você não tem medo?
Agora entendo porque Romeu bebeu o veneno. Queria não ter entendido, queria continuar a chamá-lo de estúpido, patético, desocupado demais para se interessar no rabo de saia alheio e ainda morrer por isso. Mas isso foi antes, sabe? Creio que meu eu de outrora era um tanto perspicaz e inteligente, crítico em demasia, reprovador absoluto e... Enfim, importa de quê falar sobre como eu era antes dessa maldição? Aqui não tem Montecchio nem Capuleto, mas de repente aquela palhaçada faz sentido na minha cabeça. Agora eu sei porque é que Romeu bebeu o veneno.
Malmente tolero metáforas, mas esta fora extremamente charmosa e, confesso em prantos internos, nem um pouco falsa. O veneno não passara de uma simplória metáfora do próprio amor: como encaixa-se perfeitamente em nossos lábios, escorrega pelo granulado da língua, despeja-se pela garganta, desce devagar, calmamente, doce como caramelo, corrosivo, dançando pelas nossas hemácias com seu pH abaixo de 1, porém adorável ao extremo ao ponto de encantar todos os anticorpos e no fim... bem, o fim é a morte, pois coração derretido não bate. Coração derretido não toca tambor. Então caímos no chão sorrindo, com nossos neurônios, coitados, afetados, aturdidos, perdidos, apaixonados. Mas será que depois vem o céu? Sinto que já estou quase lá. Estou chegando lá.
— Então... — pigarreio, arranhando o cinto de segurança.
— Sim? — me instiga a continuar, uma vez que minha voz morrera sem nem ter o ínfimo direito à vida.
— Eu vou mesmo para a sua casa? — pergunto o óbvio, ainda incrédulo, medroso o suficiente para desconfiar de que será uma leve passada e estaremos em breve à caminho da minha queridíssima morada.
— Aonde estamos indo senão para lá? — dá-me uma lépida olhadela, porém logo ocupa-se em apresentar a seta para a esquerda.
— Sei lá — meus ombros sacodem-se, céticos — Eu achei que iríamos para a minha, depois da sua. Quer dizer, o que eu quero falar é que...
Ten ri.
— Você está querendo saber se você vai passar a noite na minha casa? — ele articula calmamente os meus pensamentos e desde já quero esconder meu rosto de vergonha. — Você quer?
É que ele sempre vem com essas perguntas: se eu quero isso, quero aquilo, aqui, acolá... Mas, sim, eu quero. Mas tenho um pouco de orgulho acumulado, misturado com a vergonha e o resultado acaba sendo um silêncio alto até escutá-lo repetir a pergunta.
— Estou falando sério. Você quer?
— É, pode ser — encolho os ombros, tímido, tentando esquecer o episódio visto no mercado. Ai, céus...
— Por que você sempre responde com "pode ser", como se fosse um "tanto faz, tanto fez"? — indaga-me, gradativamente reduzindo a velocidade, explicitando que já chegamos. Olho ao redor e meu sobrolho se ergue ao constatar que há casas chiques, imensas e muito bem planejadas. Eu nem sabia que um lugar como esse existia.
— Ah, eu... Sei lá, não sei — encolho os ombros, tirando o cinto de segurança no exato momento em que Ten estaciona.
— Porque assim você soa inseguro — ele conta calmamente, com o barulho do motor esvaindo, dissipando-se. Enfim, silêncio. Só nós dois aqui dentro.
Talvez eu seja inseguro e sorrio para disfarçar. Porque ele não precisa saber das minhas hesitações, dos meus desesperos. Eu só queria não ser tão bagunçado assim, poder conversar sem querer chorar. Mas falar sobre mim sempre me cansa. Acho que tenho aversão a mim mesmo.
— Eu não sabia que você observava essas coisas — comento, partindo o silêncio em partes isoladas e toscas. Chittaphon nunca fala antes de eu responder e eu me pergunto se somos capazes de ficar encarando um ao outro por uma eternidade, à espera de uma resposta minha.
— Eu observo várias coisas em você — Ten destrava o cinto de segurança e, por um segundo, penso que ele irá se aproximar de mim para algo mais íntimo. No entanto, ele apenas arranca a chave da ignição e abre a porta do carro.
Quando vejo-o descer do veículo e fechar a porta, deixando-me sozinho aqui dentro, sinto que essa situação é o tipo de coisa que deveria acontecer com o meu coração: Ten sair e eu ficar sozinho por lá, pra ver se eu arrumo a bagunça, desinfeto as coisas, esfrego com cuidado.
— Já chegamos — me diz, assustando-me, ao abrir a porta do carona. Ele já tirou o casaco, está com ele dobrado no braço esquerdo.
Levanto-me devagar e com calma. Estou um pouco hesitante, confesso. Mas que deveria eu fazer para evitar a hesitação, se estou um tanto nervoso para o que é que irá acontecer em breve, caso for me basear nas possíveis intenções dele? Porque eu simplesmente odeio o fato de eu ter desejado tanto algo com ele e bem agora estou com medo de, mais uma vez, ser algo líquido sem significados. Eu amo ele. Ele me ama?
Sei, não deveria cobrá-lo o mesmo que tenho por ele. E não vou. Mas não dá pra simplesmente esquecer que, se eu fechar os olhos e pensar que estaremos namorando em breve, com dois filhos e um cachorro, eu vou sair frustrado, pois meus planos — minhas idealizações e paranoias — serão estraçalhados. Eu sinto que não devo confiar cem por cento nele. Na verdade, estou esperando a resposta dele. Quero namorá-lo, afinal de contas.
Ten pega a mochila de ombro cor marfim de tira grossa, joga-a atravessada ao corpo, bate a porta, trava o carro. Com suas pernas mais curtas que as minhas, caminha rapidamente para a entrada de uma das casas estranhamente padronizadas daqui. A sua tem uma cor leve e amena, um azulzinho desbotado, o tipo de cor que se acha uma vez só, numa paleta de cores, para nunca mais. Detalhes em madeira e arquitetura moderna. Bela casa, Ten, bela casa.
Sigo silenciosamente, talvez fingindo que estou acostumado com tamanha beleza. Ele enfia a chave no miolo e gira. Quando a porta se abre, o cheiro único da casa dele apresenta-se assim: de supetão, gracioso, com calma e ternura para, enfim, fazer-me perceber que é o mesmo aroma que emana do corpo à minha frente.
— Nossa, estou exausto! — exclama ao ligar as luzes, esfregando os dedos da mão direita na própria nuca, como se massageando-a.
— Está sentindo dor no corpo? — quero saber, assim que a porta é fechada atrás de mim.
— Sim, mas eu vou tomar um relaxante muscular — e lá vem ele com seus remédios outra vez. Queria fazer com que ele parasse de tomar essas coisas para se sentir bem.
Mas eu não falo, como sempre. Talvez eu possa oferecer uma massagem, não sei. Naquele dia ele gostou, ajudou-o bastante. Pode acontecer o mesmo hoje. Acontece que estou meio pombo, apenas observando o que vai acontecer. Desculpa.
— Eu vou encher a banheira — conta-me ao pedir, com um gesto, minha jaqueta. Ele pendura-a ao lado da dele e encaminha-se para algum cômodo.
Sozinho na sala, aproveito para dar uma olhada em tudo por aqui. Tudo organizadinho e bonito. Duas telas de arte contemporânea. Eu observo um pouco, notando quão único é seu gosto artístico, sendo que ele todo é pura arte. Evito pensar no preço, deito os olhos no longo sofá que percorre a sala de estar. Penso em sentar por um segundo, mas fico quieto mesmo assim. Não entendo meus próprios motivos, é difícil não se conhecer. Engulo em seco ao virar-me para o aparelho televisivo de tela curvada. Grande, assim como meu amor por ele.
Infelizmente sou cria do capitalismo, olho dinheiro em tudo e não consigo parar de pensar sobre os possíveis valores de cada peça, cada detalhe da sala. Já estava desistindo de dar uma olhada, quando minhas pupilas se dilatam com o branco e enorme instrumento presente bem do outro lado, perto da janela, quase escondido entre as cortinas cor de capuccino, quieto, imperceptível, tímido.
— Você vai tomar banho comigo? Se não, eu preparo uma banheira para você — Ten aparece na sala de repente, praticamente nu superiormente. Eu não sabia que ele iria desabotoar metade dos botões do peitoral e todos do pulso. Eu realmente não estava preparado para vê-lo assim tão sensual. Mas isso é coisa da minha cabeça. Deve ser.
Acontece que não quero parecer desesperado para tomar banho com ele, mas também não quero dar trabalho a ele (como sempre faço, desde que o conheci).
— Não se preocupe com isso. Se você quiser companhia no banho... — deixo o silêncio concluir a oração e engulo em seco.
— Ah, então está tudo bem — ele sorri para mim, e sinto meu coração remexer-se internamente, eufórico, excitado, pronto para pular à segunda camada, pra fora do meu peito, encontrar-se com o coração dele e juntos unirem-se para uma valsa sem fim. — Então... Está com fome? Tem alguma preferência para o jantar?
Quando Ten começa a caminhar rapidamente à cozinha, eu me pergunto quando é que ele vai deixar de se importar com a minha alimentação meio conturbada. Eu gostaria que ele ligasse mais para outras coisas também. Tipo meus sentimentos.
— Eu não janto, Ten, você sabe disso — sigo-o hesitante, sem saber se tenho permissão para tal. Encontro-o separando alguns ingredientes. Eu deveria impedi-lo.
— Mas você sempre janta quando está comigo e eu não quero que fique com fome — com seus dedos ágeis, ele agarra uma das facas que, ao meu ver ignorante, são iguais, e passa a cortar uma porção de coisas tão rapidamente que meus olhos nem conseguem acreditar.
Jesus, é mesmo real isso? Como é possível cortar tão precisamente e de uma maneira tão lépida quanto essa? Porque toda vez que eu pisco, de repente ele já está cortando outra coisa e termina em questão de segundos. Ele faz em segundos o que eu levaria dez minutos, no mínimo, para fazer.
— Você não tem medo de se cortar? — preocupo-me, já imaginando quão horrível seria se essa faca deslizasse só um pouquinho para o lado e tocasse seu dedinho amável.
— Quando se pega o jeito, não — joga tudo numa panela, antes posta com azeite, e liga uma das bocas do cooktop chique dele. Você tem um desse? Eu não tenho um desse.
— Mas pode ser que aconteça, né? — fico vidrado em como ele cozinha com cuidado e dedicação. Algumas etapas são realmente lentas.
— É, sim — por baixo da franja longa, encontro seus olhos perfeitinhos me avaliando. — Você nunca viu alguém cozinhar?
— Eu nunca te vi cozinhar sozinho — conto. — Então essa é uma novidade. Ah, hyung, fica longe do óleo para não respingar em você!
— Que besteira, Taeyong! — ele ri. — Você é muito bobinho.
— Não sou, não — cruzo os braços e faço cara feia, para ver se assim ele me leva a sério. Mas nem adianta.
— Que fofo! — ele voltou a me chamar disso, então reviro os olhos, mesmo envergonhado. — Fica de olho aqui. Daqui a pouco volto.
Ele sai por uns instantes, mas volta com as mãos molhadas e assume outra vez a comida. Fico à espreita, escondido à sua sombra, acompanhando com os olhos a leveza com que executa o ofício. Ele sabe de cor todos os ingredientes, passos e ainda tenta me explicar. Diz que há facas diferentes para diferentes funções. Nada de cortar carnes com facas de legumes e que esse é o maior erro das pessoas. Diz que sal é perigoso e que precisa-se de muita experiência para medi-lo com exatidão. Eu apenas concordo, porque amo a voz dele e ter o prazer de escutá-la interrupta me traz uma sensação de paz e afago.
Eu solto alguns gritos bem agudos, mas eu confesso que foi sem querer. Mas ninguém me disse que frigideira iria pegar fogo e Ten, lindíssimo que só ele, iria estar bem pleno mexendo o frango com o tempero. Eu nunca teria essa naturalidade. Pensava que isso só existia em filmes.
— Você não tem medo? — falo, assustado, atrás dele e segurando-o pelos ombros.
— Por que eu teria? É divertido — seu rosto vira-se na minha direção e noto quão próximos estamos. Posso sentir sua respiração. Ou será o bagulho pegando fogo?
— Credo, que gosto esquisito para diversão! — rio e aproximo-me mais dele, uma vez que consigo interpretar a sua expressão. Ele está me dando uma brecha.
— Mas eu também gosto de outras coisas... — o tom de voz dele muda completamente e, agora que a ambiguidade reina, não sei se estou louco ou é real. Talvez ele esteja brincando.
— Tipo o quê? Carne bem cortada, salada em cubinho e tomate cereja...? — finjo que não capturei algo pairando no ar e deixo-o ocupado por uns instantes, terminando o preparo e finalmente apagando o incêndio na comida.
— Também — ele sorri e afasta-se do cooktop, como se estivesse me dando lugar. — Tente, Taeyong.
— Ah, não vai prestar, querido — me afasto, mas ele me implora com o olhar para que eu tente. Enfim, seguro a alça e tento mexer, jogar ao ar e conseguir pegar os pedacinhos outra vez.
Respiro fundo e tento uma vez só. Felizmente, Ten segura a minha mão e me guia ao êxito. Eu ficaria feliz se estivesse realmente focado no que estou fazendo, mas é que sentir Chittaphon grudado a mim dessa maneira me tira toda a concentração.
— Eita, alguns escaparam! — avisa-me, na minha segunda tentativa, a qual eu deveria estar prestando atenção. Mas, poxa, não tem como. Ten está muito próximo! — Você tem que ficar com os olhos atentos. Eu sempre errava antes, mas com o tempo fui pegando o jeito. Na verdade, Taeyong, cozinha é pura prática.
— Então já pratiquei demais por hoje — sorrio para deixar evidente o fato de eu ser péssimo na cozinha e não querer estragar a refeição. Ele apenas abana a cabeça e desliga o cooktop.
É com a pontinha do dedo que ele agarra um pedacinho do frango e assopra-o com cuidado.
— Abre a boca — me pede. Eu fico uns segundos parado, olhando para ele e admirando quão bonito ele é com o cabelo escorregando pelo rosto e nuca, um pouco volumoso. — Estou falando sério.
Abro a boca e ele finge que vai me dar o frango, mas a verdade é que ele vem me beijar. É tão repentino que acabo me assustando e dando um passo para trás, encostando-me no balcão. Sua respiração está alta, como se tivesse subido incansavelmente inúmeros degraus de escadas. Ou talvez porque estamos lentos demais e ele inclina a cabeça para o lado, conhecendo todos os meus átomos, meus prótons ou qualquer outra coisa que forme meu corpo.
É isto, eu não sei como reagir de maneira diferente. Eu nunca saberia como fazer outra coisa que não fosse abraçá-lo pela cintura. Ele beija tão bem! Me mantém sob o controle, ele mesmo me guia. Nessa altura do campeonato não sei em que raios o frango foi. Mas sei que sua mão arranhando levemente minha nuca faz tudo ser muito, muito bom. Isso é tão bom...
Rompo o contato, tentando pensar racionalmente. Eu não quero dar muita corda a isso. Porque, e se...? Bem, acho que compreende-se como acabaria.
— Que foi? Estou com gosto de BB Cream? — indaga, brincalhão, com um sorriso despreocupado estampando o rosto.
Deixo três selinhos rápidos na boquinha gostosa dele e puxo-o mais perto.
— Você nunca tem gosto nem cheiro de BB Cream — respondo. Ten joga a cabeça para trás e ri. Dessa vez a "pequena dica" foi óbvia demais. Mas não vou dar o que ele quer.
Fala sério, se eu beijasse-o no pescoço, provavelmente haveria mais que respirações altas como resposta. Então eu arrancaria a camisa dele e depois disso não teria volta. Não importaria se fosse na cozinha, na sala ou quarto... Eu me conheço e conheço-o também. Porque ambos estamos loucos para ter um ao outro, mas sempre que um dá um passo, o outro recua. E vamos vivendo assim.
— Vou ver isso como elogio — o sorriso dele fica um pouco mais fraco, após perceber que não irei fazer o que quis que eu fizesse.
— A comida está pronta? — desmonto o abraço e afasto-me de Ten. Ele coça os olhos e pega o pedacinho de frango do balcão. Ah, agora está explicado.
— Uhum — meu amor balança a cabeça, concordando.
Aproveito sua distração para atacar a orelha dele, como sempre faço, com uma mordida amigável. Ele solta um gritinho e me bate no braço, enquanto eu rio.
— Que saco, Taeyong! Para com isso! — ele grita, rindo. Mas eu sei que ele gosta quando faço isso.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top