você fará falta
Acordo sem dor de cabeça, para o meu alívio. Checo o iPad de Doyoung, que agora é meu, e nada da maldita notificação que quero receber. Nada de Ten. Ele nem visualizou nem nada. Tem me ignorado no Kakao, no Instagram e no Twitter. Que ótimo. Eu sei que ele tem entrado nelas, pois tem curtido publicações nas últimas horas. Isso me deixa puto. E machucado.
Eu nunca achei que um dia fui ou seria suficiente para o Ten. Mas o jeito com que me olhava, me abraçava, me beijava e cuidava de mim... Honestamente, isso me cegou tão forte que agora estou a perceber minha primeira pancada. Eu preciso me curar dessa cegueira. Eu tenho que fazer Ten querer ficar comigo. Não faz sentido ele ir. Ele não pode ir.
Não tomo café da manhã, como sempre. Não levo o iPad comigo, porque seria estranho. Mas, antes de sair, checo a cada cinco minutos com o intuito de ler um "Ten: é mentira o que Doyoung te disse!" Isso seria uma ilusão? De fato. Mas para a cura de todas as ilusões, temos aqui meu amado e querido cigarro. Pode mandar bomba, visto que após uns traguinhos, eu aguento de tudo. Então espero aguentar as ladainhas de Chittaphon. Ele vai aparecer com balelas? Aposto que sim, mas espero que não.
Congestionamento numa manhã de calor é tudo o que eu menos esperava para hoje, sinceramente. Estou ansioso, então minhas mãos não param de suar. Encosto a cabeça no vidro, respiro fundo, conto até dez inúmeras vezes. Mas contar até dez me lembra alguém, então eu paro. Eu gosto dele. Demais. Mas... Eu estou cansado.
Eu não gosto tanto assim de mim, invejo sua autoestima, invejo seu ego, invejo seus privilégios. Eu sou humano, eu queria algo bom para mim. Mas eu parei de desejar coisas que não posso ter, então gostaria de perguntá-lo se há alguma chance de ele ficar comigo, antes que eu desista. Poxa, é cansativo.
Um dia, me sinto reluzente. As folhas brilham, o sol seduz, as pessoas parecem felizes e o mundo é belo, com exceções. No outro, estou me sentindo enjoado e cansado e tudo me dá preguiça e irritação. Este é o dia, amigos. O dia que estou me sentindo cansado, cheio, prestes a explodir. E vou jogá-lo contra a parede. E vou perguntar: se você gosta de mim, você vai ficar.
Ele tem que ficar.
Não obstante, não é bem esse tipo de sensação que sinto ao cruzar a porta de entrada do restaurante. Estou atrasado, todos estão reunidos escutando ele. Ele, que assim que vê a porta abrir, me espeta com seu olhar. Ele desvia rapidamente, como se eu não tivesse importância, como se tivesse sido sem querer. Junto-me ao gado, sento-me numa das cadeiras. Ele já está terminando de falar.
— ... Mas não se preocupem, virei de mês em mês checar tudo presencialmente — conclui. — Espero que tudo dê certo para todos nós. Fighting!
E então estamos batendo palmas, como se fosse uma coisa maravilhosa ele ir e me deixar assim. Não vou fazer cena, não vou me aproximar agora. Vou esperar o expediente terminar, entrar no seu escritório e lhe perguntar. Então, por ora, estou batendo palmas junto com os outros funcionários.
— Chefinho, você fará falta! — alguém grita do outro lado do restaurante. Então Ten, cheio de falsa modéstia, balança a cabeça e diz que sentirá falta de todos também.
Até parece que vão sentir falar dele e seus surtos. Até parece que ele sentirá falta de alguém. Até parece. Ten não sente falta de ninguém. Ele não parece que sentiu falta de mim. Olha como ri, como fala com algumas pessoas, olha como faz aquele gesto maldito de tirar o cabelo do rosto, porque sabe que fica maravilhoso fazendo isso. Para, Ten. Está me machucando. Você deveria pelo menos olhar para mim, nem que seja sorrindo ou rindo de minha cara de otário. Você poderia.
— Atrasado — Va Te Fouder, insuportável como sempre, brota ao meu lado. — Pensei que iria chegar cedo para a despedida do seu namoradinho.
— Já te disseram que você é insuportável? — respondo, virando-me na sua direção. Ele está com um sorriso de canto de boca e, ao encará-lo, percebo que ele é bonito demais para as merdas que fala. — Você é a prova viva de que homem bonito só fala merda.
Por um segundo, ele se surpreende com o que falo. As sobrancelhas se erguem, ele tira uma das mãos do bolso da calça e revira os olhos.
— Você também — vira-se de frente para Ten, do outro lado, e fica quieto.
Será que nós flertamos em forma de insulto? Ok, esse é o momento mais estranho da minha vida. Absolutamente.
— Vê se chega cedo, a partir de agora — sussurra perto de mim.
Gente, isso daqui é assédio em ambiente de trabalho! Aí eu vou reclamar com o representante do RH e... Adivinha quem é o representante do RH? O filho da puta que tá me assediando. Tudo bem que ele só falou próximo de mim, mas pra mim isso já é assédio. Estou me sentindo invadido.
— Vai catar coquinho, idiota — reclamo, afastando-me.
— Senhor — me corrige, erguendo o dedo indicador. — Não se esqueça que agora sou eu quem te paga — e daí sai andando, pondo a mão no bolso outra vez.
Cubro os lábios para não gritar de medo, porque isso realmente me assustou. Ou ele está parecendo um mafioso ou um sugar daddy. Mafiosos não usam essas roupas, então está mais para um cara rico que eu sei que ele é. Ele realmente me assustou. O jeito despretensioso, porém ambíguo, foi surreal. Jesus, esse cara tem problemas mentais.
Engulo em seco após a sua saída um tanto esquisita e me apresso para trocar de roupa. Quando deixo o provador, não há mais aglomeração algum e Ten sumiu com Va Te Fouder Assediador. Hoje está sendo uma mistura de dor, raiva e medo. Qualquer coisa, é só correr.
Enquanto tudo ainda está em segurança, vejo-me aqui nesta labuta de limpar mesa, servir clientes, falar sobre pratos e bebidas e recolher tudo. Hoje é o aniversário de uma garota, filha de clientes assíduos. O pai é ocidental, provavelmente venha da França. A mãe é coreana. Ela faz treze anos. Trouxe bolo e tudo, um red velvet com chocolate. Como servi eles durante toda a refeição de aniversário, me presentearam com um prato de bolo. Minha única refeição em 24 horas.
No almoço, decido não comer. Pelos cantos dos olhos, vejo Ten amarrar o avental ao entrar na cozinha. Eu saio para fumar, utilizando minha tática de cuspir a fumaça na direção em que o vento está indo. Assim meu informe não fica com o cheiro tão notório e evita reclamações dele. Não vejo a hora de conversar. Sinto minha garganta ficar cheia de coisas, entupir, tomar conta de todo o meu aparelho respiratório. São as coisas que irei soltar para Ten escutar. Está ficando muita coisa para eu engolir. Já chega disso.
Guimba ao chão, apago ao pisar e arrastar na terra com meu tênis. Me lembro de quando Ten chegou aqui, reclamou do fumo, reclamou por eu não comer, reclamou de tudo. Eu achava ele esquisito, muito mandão, muito cheio de si, não fazia meu tipo. Eu deveria ter posto isso na minha cabeça: não faz meu tipo, é melhor eu evitar. Mas eu fiz justamente o contrário. Olha onde eu estou. Estou olhando ao redor para ver se encontro sua sombra em algum lugar. Sinto falta dos seus abraços.
O banco da praça do outro lado do restaurante significa muito para mim. Foi nele que olhei Chittaphon pela primeira vez. Não como um maníaco histérico que grita por conta de uma cenoura posta a mais no prato. Mas como ele, Ten, Chittaphon. Foi quando eu olhei e pensei: não é meu tipo, mas é amável. E, ao invés de eu ter seguido a onda de ele não ser meu tipo e não fazer sentido ficarmos juntos, eu acabei por dar ênfase ao amável. Ten é amável.
Volto triste ao restaurante. Triste, porque despi meu interior. Eu não quero que ele me cure, beije minhas cicatrizes, diga que está tudo bem. Quero que ele fique comigo, assim como eu ficaria com ele. É injusto. É injusto demais. O amor é uma merda. Mas eu vou resolver isso hoje. Deixa só a noite chegar.
Acabo por não vê-lo em momento algum da tarde, nem mesmo na cozinha, onde certo momento tinha visto entrar. Então concluo que ele provavelmente esteja lá em cima. Por isso que, quando o expediente diz tchau e eu, graças a Deus, vou de fininho pro seu escritório.
— Vai pra onde? — sou pego no pulo pela silhueta de Va Te Fouder que está descendo os degraus.
— Falar com Ten — respondo.
— Ele já saiu tem horas — olha para o relógio dourado que decora seu pulso. — Sério que você não viu?
— Ele foi pra onde?
— Pra onde mais? Casa, né? Jésus... Tu es stupide, Taeyong — sua frase em francês não me tira o foco do que estou planejando fazer.
— Seja lá o que você falou comigo, você que é — desço os degraus que subi, pensando em que ônibus pego para ir daqui até a casa de Ten. Só vou de carro até lá.
— Eu não te xinguei — dá de ombros, do alto da escada.
— Você é tão covarde que nem me insulta em coreano. Vê se melhora — é o que digo, antes de pegar minha mochila e sair correndo do restaurante, com uniforme e tudo.
Doyoung disse que o vôo seria amanhã, mas vai que sai de madrugada? Não posso esperar. Não posso mesmo. Meu Deus, olha o que Ten está fazendo comigo...
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