você não precisa fugir de mim

Meu despertador está tocando cedo e eu me levanto com demasiada lentidão. Escovo os dentes depressa, tomo um banho gelado e me visto de qualquer jeito. Uma xícara de café e já estou pronto para o trabalho. Minha cabeça está um pouco eufórica, deve ser por conta do vinho da noite anterior. Ah, mas que droga de noite.

Pegando duas linhas do metrô consigo chegar no restaurante cedo e ajudo todos na organização. Não é um horário cedo o qual abre, mas para mim qualquer horário antes do meio dia é cedo. Culpa do desemprego, não meu. Os programas da madrugada são mais atrativos e eu dormia praticamente o dia inteiro.

O dia corre bem, felizmente. Não encontro Ten circulando para lá e pra cá, não o encontro no parque reclamando comigo e isso me reconforta de uma maneira indescritível. Foi imprescindível minha atuação de quem não está vendo ninguém de interessante e o modo o qual virei o rosto das poucas vezes que me deparei com ele na cozinha. Parece que está louco de nervoso por conta do primeiro crítico que virá daqui a três dias e anda praticando em excesso. Foi o que ouvi dizer.

Eu não me importo com isso. É segunda e todos odeiam a segunda, inclusive eu. Prefiro escutar todos reclamarem disso do que as fofocas chatas sobre a vida profissional e pessoa do chef. Estou pouco me lixando pra quem será o crítico da quinta ou qualquer que seja o xampu dele. O pessoal parece até desocupado por aqui, enquanto eu só vivo calado e cheio de tarefas. Não vejo a hora de tocar no meu dinheiro, sinceramente.

— Taeyong-ssi — estou de saída para casa quando o estrangeiro metido me faz parar. Ainda por cima está usando um honorífico, estou surpreso. Eu nem queria que ele me visse.

— Ah, oi — me viro na sua direção e me despeço de alguns funcionários que também estão de saída. — Precisa de algo?

— Sente-se aqui, por favor — ele arrasta uma cadeira para eu sentar. Estou hesitante, mas deixo minha mochila num canto e me sento de uma vez. — Eu não vou fazer nada com você, só quero que prove um prato.

— Ah, não, não — me levanto, pego minha mochila e me preparo para sair. Não quero ficar aqui, ele está me sufocando com esse papinho dele. O sotaque é tão fofinho que chega me engana, but not today — Eu já disse que vou te pagar, fica suave.

Nem sei quando começamos a falar informalmente, porém nem vem ao caso mais. A questão é que ele me assusta e, de algum modo, isso me parece história pra boi dormir. É tão bonito, mas é implicante e insistente. Chato.

— Por favor, não vai ser uma troca. Estou treinando duro, sabia? Só estou te pedindo um favor — de alguma forma, isso me convence e então eu me sento. — Você não precisa fugir de mim, Taeyong.

Respiro fundo enquanto espero que ele traga esse tal prato. Quando Ten aparece, fico com água na boca para provar. Já vou logo provando antes mesmo de escutar o nome e nem presto tanta atenção à isso. Ele me observa com um fascínio no olhar.

— É bom — dou um feedback logo de antemão.

— Não ligo para as suas palavras — isso soa ríspido, daí me lembro que ele sempre é assim. Poderia ser mais delicado. Ten é a prova viva de que nada é perfeito.

— Ok, monsieur — andei treinando meu francês. Acho que ele vai adorar isso.

— Sua pronúncia é igual a um tolete de bosta — seu comentário me enfurece.

Me engasgo na hora. Esse filho da mãe está pensando o quê? Só porque morou sei lá quantos anos na França acha que pode falar de mim? Quanto tempo ele está na Coréia? Parece dias, já que a pronúncia está toda embaralhada e seu sotaque não combina nem um pouco com o coreano.

Tusso incontáveis vezes e olho-o com raiva.

— Que você disse? — meu punho se fecha ao redor do garfo.

— Foi uma comparação. Sua pronúncia é péssima, quase não entendi — por acaso esse cão está se gabando?

— Oi? Tem como você repetir? Você falou muito embolado, acabei não entendendo. Juro que me esforçarei para compreender — abro um sorriso falso misturado com uma falsa gentileza — E você nem é francês.

— Poderia — Ten dá de ombros e isso me irrita — Você saberia de onde sou, caso soubesse o meu nome completo.

— Como se eu quisesse saber — rio e arrasto o frango no molho. Não tardo a enfiar na boca e notar a expressão focada vinda dele.

— Sal demais? Mal temperado? — ele pega um bloquinho de anotações e me espera responder. Ele percebe cada tracinho da minha expressão, nem sei se eu transpareci realmente isso. Deve ta de hack.

— Sal — respondo — No frango.

Ele anota alguma coisa em francês que eu não tenho a mínima ideia do que seja e eu volto a comer. Nem sei se somos amigos ou inimigos, talvez estejamos no muro. Ele afasta a franja do rosto e vira a página, indo escrever alguma coisa. Depois ergue o bloquinho e me apresenta o que deve ser o nome completo dele.

Descarto a China, Japão, E.U.A e Canadá. A Rússia também não deve ser, mas vai que é um nome latino? Ah, com certeza não deve ser. Hm... Já sei! Vietnã, é claro!

— Vietnamita? — eu suponho.

Ten prende a risada por um único segundo, porém acaba por soltá-la veementemente e eu só consigo derreter diante do seu rosto lindo num ataque de riso. Dou de ombros e termino de comer enquanto assisto-o socar a mesa sem controle algum.

— Repita comigo: Tai...

— Tailândia?! — parece que eu acerto, porque ele sorri e se recosta na cadeira.

Eu suspiro satisfeito e mordo meu lábio inferior. Ele ainda está nessa parada de estar disposto a conversar comigo e eu não confio muito nele para liberar coisas da minha vida. Se já não basta saber demais através da entrevista de emprego, ainda devo dizer mais? Tenho medo dele.

— Chittaphon é a pronúncia certa — me ensina ao pegar-me confuso diante da pronúncia.

Faço beicinho para conseguir facilmente a pronúncia do seu sobrenome, mas não funciona assim de cara. Ele não vai me dar de bandeja antes que eu tente.

— É simples — ele diz — Desse jeitinho mesmo.

Faço cara feia.

— Não é bem simples. O "ch" pronuncia como "x" ou... — paro de falar porque ele começa a rir outra vez e isso me faz parecer um idiota. Que ótimo ele estar rindo da minha cara. — Para com essa merda, Ten.

A essa altura não me importo se estou xingando e falando informalmente com o meu chefe, pois foi exatamente ele quem começou com essa parada de aproximação e xingamentos. Eu nem me importo muito com isso, mas eu espero que ele não esteja ofendido. Caso esteja, foda-se também. É só eu arrumar minhas coisas e dar no pé, uma vez que nunca quis estar aqui mesmo.

— Não estou rindo de você, bobão — bobão? Falando essa palavra fica óbvio que está rindo de mim. — É que você me fez lembrar do meu primeiro dia na França...

Ah, que maravilhoso. Agora ele não vai parar de falar sobre quão incrível, mágica e bela foi a sua vida na França. Vai me dizer que o Arco do Triunfo era como sua segunda casa e que via a Torre Eiffel exatamente todos os dias, porque o ônibus que levava-o para casa pegava aquela rota e seu telefone está bombardeado por fotos que ele mesmo tirou de diversos ângulos e blá blá blá... Ai, eu estou mesmo sendo pago para isso?

— Exatamente ninguém sabia falar o meu nome — ele continua — Então eu pedia para ninguém tentar e somente me chamar de Ten mesmo. Sempre sabiam que era eu.

— Woah... Epic — meu tom de tédio acaba por evidenciar meu sarcasmo.

Ten me olha com atenção por um longo período de tempo. Meus olhos nem estão nos seus, eu apenas estou inutilmente passando o olhar pelo menu sobre a mesa e pensando em quando é que ele vai me deixar ir.

Sendo sincero, eu não sei o porquê do meu medo e aversão a Ten. É só que ele é assustador desse jeito. Sua voz é calma, doce e delicada. Seus traços são meigos e adoráveis. Ele é menor do que eu e suas mãos são menores que as minhas. Ele rindo é uma gracinha e sua pronúncia é engraçadinha.

Só que tem todo esse ar imponente, como quem fosse pisar em qualquer um que aparecer-lhe à frente. Esse jeito que faz parecer que ele sempre tem razão em tudo e ninguém deva refutá-lo. Às vezes ele me parece manipulador e quer tudo — exatamente tudo — do jeito dele. Uma decoração, modo de falar, como se portar... Tudo tem que ser do seu jeitinho. Ninguém abre nem a boca, esse é o porquê de eu nunca ter visto-o enraivecido de verdade por alguma coisa. Não, ele não é mimado. É elegante e exigente, mas não quer dizer que vai dar um show somente porque tudo saiu ao contrário do plano. Ele é exigente para evitar planos B's.

É por isso que tenho medo: talvez ele queira controlar minha vida e me pôr na linha, colocar-me na sua caixinha e tentar arrumar minha bagunça, ditando o que devo ou não fazer e por quais caminhos seguir. Ten vive no plano A, eu já estou no plano F. Eu não quero que ele me mude, ainda que eu precise mudar. 

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