você não deve se preocupar com isso

Acordo com dor, pois a posição em que dormi ferrou tudo no meu corpo. Sacudo papai da cama, enfiando mais remédio e dizendo que daqui a pouco vamos cuidar dos seus ferimentos outra vez, após lhe dar banho com lencinho umedecido. Minhas pálpebras inchadas e o fracasso notório acompanham minha refeição matinal composta por um café fortíssimo e um pão na chapa. Papai toma mais remédios, vitamina de banana e frutas. Reclama da uva, mas não dou atenção. Estou a esconder meu celular das suas vistas, pois as notificações de Ten estão chamando demasiada atenção.

Tudo começou ontem à noite, quando todo mundo chegou tarde e meu pai caiu no sono logo cedo. Senti como se estivesse apenas eu em casa, na minha cama, no escuro. Liguei a luz e passei a fazer mais desenhos. Não obstante, uma maldita notificação mudou tudo. Uma imagem recebida, adivinha de quem? Isso mesmo, o amor da minha vida. Só que era o amor da minha vida excitado, porque a imagem era meio quente. Ele, de frente ao espero, praticamente sem roupa, com a mão dentro da roupa íntima. E o que isso quer dizer? Sim, sex cam ou seja lá como os jovens de hoje em dia nomeiam essas coisas.

Eu fiquei: amado??? Nem deu boa noite, já vai me jogando contra a parede desse jeito. E ele enviou-me logo um gif, que consistia apenas em alguns segundos da sua mão descendo do abdômen até a região íntima, claramente excitado. Logo abaixo, uma mensagem: "digamos que eu precise dos seus beijos agora." Isso mesmo. Meu coração saiu pela boca enquanto aguardava-o terminar de digitar. Concluiu com um "e eu não disse onde." Gente???? Isso é sério????!!!!!!!

Pior de tudo nem foi isso, foi o áudio que ele me mandou em seguida. Obviamente, fiquei com medo de escutar. Pus os fones nos ouvidos e dei o play. Ele me chamou de Tae e disse que estava a assistir nosso vídeo, deitado na cama, e que de repente as coisas ficaram um pouco fora do controle. Gente?????

Surtei só um pouco, quase nada. Quase, quase. Veio de vídeo chamada, vestindo apenas uma toalha no quadril e só. Não acreditei, juro. Não acreditei que tinha sido daquela maneira. Não teve proximidade, não teve beijo, não teve nada. Após alguns minutos de conversa, deixou o celular num ângulo em que só pude ver teu antebraço e abdômen. E pude ver, perfeitamente, o modo o qual seu pulso direito surgia num movimento repetitivo de se erguer e cair sem parar. Eu pude escutar perfeitamente.

Eu nunca tinha antes visto como ele supria as necessidades. Acompanhei o abdômen eufórico pela respiração oblíqua, tudo muito rápido. Pelos fones, parecia que eu estava num site impróprio. Eu não neguei em momento nenhum que queria aquilo. Daí fizemos isso mesmo, pela câmera do celular, quase dez da noite. Me senti com quinze anos outra vez, com a mesma mão dentro do short fazendo a mesma coisa na mesma cama.

E agora que amanheceu, Ten me disse, durante a madrugada, que iria embarcar logo e eu nem sei mais quantos dias estou em Sokcho. Era para termos nos encontrado antes disso, conversado sobre o contexto desse mistério todo. Mas agora ele já chegou na China e não para de me mandar fotos de lá. Meu pai vai notar a insistência do mesmo contato enviando-me mídias. É por isso que a tela escura está virada para baixo, por precaução.

Para completar nosso tédio, ficamos a assistir filmes de luta e isso é o ápice da chatice. Se pudéssemos ao menos conversar ou rir ou, sei lá, fazer coisas juntos... Mas não, nunca é assim. Eu estou cansado de fazer exatamente nada e papai é um ser humano um tanto chato. Reclama dos mosquitos e só, mais nada. Que espetacular. Não sei se prefiro esse silêncio que faz-me desejar a morte ou aquelas conversas ridículas sobre eu ser uma porcaria em tudo.

Encosto a cabeça no braço do sofá e passo a responder as fotos da China que Ten me manda. Fico a assitir seus stories e publicações novas no Instagram. Claro que fico enciumado, recheado de raiva, com os comentários dos que elogiam demais ele. Isso é idiotice, mas simplesmente não posso deixar de checar esse pessoal com fogo e olho no meu garoto. Tudo bem que não namoramos assim, nem temos algo público, mas não posso ignorar o fato de que sempre estamos juntos e nos beijamos toda hora. Isso é algo, né? Deve significar algo.

— Já comeu? — pergunta-me, após eu atender no meio do caminho para o quarto. Entro e fecho a porta, pois não gosto do fato de papai ficar a bisbilhotar minha vida.

— Só tomei café — respondo. Sento-me na cama da minha irmã e sinto seu cheiro feminino em todo lugar. Saudades de ser agredido por ela.

— Eu comi peixe — respira contra o telefone, trazendo ruído à ligação. — Adivinha qual?

— Ué, e tem diferença? Se tu comeu peixe, significa tudo. Não tem como deixar mais específico que isso — deito na cama, sorrindo por estamos conversando. Eu sempre fico assim.

— Como assim?

— Peixe é tudo igual, Ten.

— Não! Não, Taeyong! Não! — ele praticamente grita e meu ouvido quase explode. Afasto o aparelho da orelha até ele cessar os gritos e respiro fundo. Depois quem surta sou eu.

— Sim! Sim, Chittaphon! Sim! — grito de volta, sem me preocupar com a probabilidade do meu pai escutar lá da sala.

— Nossa, esse é o auge da ignorância...

— Não é ignorância, é a verdade. Cite a diferença entre três peixes.

— Bem, a espinha, ela...

— Viu só? É igual — interrompo, consciente de que Ten odeia isso. — Peixes são todos iguais. Parabéns pelo seu almoço. O que fez mais hoje?

— Sério, estou com vontade de te dar um soco — e isso me faz rir, mexendo-me todo na cama. — Vê se dorme cedo hoje. Vi que estava dando RT em memes uma hora da manhã. Vou contar pro seu pai sobre isso.

— Por que você não vem aqui conhecer ele?

— Ha ha ha, que engraçado — ele está sendo irônico, porém verdadeiro. Ele não está nem aí para isso. — Só te liguei por ligar mesmo, porque agora preciso dormir e acordar daqui a sete horas para me arrumar.

— Uhum. Entendo, pessoa ocupada. Estou morrendo de tédio aqui.

— Sai um pouco, você só vive em casa — um barulhinho de papel mostra-se presente no fundo da ligação. — Vê se encontra alguém da adolescência, sei lá. Sai de casa.

— Não quero ter contato com ninguém que não seja você.

— Você está sendo ridículo. Sério.

— Desculpa, então — eu nem sabia que ele estava falando sério.

— Peça desculpa a si mesmo — agora, um barulho de papel dobrando. — Espero que esteja se cuidando de verdade.

— Estou sim, sério.

— Ótimo. Vou indo, só liguei para discutir com você mesmo. Vou tomar um banho, dormir... Ah, se eu mandar alguma mensagem idiota daqui a algumas horas, eu bebi.

— Tem certeza de que já não está bêbado?

— Vá se foder, tchau.

Ele bate o telefone bem na minha cara. Tudo bem, ele não literalmente bateu, é só um modo de falar. Mas ele encerrou a chamada tão rapidamente que nem tive como pensar em como me despedir dele. Envia-me um sticker engraçado e depois some de vez.

Eu gostaria de entender Chittaphon. Gostaria de conseguir pronunciar seu nome completo, gostaria de torná-lo meu namorado. Mas certas coisas não são, não tem como fugir. Por isso, resta-me apenas a minha zona de conforto, a quentura da solidão que me torna emaranhado em teus braços e diz que nunca devo sair de perto de ti. O amor é algo brega e careta, mas às vezes sinto que vale a pena. Não há muito o que pensar.

Depois de algumas horas, quando estou a mexer a sopa triturada como janta do pai, recebo uma gama de mensagens de Chittaphon (para variar). Ultimamente ele tem estado estranhamente presente. Digo, não que eu esteja insatisfeito — longe disso! —, mas é impossível não captar resquícios suspeitos nesse teu grude todo comigo. Mesmo assim, enxugo as mãos e checo qual é a da vez.

Fixo meus olhos na tela, procurando algo que faça sentido. Uma porção de stickers aleatórios, alguns repetidos... No meio destes, mensagens pouco convincentes de que ele não esteja tão "sóbrio" assim. Avisou-me mais cedo sobre essa possibilidade, mas não sabia que seria uma bocado de palavras aleatórias, sem artigo nem conectivo, jogando uma porção de informação que tinha uma coisa em comum: conversar, conversar, conversar.

Ten: eu conversar contigo
Ten: tipo sério
Ten: você eu gosto
Ten: gosto gosto
Ten: mas não pode né
Ten: não posso mais
Ten: gosto você
Ten: sério
Ten: sei lá deve ser
Ten: você sabe
Ten: TAEYONG!!!!!
Ten: preciso conversar
Ten: desculpa desculpa
Ten: sei lá eu sei tá errado
Ten: ta dando errado
Ten: você eu
Ten: e**
Ten: TAEYONG VOCÊ ACORDADO AGORA ESTA CEDO PORWUE NAO ME RESONDE POREAM??????????????
Ten: ???????????
Ten: ??????????
Ten: porra
Ten: ????????????????????????????????
Ten: corno

Quase esqueço da sopa do papai, tentando decifrar e ligar cada mensagem. O que ele quer dizer com tudo isso? Bloqueio o telefone, pronto para ignorar toda essa baboseira. Levo a sopa ao papai, com uma colher, e ele diz que pode muito bem comer sozinho.

— Jura? — meu deboche ainda me mata.

— Coloque o prato aqui que eu como, não precisa ser minha babá a todo momento — faz um gesto para o braço do sofá e deixo o prato ali.

Meu celular vibra e estou por aqui já, cansado de Ten. Planejo sair de casa e gritar num áudio para ele me deixar em paz só por hoje, porque já está ficando insuportável esse flood sem sentido. Está totalmente ridículo e só em pensar em suas besteiras, já me dá tontura. Abro o aplicativo, porém, pronto para mais alguma porcaria. Só tem um áudio, então aperto no play.

"Eu sei que é ridículo... Eu sei, eu sei. E eu não estou sendo totalmente honesto com você nos últimos dias, ou semanas, ou meses, ou anos, ou décadas... Eu falei décadas? Jesus.... De qualquer jeito, ah... O que eu ia falar? Esqueci! Hahahahaha, meu Deus que música alta da porra. Oh, será que é pecado falar Deus e porra numa mesma frase? Acho que vou queimar no inferno... De qualquer maneira, estou indo para lá mesmo, hahaha... Ah, lembrei, lembrei, Taeyong. Taeyong, é sobre o que eu ia falar com você. Muito importante, mas você não veio. Vem. Veio. Vem. Veio. Qual o certo? Não sei, eu bebi um pouco. Pouco, pouco, pouco, pouco. Eu gosto da pronúncia. Tchau, Taeyong. Não sei o que estou fazendo. Me ligue amanhã e... Sei lá, esqueci de novo. Vou beber água. Tchau!"

Chittaphon bêbado só me traz estresse e preocupação. Experimentei um pouco disso na França, quando tive de cuidar dele após aquela festinha ridícula de amiguinhos da faculdade dele onde tinha aquele cara dançando com ele, que simplesmente dá-me náuseas só em lembrar. Mas dessa vez, ele faz diferente. Não gravou o áudio com um coreano fajuto e um sotaque fodido. O áudio inteiro está em inglês britânico e, honestamente, esse filho da puta desgraçado tem o extremo prazer em me surpreender a cada dia.

Respondendo à pergunta que até eu mesmo estou a me perguntar: apenas entendi todo o conteúdo da mensagem após escutá-la, no mínimo, três vezes. Há alguma música pop no fundo, porém sua voz está abafada — concluo que talvez ele esteja num banheiro ou similar —, e o sotaque está demasiadamente forte. Apenas o jeito com que repete a palavra "little" no sotaque britânico é a prova de que ele está a degustar a própria pronúncia. E seu sotaque é fofo. Amo o jeito como dá ênfase ao T, como basicamente falou "i'll drink 'watah', bye." Uma flecha em meu coração, é sim. Mas ainda estou puto.

Mando uma dúzia de interrogações, para claramente mostrar que não estou a compreender zorra nenhuma.

Ten: corno.

Depois que essa peste aprendeu essa maldita palavra em coreano, não me deixa mais em paz. Estou tomando banho; Ten: corno. Estou comendo; Ten: corno. Estou acordando; Ten: corno. Estou desistindo da vida; Ten: corno. Sério, eu não vejo a hora de voltar para dar um supapo na cara dele. Não aguento mais!!!!!

Então peço que ele volte para o hotel e durma, é uma ordem. Diz que já está indo, mas não dá mais sinal de vida. E nisso a noite inteira corre, eu vou dormir preocupado, relendo as mensagens e pensando nisso. Minha irmã chega demasiadamente tarde, cheirando a comida de rua, mas eu não dou muita atenção. Pretendo falar com Ten amanhã sobre essas mensagens.

Por isso, enquanto minha irmã decide reclamar sobre minha organização, eu ponho o travesseiro sobre a cabeça e passo a assistir clipes de música até dormir. Daí acordo com um histórico do YouTube um pouco conturbado. Como de 10cm fui parar em vídeos sobrenaturais? Eu não sei.

Ponho o celular para carregar, sentindo o corpo pesado. Minha irmã ainda está dormindo, o que prova que ela não irá à faculdade hoje. Minha mãe está saindo do banheiro, com cara preocupada, então pergunto qual o problema da vez. Papai, como sempre. Pegou virose, está meio mal.

— Mas, como, se ele não está saindo de casa? — quero saber.

— Sua irmã deve ter trazido. Como ele está com a imunidade baixa... — explica mamãe. Gostaria que existisse um remédio que curasse todas as feridas, todas as dores, todas as doenças. Eu pagaria por ele de olhos vendados.

E eu sei bem o que isso quer dizer. Ainda vestido com minha samba canção beige, volto ao quarto e tiro o celular da tomada. Não há nenhuma mensagem do Ten e, como em Pequim é uma hora mais cedo que o fuso daqui, ele provavelmente deve estar dormindo na própria ressaca. Eu odeio quando Ten bebe. Odeio quando ele bebe e não estou por perto.

Peço que, por favor, seja paciente sobre a questão da minha volta. Não sei quando vai ser, pois aparentemente meu pai só piora. Se já não basta as fraturas e ferimentos, de repente apareceu febril e espirrando um pouco. Estou preocupado, mas acho que tudo vai dar certo.

E, sem falta, quatro horas depois recebo sua resposta: está tudo bem, não precisa me dar tantas satisfações. Pelo jeito que escreve, está enfrentando uma puta ressaca. Ten está com um péssimo humor. Peço algumas explicações sobre as mensagens de ontem à noite, daí ele me manda um áudio. 60% era vento, 40% era sua voz dizendo:

"Esquece toda aquela merda, você não deve se preocupar com isso. Depois converso contigo"

Escrevo em inglês, em capslock: QUANDO?? Ele não responde. E eu sei que ele visualizou. Por isso, jogo o celular na cama e passo o dia inteiro cuidando do meu pai. Quando eu voltar, quero ter uma conversa séria com Ten sobre ele me enrolar. Isso está me dando nos nervos, estou exausto. Eu preciso fumar!!!! 

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