você não vai sobreviver sem mim até amanhã

A pontinha da chave encontra-se com o miolo, eu empurro-a e giro. A porta se abre e o cheirinho único da minha casa me abraça, dizendo que sentiu minha falta e pedindo para que eu nunca mais suma. Eu empurro minha mala adentro com ardor, deixo-a num canto, fecho a porta e despenco no meu sofá de um falso couro que está descascando. Sem pensar, distraidamente vou arrancando as lasquinhas que namoram de longe o chão. Vou pensando aqui... Muitas coisas rondando minha cabeça...

Eu ainda sou vítima desses pensamentos ridículos, queria apagá-los da minha mente. É que sem querer me pego abraçando a almofada, pensando em quão bom seria se fosse Ten no lugar dela, eu beijando o pescoço dele e sentindo o calor gostoso da sua pele, o cabelo dele acariciando meu rosto, meu pescoço... Merda, eu amo esse desgraçado.

E em pensar que ele riu quando eu disse que amava-o e contou-me que estava admirado com minha pronúncia... Bem, isso me machucou um pouco. Acho que ele não entendeu o que eu quis dizer. Eu quis dizer que amava-o, não que consigo falar muito bem a ponto de parecer nativo.

Mas, merda, que eu devo fazer para que Ten me dê um mínimo sinal de que está disposto a ficar comigo? Talvez eu deva perguntar, sei lá. Cansei de segurar essa barra, de aguentar tudo isso. Poxa...

E a viagem foi incrível. Cada detalhe, cada dia, cada beijo, cada olhar... Tudo foi perfeito. Por mais que tenha algumas pecinhas que, honestamente, dá vontade de apagar (tchau, moço que beijou o pescoço do meu moreno e o loiro desgraçado que buscou-o no hotel), acho que tudo valeu à pena. Sabe por que é que valeu? Porque todos esses momentos me ferraram todo.

E depois de Roi ter puxado minha cama e eu ter posto o pijama da Air France (e usado um spray hidratante no rosto, a maravilha que estava no banheiro chique), eu deitei para dormir e deixei a cortina de separação aberta para observar Ten balançar os pés como se estivesse se ninando. Então eu percebi que, se eu não falar que quero algo sério com ele, eu vou me machucar. Porque é capaz de amanhã mesmo eu encontrá-lo pegando outra pessoa. E eu não estou brincando.

Vou dizer que morro de ciúmes dele, que gosto de todos os defeitos irritantes dele e que estou disposto a tratá-lo da melhor forma possível, caso aceite meu pedido de namoro. Mas se ele recusar, ainda sim irei tratá-lo da melhor forma possível, continuarei gostando dos seus defeitos irritantes e tentarei me segurar em relação ao ciúme.

É que isso faz parte e meu coração deveria estar preparado. Mas o modo em que saímos do aeroporto, feitos malucos, fugindo das fotos e perguntas irritantes dos repórteres e Ten literalmente me empurrou para dentro do carro, eu senti que havia algo em relação a ele que eu não sei bem o que é. Talvez seja loucura, compreendo esse ponto. Só que não há como evitar isso.

E ainda teve todas aquelas perguntas: "Vocês estão namorando?", "Aquelas imagens vazaram na internet ou foram postadas por você?", "Há quanto tempo vocês estão se encontrando?", "Vocês se casaram secretamente na França?"... Eu estava prestes a enlouquecer de tanta chatice da mídia e, se não fosse por Ten me empurrando, eu teria acertado a cara de alguém com aqueles microfones.

Pois então ficamos em silêncio durante o percurso, ele me deixou aqui e seguiu para a casa dele. Mas antes de eu descer, eu agradeci por tudo e abracei-o amigavelmente. Disse que estava ansioso para vê-lo amanhã, quando voltarmos a trabalhar no restaurante. Foi daí que ele brincou: "Você não vai sobreviver sem mim até amanhã". Eu ri e fui embora. Ele tinha razão.

Mas agora que estou aqui, fico até um pouco mais confortável. A última coisa que comi foi um bagulho de nome estranho lá no avião e um chá de abacaxi. Qualquer coisa, é só eu fritar um ovo ou preparar um lamen. Vou dar uma limpada em tudo por aqui.

Minha morada não é espaçosa, porém bastante organizada. Às vezes eu gosto de ligar o rádio e simplesmente escutar qualquer coisa enquanto varro tudo ou fico olhando a vida dos outros pela janela. Eu me sinto como mamãe, talvez eu seja o reflexo dela.

Tomo um banho para limpar as impurezas e me jogo na cama assim que o cansaço bate. Quando acordo, o sol está incrivelmente intenso e eu dou um salto de susto. Meu despertador não tocou e, vendo pela incidência solar, com certeza já passou do meu horário usual de levantar.

Pronto, vou chegar atrasado logo no primeiro dia após a viagem. Que incrível, não? Fenomenal. E o pior disso tudo é que pareço uma barata tonta no apartamento, correndo de um lado para o outro, tentando dar conta de tudo. Que horas são? Sabe, eu preciso comprar um celular. Assim vou poder conversar sempre com Ten e, no mínimo, acordar na droga do horário certo.

Arriscado, sei. É arriscado correr com esse joelho ferrado e correr o risco de topar o cotovelo em algo ou alguém — o que, de fato, me fará sentir uma dor infernal —, mas eu realmente preciso chegar cedo. Empurro todo mundo na entrada do metrô e percebo que mal saí de casa e já estou suando. Eu odeio ficar suando.

Felizmente eu consigo adiantar o máximo que está ao meu alcance e chego feito um louco no restaurante já aberto. Que horas são? Por que já tem gente almoçando? Era para eu ter checado isso no metrô, mas eu estava tão afobado...

— Ah, olha só quem chegou — e lá vem a última pessoa com quem gostaria de falar neste momento. O Va Te Fouder insuportável.

— Onde está Ten? Preciso me desculpar pelo atraso — sinto uma dificuldade para falar, justificada pela minha ânsia de retomar a respiração aos seus passos comunais.

— Está ocupado, não vai falar com você — ele cruza os braços. — Vá se trocar.

Eu abro a boca para protestar, porém percebo que não é uma boa ideia criar uma discussão agora. Fecho a cara e sigo para o vestiário. Me troco rapidamente e pego a caneta e a caderneta. Respiro fundo e me aproximo do demônio em forma de gente.

— Desculpe pelo atraso — digo, porque foi ele quem ficou no lugar de Ten durante a viagem e, querendo ou não, ele tem bastante autoridade aqui e ainda exerce diversas funções.

— Por que você não se curvou? — suas sobrancelhas arqueiam.

Eu juro que não estava lembrando do porquê de eu odiar tanto esse desgraçado, estava começando a pensar que não era nada de mais, que era besteira minha. Mas olha essa cara de escárnio, esse tom irônico? Esse desgraçado está tentando me provocar.

— Por que eu deveria? — encaro-o intensamente.

— Não acho que você deva pedir desculpas sem se curvar — ele dá de ombros.

Eu vou explodir.

— Pois eu acho — me viro de costas e complemento, baixinho: — E pau no seu cu.

Talvez eu tenha sido muito grosso? Talvez sim. Mas é que eu estou cheio já desse merda chato encher o meu saco com esse francês ridículo dele, esse ego inflado, essa cara de quem se acha o dono de tudo... Eu acho que, se eu tivesse a chance de dar um soco nele, eu não iria pensar duas vezes.

Pela graça do poderosíssimo Hórus eu termino essa labuta. Obviamente vou ter que fazer horas extras para compensar o atraso, então não vou me surpreender quando Ten vier falar comigo. Em falar nele, mal o vi durante o dia todo. Estava sempre apressado e, quando eu estava prestes a me aproximar, ele simplesmente sumia. Com isso, concluo que finalmente descobri a real identidade do Mestre Dos Magos.

Me encaro no espelho e faço uma careta ao afastar a franja do galo. Continua horrível. Cubro-o de novo. Aparentemente ninguém percebeu a sua existência, mas não é como se ele não tivesse saído no Instagram de Ten quando ficamos bêbados. Em falar nisso, fui vítima de fofocas aqui e isso me surpreende. Passei o dia inteiro sendo apontado no meio de cochichos e criticado também. Todos acham que agora tenho o privilégio de chegar atrasado pelo simples motivo de eu ter beijado o chefe. Como eu sempre digo, bando de desocupados.

Saio do vestiário com Ten na mente. Preciso contar tudinho o que sinto, tenho que fazê-lo uma pergunta. Provavelmente vamos ficar aqui mais um tempinho, como sempre são os nossos momentos, e eu espero ter coragem.

— Mas a questão é que o estoque precisa realmente ser reposto. Preciso ligar para... — estou escutando a voz dele e isso já me acalma. Aproximo-me de onde ele está e me surpreendo por vê-lo sentado à mesa com o Va Te Fouder desgraçado, com um monte de papéis e um notebook na mesa.

— Oi, Ten. Desculpe atrapalhar — chego junto, tímido. Nem sei o que há de errado comigo.

— Ah, oi, Taeyong — ele finalmente me nota.

— Ahn... Então... — travo no meio da frase. É claro que eles estão conversando algo sério, mas só queria saber se vão terminar logo.

— Sabe o que eu sugiro? A questão visual é totalmente importante. Por que não vamos àquela loja que você me disse, de decoração, e vemos algo inovador? — a querida cria do cão faz o belíssimo favor de ignorar minha presença.

— Hm... Eu ainda tenho o número deles... — e Ten simplesmente pega o celular e começa a fazer sei lá que merda, ele está mais focado no insuportável do que em mim.

— Ten — chamo-o.

— Diga, Taeyong. Estou ouvindo — ele passa a anotar algum número no papel.

— É que eu pensei que...

— Taeyong-ssi, você não está vendo que estamos ocupados aqui? — lá vem ele de novo me interromper. Que homem chato, francamente.

— Eu pensava que faziam isso no escritório — passo a mão na nuca e olho diretamente para Ten.

— Aqui está mais arejado — Chittaphon responde. — Boa noite, Taeyong. Volte em segurança para casa.

Por que de repente isso está doendo em mim? Hein, que droga é essa?

— Nós não vamos...?

— Eu vou estar ocupado com Jaehyun hoje — Ten finalmente fixa seu olhar ao meu. — Sinto muito.

Ah, tudo bem, pô. Eu definitivamente estou bem com isso. Claro que sim. Eles estão bem próximos, próximos demais para serem simples amigos. Eu sei que talvez seja um pequeno ciúme gritando agora, mas isso é um fato. E se Va Te Fouder se inclinar, beijar ele e Ten não recuar? Como eu fico com isso?

— Ah, tudo bem — aceno. — Tchau.

Nem sei o que acontece no meio do caminho para a minha casa. Só sei que o letreiro do ônibus é tão conhecido por mim, que nem penso muito ao entrar e despencar num dos assentos. De repente me vejo em casa e não sei o que fazer, pois está cedo demais para o horário que normalmente chego e eu estou cansado. Não fisicamente.

Bebo um café, mando uma mensagem para Doyoung para nos encontrarmos amanhã a qualquer horário. Ele diz que vai estar ocupado, mas mandará MinYoung. Eu respondo ok e saio de casa para comprar um celular pra mim. Qualquer um serve.

Durmo cedo pela primeira vez há semanas. Não sonho com nada. Pra combinar com minha vida. 

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