. Eu preciso parar de fazer essas coisas sem querer. — Desculpe falar tudo isso.

— Tá se desculpando por quê? Aliás, o Ten é realmente uma tentação. Você viu a roupa dele na festa após o evento de palestra, apresentação, degustação e essas coisas mais? — esse tom de voz ambíguo quase me faz tossir, então tiro o cigarro da boca para melhor julgar a situação. — Migo, eu acho que ele bebeu pra porra.

— Ah, nem me fale... — resmungo comigo mesmo. — Mas por que você diz isso?

— Sei lá, ele estava muito sexy. Normalmente o Ten é comportado nesse tipo de coisa e, por mais que festa fosse privada e não fosse acessível à mídia, acho que os próprios convidados trataram de tirar fotos e tudo mais. Tu viu a maquiagem dele? Tava mara! — a empolgação de Yuta não me alegra, então enfio a guimba no concreto pintado de branco e espremo.

— Sim, e daí? Todo mundo sabe que Ten é gostoso — aperto o telefone contra o ouvido.

— TaeTae, meu anjo, ele abriu mil botões da camisa dele, num momento. Eu não entendi muito bem o que aconteceu, ele aparentemente estava bêbado. Mas... Foi só por algum tempo, pois ele tirou uma foto assim com umas quatro pessoas, depois fechou os botões. Isso não faz muito sentido. Real.

— Bem, ele sabe do que faz.

— Não sabe, não.

— É, mas ele que escolheu beber — eu estou tentando não ligar para essas informações, não quero mais ligar.

— Aconteceu alguma coisa entre vocês dois? Porque eu sinto que você está meio...

Não dá tempo de escutar Yuta terminar, pois ele não conclui antes que eu sinta um empurrão nas minhas costas. Meu celular é arremessado à frente, meu corpo choca-se com o concreto e acaba por estatelar-se ao chão. Minha vista borra, estou atônito, em choque. Meu cotovelo dói, meu abdômen também. Olho ao redor, não sei onde está meu celular. Onde está meu celular?

Porra, de novo não. Vejo quão rápido o maldito levanta-se do chão, agarra o guidão da bicicleta e pedala pela rua. Não pede desculpas, não tenta se explicar. Se é tão ruim pedalando, a ponto de atropelar os outros, pra que porra está a fazer isso? E agora que dou-me conta de onde meu celular foi parar, eu vou correr atrás do culpado nem fique sem perna. Ele vai me pagar.

Pernas trêmulas e um vazio existencial me descrevem. Ainda estou tonto, não deveria levantar tão rápido. Mas o desgraçado está pedalando tanto que, se eu perder alguns segundos, ele vai sumir do meu campo de visão. Por isso que não penso muito bem antes de levantar e correr na primeira direção que apareço. Esse é meu maior erro.

Quem diabos põe um poste de iluminação bem no meio da calçada? Filho da puta desgraçado, quase me mata agora. De pernas bambas, avanço com força. De burrice notória, meto a cara de jeito no poste de luz e caio de costas no chão. Perdi meu celular, perdi o cara de vista, perdi minha dignidade.

Acho que se fosse na Idade Média, eu iria parar na fogueira. Porque só deve ser magia a única explicação para essa insistência que o azar tem sobre mim. E, sendo honesto, quem me dera que fosse aqueles tempos. Está difícil viver esse. Então ponho a mão na cabeça e começo a chorar, como um caracol encolhido na concha, um fiapo de gente a choramingar no meio da rua. Podem jogar o fósforo, já estou acostumado a soltar cinzas. 

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