você não vem?
Yuta deu-me uma extensa reclamação por ter interrompido seu Terrace House 2019-2020, mas depois que eu lhe disse do que se tratava a ligação, fez o favor de pausar o episódio e dizer-me que não devo pisar na bola nem pressionar Chittaphon em excesso. Claro que eu já sabia disso tudo, então ele começou a dizer um punhado de dicas e lições sobre o que fazer e não fazer para que tudo ocorra bem e, sobretudo, o mais romântico possível. Eu disse que não queria uma atmosfera em si romântica, mas sim confortável. Yuta disse que isso é a mesma coisa, então passamos muito tempo conversando.
Ten saiu para o seu compromisso no meio da tarde, dando uma série de avisos a Va Te Fouder. Eu até me comportei hoje, deixei de preguiça e fiz o máximo para ser o mais rápido possível. Não quero que o paspalho me segure depois do expediente, isso seria demais. Tenho que cozinhar tudo certinho para que Ten adore e queira casar comigo. Tudo bem, um pouco de exagero da minha parte, mas no fundo é o que mais quero. Podemos superar todos esses problemas juntos. Eu acho.
Por isso, limpo a última mesa e, quando todos são dispensados, dou no pé para trocar de roupa o mais rápido que conseguir. E isso absolutamente é estranho, pois não me lembro da última vez que eu tenha me arrumado rápido aqui. Nem visto a jaqueta quando praticamente corro para fora do restaurante, evitando Va Te Fouder. Claro que, se ele me visse, com certeza iria me barrar e me dar mil sermões que não fariam nenhum sentido, só para me tirar do sério. Sério, eu odeio ele. Não odeio, só detesto. Não sei, não sei.
Despejo num vagão do metrô e vazo como líquido na estação do meu bairro. Passo no mercado e compro algumas velas aromatizadas, alguns temperos e meto o pé para o apartamento. Suspiro feliz ao chegar, mas não porque tudo está limpinho e tem um cheirinho gostoso aqui, mas porque é bom entrar sem ter a sensação de que a casa não é minha e que podem me expulsar a qualquer momento. A qualquer momento. Quantas vezes fiquei sem dormir, imerso nos pensamentos de que viriam de madrugada, tirariam minhas coisas e me jogariam no Han por ser um péssimo pagador? Não era minha culpa. Nunca foi minha culpa.
Afasto esses pensamentos, pois tenho uma porção de coisas para fazer além do tteokbokki. Quero que Ten sinta-se bem comigo e posso muito bem preparar várias delícias coreanas, uma vez que sempre mostra-me a culinária francesa. Corro para a cozinha para preparar um sundae e o kimchi de última hora. Checo o horário a cada segundo, com medo da campainha tocar sem eu ter terminado o que deveria fazer. E, além disso, preciso me arrumar também. Céus, será que vai dar tempo?
Respiro fundo. Me interno na cozinha. Escuto um pouco de The Smiths, para então perceber que tenho feito isso bastante nestes últimos dias. Não são apenas músicas, é muito mais que isso. Como um significado. Eu não tenho uma receita que apenas quatro pessoas da face da Terra já provaram — ou melhor, cinco —, mas eu tenho muito amor, dedicação e carinho para dar a alguém que amo. E se suas emoções e sentimentos são postos em forma de pratos, posso experimentar isso também. Posso tentar fazê-lo entender que eu amo-o demais e estou disposto a tudo por ele.
Ele chegou de supetão na minha vida. Cheiro único, uma mistura doce que meu médico geral já me daria aquele olhar só em eu ter inspirado perto do meu moreno. Ele, de madeixas médias, óculos redondos e uma máscara como se estivesse doente. Ele nunca está doente e nem sempre há uma massuda poluição chinesa sobre nosso céu. Eu sorrio por ele ser tão esquisito e ser tão o amor da minha vida. Estou muito besta, é melhor eu focar no preparo ao invés de pensar nele. Mas não dá.
Nossos dias em Paris foram excepcionais... Qual o problema comigo? Eu deveria estar tentando prestar atenção nas minha próprias atividades, mas Girlfriend in a coma causa um pouco de euforia em mim. Gostaria de dançar Girlfriend in a coma com Ten. Não importa a tradução, eu só quero fazer isso. Que ele guie. É, ele pode me guiar por quanto tempo ele quiser. Só quero vê-lo rir. Isso acalma meu coração. Será que esse é o tal do egoísmo? O egoísmo do amor. Nossa, Ten deveria escrever um livro sobre isso.
Termino tudo mais rápido que eu pensava. Experimento uma coisinha ou outra e... Meu Deus, nunca fui de ter um ego grosso e recheado, mas devo dar um pouco de ração a ele ao reconhecer que tudo está uma delícia. Sorrio que nem um idiota, dando voltinhas enquanto canto There's a light that never goes out roçando na parede do corredor, porque aparentemente tinha cachaça na água que bebi mais cedo e agora fiquei louco. Única explicação plausível para isso, já que não bebi uma gota de álcool e de repente estou beijando a boca do meu elefante de pelúcia na minha cama.
Hoje é o dia, digo para mim mesmo frente ao espelho. Tomo uma ducha longa e repleta de detalhes. Não deveria mencionar, mas hoje bati gilete na parede, mas só porque quero me sentir bem em relação a mim mesmo e ter mais confiança. Sim, isso me dá mais confiança em relação a mim. Eu preciso disso hoje à noite.
Como a primeira coisa que fiz ao chegar foi tentar descolorir o cabelo enquanto cozinhava, agora meu cabelo está perfeito para tonalizar. E é isso que eu faço durante o This is The Smiths que o Spotify fez o enorme favor de fazer para pessoas como eu. Jesus, muito obrigado por ter posto na cabeça de um ser humano a ideia de criar uma plataforma de música, porque isso só pode ter vindo do céu mesmo.
Lambo e mordo a parede do corredor no meio do caminho para o quarto, porque de repente eu estou eufórico outra vez e não vejo a hora de Ten aparecer para comermos e dançarmos e rirmos e falarmos sobre cock ou poesia ou beleza ou sobre como ele é bonito em todas as horas do dia.
— Chega logo... — choramingo com a cara contra a parade. Eu ainda estou de toalha e nem ajeitei o cabelo, e se Ten chegar agora?
Jesus Cristo, fiquei louco. Enfio as pernas na calça jeans preta e os braços na camisa branca de botões e ainda passo um pente no meu cabelo. Após afogar-me no meu perfume favorito, olho-me no espelho e concordo com a informação de que estou completamente aceitável. Não estou muita coisa, mas eu até ousei colocar um pouquinho de uma maquiagem esquecida que achei entre minhas coisas e acho que isso mudou muita coisa. Tudo está perfeito. Tudo.
Sento-me no sofá com as mãos suando e não paro de olhar o relógio. Ele já deve estar vindo. Deve estar num engarrafamento. Deve estar num engarrafamento, né? Talvez tenha acontecido alguma obra importante e tiveram de isolar a área. Seul tem dessas. É, deve ser. Espero que sim. Será que tem algo do tipo na internet? Bem, de acordo com o Google, não está tendo nada. Então por que ele ainda não chegou? E se ele se atrasou? Ten tem dessas. Deve estar à caminho, tenho certeza. Eu tenho certeza.
— Ten, oi! — quase grito ao atender sua ligação. Meu coração saiu e depois voltou, porém todo errado e torto. Como é que ajeita isso?
— Oi, Tae — sua voz está meio abafada. Tae. Ele me chamou de Tae. Eu sorrio que nem um idiota e, oh, não sabe quão odeio-me por isso. — Tudo bem?
— Está sim, está sim. E você? — talvez eu pareça desesperado e animado demais.
— Também — sua risadinha no final me deixa todo boiola. Que saco. — Queria te avisar algo... Na verdade, me desculpar também. Tem algum problema se eu não ir hoje à sua casa?
Meu sorriso vai embora. Olho ao redor... As luminárias postas estrategicamente, as velinhas de aromatização espalhadas pela casa, tudo arrumado e ajeitado para ele. Somente para ele.
— Quê?
Acho que ele percebe a amargura na minha voz.
— Não fica assim, Tae... É só que eu vou demorar bastante aqui e não vou poder colar aí pra você. Tem algum problema?
Gasto segundos pensando no que falar. Que vou falar?
— Tem não, fica suave — sorrio para consolar a mim mesmo, mas a verdade é que sai sem cor alguma.
— Você planejou alguma coisa? Fez alguma coisa? — pergunta-me. Vou mentir.
— Não, não. Era para assistirmos um filme e pedirmos uma pizza por aplicativo, mas está tudo bem.
— Podemos fazer isso outro dia.
— É, outro dia.
— Depois falo com você direito.
— Uhum.
— Tá chateado?
— Não.
— Tem certeza?
— Absoluta.
— Tudo bem.
— Então... você não vem?
— Não, sinto muito.
— Está tudo bem.
— Tchau, então.
— Tchau.
A ligação foi embora. Respiro fundo. Respiro fundo outra vez. Depois de novo. Mais uma vez. Aperto os olhos e tiro The Smiths da caixinha de som. Encosto a cabeça no braço do sofá e fico perguntando a mim mesmo que diabos vou fazer com tanta comida. Que diabos vou fazer comigo.
Desligo meu celular, ligo a televisão e enfio um pouco de alienação na minha cabeça triste. Não foi culpa dele, mas estou chateado do mesmo jeito. Planejei tanto... Fiz tanto... Não sei com que cara vou vê-lo da próxima vez. Me sinto ridículo. Me sinto completamente ridículo por ter criado tanta esperança. Não me culpo por ter criado, mas estou bem chateado agora.
Agora é tarde. Não tem mais jeito. Não sei o que fazer. Enrolo-me numa bola e fixo os olhos na televisão. Vou dormir aqui mesmo, pois não sinto que tenho força de vontade alguma para desfazer as coisas e, caso o apartamento pegue fogo com as velinhas, é bom que apaga qualquer vestígio da minha existência. Será que Ten choraria? Oh, Zeus, olha só o tipo de coisa que estou pensando. Sinceramente, já estou cansado de mim. Estou cansado de mim mesmo.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top