você não me parou por quê?
Pela claridade da janela vejo um mundo novo, uma segunda chance. Às vezes utópico, outras vezes presente. Mas sempre futuro, distante, acolhedor e quente. Como um pássaro crescido que voa livremente em cada canto do globo em busca de um lar. Lares não são lugares, lares são peitos, são cheiros, sentimentos. Lares são almas.
Chamo de lar o que meu fogoso tato enxerga como macia, delicada e afável a tez que minhas mãos percorrem ao buscar identificar onde estou. Chamo de lar o que minha detalhista visão conclui quando abro os olhos e vislumbro traços delicados e bem desenhados, como se Deus estivesse inspirado, apaixonado, quando fê-lo assim.
Chamo de lar o que meu olfato diz ser genuinamente o odor unicamente mais agradável que se há na face da Terra — e também, acrescenta ele, convicto, não só na face, mas também em todo seu interior, átomo por átomo. Eu chamo de lar a melodia amável que minha audição capta pelas vibrações das ondas, um resmungo num humor deplorável proferindo o meu nome como uma maldição, alegando que grudo muito, toco muito, me aconchego muito. Meu sexto sentido é sorrir. Meu sétimo, é a dor. Algo dói no meu peito.
— Tira, tira — eis aqui um gemido de agonia, reclamão, seguido de braços empurrando-me longe do corpo de incidência.
Mas eu quero abraçá-lo forte, isso é um problema? Às vezes quero apertar sua mão tão forte a ponto de nossos ossos se encontrarem. Mas e que cheiro é esse, querido Rá? Muito bom, muito bom.
— Para de me cheirar — sua mão atinge minha cabeça e daí vem uma dor infernal diabolicamente localizada na minha testa.
Ponho a mão na região da dor e me assusto com uma montanha que estou sentindo. Parece um chifre! Um chifre! Que que eu fiz para merecer isso, honestamente? Tudo bem que não sou a melhor pessoa do mundo, mas existem milhões e milhões bem piores que eu por aí e elas bem que mereciam ter um chifre na cabeça, porque eu com certeza não mereço.
— Ai, Deus... — sento-me na cama com a mão na cabeça e tateio a coisa esquisita na minha cabeça. — Que é isso aqui?
Ten se senta, olhando para mim com as pálpebras inchadinhas e uma banda do rosto totalmente vermelha. Seu cabelo está todo bagunçado e as mechas que deveriam estar cobrindo o seu rosto, de repente decidiram brincar de voar.
— Ah, é o seu chifre — ele responde num tom como se já conhecesse muito bem a história. Gente, como foi que essa coisa veio parar na minha cabeça? Quando foi isso?
— Ah, obrigado, Chittaphon — respondo ironicamente e, quando vou tentar me levantar e ir ao banheiro checar a desgraça, meu querido joelho esquerdo falha e eu me estatelo todo no chão. — Agora é o meu joelho que está fodido!
— Não grita, idiota — ele reclama, pondo a mão na cabeça e noto pelas suas feições o sentimento de dor. Ele deve estar ótimo, né? Porque não é ele que está com um chifre na cabeça e um joelho problemático para lidar. Parabéns, Ten.
— Tem um hematoma no meu joelho, hyung! — olho diretamente para a mancha esquisita e colorida no meu joelho esquerdo. Eu juro que vou chorar agora.
— Hyung? Por que você me chamou de hyung? — Ten aponta para o próprio peito, me olhando como se eu estivesse ou fosse louco.
Desculpa se eu não estou bem e queria um hyung ou um ombro pra encostar o meu chifre enorme e chorar por uma pequena eternidade.
— Eu não sei porque te chamei de hyung, hyung! Eu não sei por que meu corpo está esquisito hoje, parece que eu caí do vigésimo andar de um prédio ou eu morri! Até minha bunda está doendo! — choramingo e, era para ser mero drama, mas as lágrimas realmente caem e eu enfim percebo quão senti falta de chorar. Faz tempo. Acho que foi necessidade.
— Real? — Ten se assusta, vindo na minha direção. Me perdi nas tantas coisas que falei.
— Quê?
— Dor na bunda.
Bem, ele deveria saber que às vezes eu sou meio dramático e exagero as coisas. Eu gosto de trazer algo grandioso numa besteirinha, vai que assim inventamos valores grandes nessas pequenas coisas. Ou talvez eu esteja louco por atenção.
— Não — enxugo minha bochecha com as costas das mãos.
— Ah, que bom — deita-se na cama, suspirando cheio de alívio, espreguiçando-se com preguiça.
— Por quê?
— É que ontem você não parou de me convidar para passar a noite num motel, Taeyong — ele me conta e meu queixo vai ao chão de incredulidade. — Eu neguei inúmeras vezes, mas ouvir você falar isso me fez pensar se eu não tenha aceitado sem querer.
Eu? Lee Taeyong? Eu não tenho nem vergonha na cara, quanto mais coragem de convidar Ten à um motel. Cruzes, eu nunca faria isso. Não é um feitio comum meu, não é algo que eu faria no meu estado natural. Se isso realmente aconteceu, então volto para reafirmar a afirmativa: eu e bebida somos como água e óleo.
— Ah, não creio — enterro o rosto nas minhas mãos e permaneço no chão, esperando Ten jogar o resto da bomba. — Você se lembra de tudo?
— Acho que não, sei lá — suspirando, Ten se levanta e começa a procurar alguma coisa. — Mas eu lembro como você conseguiu o chifre e mais ou menos o lance do joelho. Acho que você caiu de alguma coisa.
Que incrível eu ter caído, né? Que incrível, fabuloso, sensacional. Deixei vergonha na cara e dignidade no chão também, pelo que estou vendo. Eu nunca me meto nessas coisas, e então do nada meu joelho decide me largar na mão e cresce uma árvore na minha cabeça. Estou parecendo aqueles personagens esquisitos de Hora de Aventura.
— Eu acho que essas coisas que acontecem de noite, deveriam ficar por lá. Se caí e sofri ontem, tudo bem. Só não acho que o meu eu de hoje deva sofrer as consequências daquele Lee Taeyong irresponsável do dia catorze — reclamo resmungando e cruzo os braços com indignação.
— Ontem não foi catorze — Ten me olha assustado e desde já consigo entender que alguma merda aconteceu ou está para acontecer. — Com certeza não.
— É, sim, hyung — respondo.
— Para de me chamar de hyung, Taeyong! — afobado, revira todas as nossas roupas jogadas no chão e acha o próprio celular no bolso da minha calça. Eu não sei o que ele estava fazendo ali e confesso que tenho medo. — Puta merda!!
— Que houve?
— Perdemos o voo — esse moreno lindo maravilhoso despenca na cama, com o celular praticamente na cara e uma expressão de raiva e decepção.
— Mas não era hoje, senão você teria avisado com antecedência.
— Porra, é claro que eu teria avisado com antecedência se eu tivesse lembrado dessa porra! — nossa, ele está bem puto e levanta bem puto e se tranca bem puto no banheiro.
Esforçando-me com enorme precisão, pego-me tentando levantar do chão, me apoiando na cama e ousando dar alguns passos com a perna ruim. A noite anterior me é um borrão, como se alguém tivesse passado o apagador num quadro onde havia coisas importantes. Só queria lembrar do momento exato em que machuquei meu joelho, porque agora estou capengando e só consigo andar com ajuda de alguma mobília ou a parede.
— Meu Deus, o sanitário está empesteado de vomito! — Ten sai correndo do banheiro com a mão na cabeça de preocupação.
— Ten, me deixa te chamar de hyung, por favor! — imploro com olhos marejados, mas só porque estou com muita dor no joelho e todos os músculos do meu corpo decidiram que me odiariam a partir de hoje.
— Tudo bem, tudo bem. Foda-se essa merda — ele tenta respirar fundo. — Hoje é quinze, Taeyong. Duas horas da tarde. Nós dormimos a manhã inteira, inteira... Ah, eu preciso de um remédio senão eu vou surtar!
— Quem está surtando sou eu, seu boboca! Poxa, Ten, meu joelho ta parecendo um arco-íris e aposto que esse galo na minha cabeça também — reclamo.
É complicado ter que lidar com uma ressaca infernal e, de bônus, uma dor infernal na cabeça e no joelho que, por ironia do destino, não está respondendo prontamente aos meus comandos. Se eu chorar, não vai ser pouco. Ten deveria parar de pôr seus problemas e preocupações na frente das minhas coisas, porque se eu realmente tiver algo sério, o que é um voo perdido ao lado de um joelho quebrado e um traumatismo craniano?
— Você caiu porque você quis, deveria ter parado — agora ele decide pôr a culpa em mim, como se eu estivesse completamente sóbrio e ciente das merdas que fazia.
— Eu estava bêbado! E você não me parou por quê? — eu estou com raiva, porque ele vai começar a jogar a culpa em mim e eu não quero e não devo lidar com isso. Sabia que essa viagem não ia dar certo.
— Talvez porque eu também estava bêbado?! — ele sorri ironicamente e então percebo que ambos humores estão horríveis para uma discussão no momento. — Ah, quer saber? Eu já dei descarga, Taeyong. É melhor você entrar no banheiro e ir tomar um banho.
— Ótimo!
— Ótimo!
Fecho a cara, puto da vida, e decido procurar roupas para vestir. Enquanto separo meu outfit, percebo que Ten está ligando para alguém. Ele avisa que demoraremos a voltar porque perdemos o voo que era para as 9:30hs e, como já estava quase dando duas da tarde, poderíamos arranjar um lá pela noite ou no dia seguinte.
— Sabe o que eu acho, hyung? — me aproximo dele, mesmo sabendo que ele ainda está no telefone. — Que deveríamos ficar mais um pouco aqui. É um sinal.
— Taeyong deveria ter te lembrado disso — escuto a voz do Sr. Va Te Fouder do outro lado da linha e só o fato de ele proferir meu nome como se fosse obrigação minha ser capacho de Ten, meu sangue borbulha.
— Taeyong não sabia — Ten responde, felizmente, me defendendo.
— Ah, em falar nisso... Você já entrou no seu Instagram hoje? — escuto-o perguntar, mesmo que a ligação esteja meio ruim.
— Instagram? O que meu Instagram tem a ver com isso? — Ten engole em seco.
— É que vocês tiveram uma noitada ontem, não foi? — o tom dele não me agrada. — Acho que todos os seus seguidores sabem do que teve ontem e inclusive o que há entre você e Taeyong.
Meu rosto congela. Meu. Deus. Do. Céu. Eu espero que esse filho da puta esteja mentindo, eu estou rezando para que sim. Eu não quero que minhas suspeitas sejam reais, elas não podem ser. Se por algum acaso, alguma coisa da noite anterior — porque eu sei que aconteceu muita merda ontem — vazar na internet, isso vai ferrar com a imagem de Ten. Que vergonha.
— Você está falando sério? — Ten pergunta, incrédulo e com olhos arregalados. Ele sabe mais de ontem do que eu.
— Sim. Olha, eu vou desligar e depois falo contigo. Não se preocupe, eu estou cuidando muito bem do restaurante. Bye, bye — o filho da mãe desliga, como quem fugindo da surra da mãe após ter lançado a bomba.
Chittaphon tem dedos ágeis ao abrir o aplicativo mencionado e, enquanto me posiciono ao seu lado com o intuito de melhorar meu campo de visão, uma foto sua sorrindo para a câmera enquanto eu viro uma garrafa de vodka aparece e eu praticamente tombo para o lado de desespero. Isso foi ontem, pois estamos usando as mesmas roupas que estávamos ontem. Quer dizer, no caso de Ten, mais ou menos. Tem tantos botões abertos que nem parece que ele está usando roupa.
— Que porra é essa? — balbucio, claramente impactado com a situação. — Como isso está no seu feed?
—Eu sigo minhas principais fanpages — finalmente Ten fala algo, porque ele estava olhando para a foto como se não estivesse acreditando na existência dela.
— Por que você teria fanpages?
— Taeyong, você nunca assistiu a esses programas de culinária, não? Eu fui até jurado de um programa coreano de sobrevivência — ele me explica resumidamente seu currículo como se eu tivesse a total obrigação de saber. Eu não vivo a base de Google, querido, e nem assisto muito televisão.
— E isso te torna famoso?
— Eu fui convidado a participar de dois episódios de um drama — ele revira os olhos. — Aposto que você não assistiu.
— Eu não acompanho muito, me desculpa! — dou língua para ele, porém sei que vou procurar o tal drama e assistir somente a sua participação.
— Tanto faz — ele resmunga e vai direto ao próprio perfil. — Opa, eu não me lembro de ter gravado stories...
— Essa porra só piora... — aperto a roupa que separei contra a minha barriga e quase grito de vergonha quando começa a sessão terror nessa maldita tela.
Agora finalmente está explicada a dor no meu joelho, meu hematoma horroroso que pinta tudo como se a alva pele do meu corpo fosse algo a ser abominado. Eu não queria que tivesse sido daquela maneira, mas a verdade é que sinto tanta vergonha de mim mesmo que a única coisa que quero fazer é me esconder e nunca mais pôr a cara no sol, principalmente para Ten. Eu não quero que ele olhe para a minha cara depois desse vídeo.
Foi tão vergonhoso o jeito como eu estava dançando, olhando para Ten, seduzindo ele e dizendo aquelas coisas como se não fossem nada. Vendo esse vídeo agora eu percebo o quão horrível e estranho sou eu fazendo esse tipo de coisa. E Ten não me disse para parar em momento algum, ele me incentivava toda hora..
E quando eu pus a mão na coxa e deslizei-a sensualmente até a genitália, o desgraçado do sobrenome esquisito simplesmente deu zoom exatamente no lugar onde minha mão estava e sussurrou um "que gostoso" que, embora a música estivesse muito alta, o fato do microfone do aparelho estar perto dele deu muito bem para sair no áudio no vídeo. Bem até demais e agora eu estou nervoso.
E foi justamente depois dessa parte que eu decidi andar pelo balcão, escorreguei e caí. Meu joelho bateu no balcão e eu despenquei no chão como se estivesse atraído por ele. Ten gravou meus primeiros momentos aturdido e até mesmo o exato segundo em que eu comecei a chorar feito criança.
E se isso não é o suficiente, o próximo vídeo me faz tremer. Neste estamos nos beijando como se desconhecêssemos as probabilidades do amanhã acontecer, ou talvez porque de fato ficamos a pensar que talvez estivéssemos num motel. Porque é também nele que eu desço calmamente e beijo o pescoço de Ten e ele geme manhoso — como eu não me lembro disso? —, daí o vídeo tem fim e eu agora estou rezando, porque o final é uma dádiva divina.
— Meu Deus... — Ten põe a mão no pescoço e me impede de dar uma olhada para ver se há alguma marca. — Essa é a maior vergonha da minha vida!
E não tem fim esse caralho. No próximo eu estou virando uma garrafa na boca e Ten bate na mesa e me incentiva. Ele ri quando eu desisto de continuar e ainda me beija. No outro vídeo nós estamos dançando e Ten nos grava cantando a música. E então ele passa vídeo por vídeo e, em resumo, todos são vergonhosos e eu nem sei o quanto nos beijamos na noite anterior. Eu gostaria de me lembrar só disso.
— Eu vou excluir tudo isso — anuncia Chittaphon e eu nem estou surpreso com isso. E quem me dera a desgraça estivesse feita apenas nos stories, porque o feed de Ten está encharcado de fotos minhas e ele rosna de raiva por isso.
— Ei, olha esse comentário — aponto para o comentário numa foto que estou sorrindo com um copo de alguma bebida rosa na mão. — Me acharam bonito e fofo, Ten.
— Só quando está bêbado — ele reclama com a cara fechada.
— E você é um tonto! — dou uma cotovelada fraca no abdômen dele. — E insensível.
— E daí que você é bonito? Não aja como se não tivesse consciência... — ele faz um biquinho revoltado e continua deslizando entre as imagens aleatórias que eu postei enquanto estive com seu celular. Credo, tem foto até do meu tênis.
Pela cara dele, com certeza não está só irritado. Quer dizer, essa não é a cara que ele faz quando está irritado, preocupado, estressado ou tudo isso junto. Será que ele está com ciúmes? Eu não paro de sorrir.
— É o seguinte, eu exclui noventa e cinco porcento das merdas que você postou ontem. — conta-me, mostrando o celular.
— Nós — corrijo. — Você me gravou dançando e isso não foi legal.
— Ah, sobre isso... — ele suaviza a voz e o olhar. — Me desculpa por isso. Por tudo, na verdade.
— Quê? Tudo o quê? — me sinto perdido.
— Ter te gravado — ele ergue o dedo indicador, iniciando a lista. — Dado zoom onde não devia, ter te chamado de gostoso... Eu vejo isso como assédio.
— Então eu também te devo desculpas, porque te agarrei toda hora e ainda dancei olhando fixamente para você. Aposto que você ficaria constrangido se não fosse pela bebida — pontuo e eu ergo meu mindinho para que ele prometa comigo. — Vamos fingir que nada disso aconteceu.
Ten respira fundo e gruda o seu mindinho ao meu, então apertamos e selamos nosso acordo. Eu sei que pode ser infantil, mas eu nunca descumpri uma promessa de mindinho e, internamente, prometo a mim mesmo que deixarei de gostar de Ten como um par romântico para mim. Ele não vai ficar comigo, ele não vai se fixar em mim. Eu não sou um bom solo para ele criar raízes.
E das poucas fotos que ele deixou na conta, eu me contento por ser as que estávamos sorrindo, nos divertindo, quando eu apoiei minha cabeça no seu ombro e ele fingia morder o meu galo vermelho. E também quando eu estava debruçado na mesa, praticamente morrendo, e Ten grudou sua bochecha à minha e sorriu tão lindamente que meu coração derrete e faz uma poça de amor nos demais órgãos.
Quem é que vai limpar essa bagunça dentro de mim? Eu estou morrendo de overdose, meus tecidos chacoalham de excitação, parece que meu corpo enlouqueceu e um certo decimal é a droga-antídoto causadora do meu delírio amoroso. Se eu não sair vivo deste sentimento, avise à minha mãe que às vezes o amor brinca de McDonald's: na tv os hambúrgueres são grandes e elegantes, mas quando abro a caixa, aquela coisa não passa do meu mindinho do pé.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top