você falou que queria um capacho fluente

Eu rio no mesmo instante, embora Ten ainda permaneça sério e não pareça estar achando um pingo de graça. Eu nem sei por que estou rindo.

— Estou falando sério. Somos amigos agora, e já que seu sonho é ir até lá, eu posso ajudar — ele está falando sério.

Ai, não. Eu não gosto muito quando as pessoas são muito legais comigo a ponto de fazerem certos absurdos ou se importarem muito com minhas coisas. Não me sinto bom o suficiente para ser merecedor de tal façanha, além de lamentavelmente achar que todos vão se arrepender de serem tão incríveis para mim quando, na verdade, só vou decepcioná-los. Poxa, Ten bem que poderia ter ficado na dele.

— Ah, não, não... Obrigado — abano a cabeça como um leque de uma mulher irritada. A atuação exagerada faz com que Chittaphon leve na brincadeira.

— Podemos nos divertir. E lembra-se que você falou que queria um capacho fluente? — nem eu mais me lembrava disso — Pode ser eu.

Seu dar de ombros dá-me um certo desconforto. Ah, eu não queria ter de lidar com isso agora. Por que tão legal comigo? Se já não basta eu estar ultimamente numa certa atração por ele, ainda tenho de receber uma proposta dessa? Eu não vou à França com ele, de jeito nenhum. Bem que ele poderia ser que nem as outras pessoas e simplesmente ignorar as minhas besteiras.

— Não era isso o que eu tinha em mente. Sabe, eu já ocupei muito do seu tempo e dos seus recursos — meus ombros se encolhem. Acho que estou meio acanhado, quero logo dar no pé.

— É sério que você pensa assim? — Ten suspira intencionalmente alto. — Cara, eu não vou mais te perguntar. Você vai e pronto.

Não sei o que é pior: o fato de ele achar que tem controle sobre mim ou ficar me chamando de "cara" de uma forma estranha com essa vozinha toda meiga dele (em outras palavras, uma voz meio poc). Tudo bem que tem grandes chances de ele ser hétero, mas o meu gaydar apita. Talvez esteja quebrado ou Ten seja bi — a única explicação plausível para ele me chamar de "cara" e implicitamente me convencer a chamá-lo disso também.

— Não, obrigado — decido logo — Você não precisa fazer isso.

— Caramba, Taeyong! Cara, é só uma semana e depois voltamos. Você pode ir à qualquer lugar, sério. Eu conheço Paris muito bem e posso te apresentar diversos lugares — ele está tão animado com essa ideia que até chego a cogitar.

— Você tem seus compromissos, só vou atrapalhar — aquela boa e velha jogada chamada "arrumar desculpas para se livrar, a todo custo, do rolê que tu não quer ir"

— Não mesmo! — ele nega com a cabeça — Você não vai me atrapalhar. Olha, quando eu chegar em casa eu vejo se tem vagas no hotel onde vou me hospedar. Foi o mais perto que me arranjaram do local do evento.

Eu mordo o lábio inferior.

— Oh... Eu não sei o que dizer — digo tão baixo que nem eu chego a ouvir.

— Só vem, Taeyong! — seu sorriso me entristece — Daqui a duas semanas, tudo bem?

Concordo com a cabeça, meio aturdido com tudo. Uau, aparentemente vou à França e meu coração se aquece com todos os cheiros e as músicas, a arquitetura e o idioma... Parece até que estou sonhando. E, se eu estiver, é bom que eu acorde logo e vá tomar um vento enquanto fumo. É bem melhor assim.

— Amanhã converso com você direito sobre isso, certo? Não quero te pressionar muito — ele continua. Ah, como se já não estivesse me pressionando com a porra desse sorriso.

— Vou pensar um pouco sobre isso — me levanto e pego os pratos. Decido eu mesmo lavar tudo, mas Ten vem me ajudar também. — Pode deixar, eu faço.

— Claro que não, bobo — ele se junta a mim e ambos limpamos a nossa bagunça.

Atrapalhado me curvo como despedida e saio apressado. Sim, eu quero ir à França com ele, mas o desconforto é tudo o que tenho no bolso quando abro a porta da minha casa e caio de cabeça no meu sofá surrado. Vou ficar envergonhado e hesitante, então mal vou aproveitar a viagem. Do que vai servir, afinal de contas? Ah, eu não sei.

Hoje estou me sentindo tão insuficiente e cinzento que nada me parece ótimo do jeito que está: comigo. Eu não tenho dinheiro para uma viagem, não tenho dinheiro para um hotel, quem dirás um mísero café da manhã lá. Ten vai pagar tudo? Eu não vou deixar isso acontecer. Mas eu não tenho dinheiro para isso. Ele vai querer arcar com tudo e eu não sei se um dia irei pagá-lo.

Se bem que essa é uma puta oportunidade e não posso deixá-la passar por uma questão de orgulho financeiro. Merda. Acho que vou, só vivo uma vez e nem sei se irei tocar os pés na Europa alguma vez na minha vida, porque se depender de mim... Droga, estou confuso e pobre. Acho que vou. Não, não vou. E se Ten esfregar isso na minha cara e depois me cobrar por tudo? Ah, estou assustado e não tenho nem um celular pra me distrair.

Que saco, vou ter que ficar pensando nisso até dormir. Será que Ten aceitaria um dos meus rins como um futuro pagamento? Acho que vou dormir pensando nisso...


A manhã chega e o restaurante está um caos por conta do crítico de hoje à noite. Estamos todos nervosos e nem posso mencionar como Ten está estressado e apressado. Já escutei-o gritar umas duas vezes e queria poder acalmá-lo, mas tenho medo de receber um soco como resposta.

Tudo perfeititinho do jeito que Ten gosta. Eu até penteei meu cabelo platinado melhor hoje e ajeitei o uniforme. Tudo está ótimo e incrível. A música, os aromas, a vibe, a competência dos envolvidos... Minha vontade é de sentar numa dessas cadeiras e pedir ao otariozão do "va te fouder" a me servir. Eu adoraria ser servido por esse bundão. Meu Deus, será que um dia eu terei vida de patrão?

— Taeyong, Ten está te chamando — olha só quem virou pombo correio do chefe? Hahaha.

Ele me olha debochado porque sei que tem inveja da minha relação com Ten. É óbvio que sim. Vive fofocando pelos cantos que sempre tem que vir de recadinho pra mim, dizendo que Ten está me chamando ali ou cá. Eu fico na minha, não quero me desgastar com gente fútil. Acho que ele deve ser desocupado, sério.

Vou rapidamente à cozinha e dou de cara com um caos cheio de pressão e gritaria. Ten me pergunta se conheço o crítico pessoalmente, então respondo que nem minha avó paterna eu conheço pessoalmente. Isso o irrita, depois me arrependo por ter brincado enquanto ele está virado nos 70. Não foi uma coisa sensata, então peço desculpas e fico sério.

Claro que Ten mostrou fotos e leu em voz alta sobre o cara umas cinco vezes, mas acho que ele está meio paranóico com isso. Quero acalmá-lo. Devo abraçá-lo? Não, de modo algum. Ele vai se assustar, gritar comigo, me afastar. Fico quieto, escuto-o obedientemente e respondo quando preciso. Respeito o seu espaço pessoal, embora queira chegar e puxá-lo para meus braços. Como amigos, obviamente. Quero confortá-lo.

— Você pensou sobre minha proposta de ontem? — a pergunta dele me tira o fôlego.

— Ah, nem lembrava mais disso... — e parabéns para mim e minhas mentiras.

— E então? — ele me encara profundamente. — Você vai me fazer companhia? Eu não quero ir sozinho.

Eu aperto a caderneta de pedidos contra meu peito e respiro fundo.

— Já que você quer companhia, pode ser — decido logo de uma vez.

— Que bom. Ah, só tem um probleminha, é que...

— Ten! Ten! — a porta repentinamente se abre e o Sr. Va Te Fouder irrompe qualquer tic presente na cozinha. — Ele chegou.

Agora é que a vaca tosse. Ten arregala os olhos e fica indeciso se ele mesmo vai cumprimentar o tal ou não. Enfim decide ir e ambos saímos da cozinha. O crítico é rechonchudo e aparentemente simpático. Um dos funcionários pega seu casaco enquanto outro guia-o para uma das mesas. Ten se aproxima e esse é o momento que fico de longe somente observando.

Minutos passam e logo Ten está enfurnado na cozinha outra vez. Eu me ocupo em atender outros clientes, principalmente porque as noites costumam ser bem mais movimentadas que o dia. Estou nervoso e não paro de olhar para a mesa dele. Será que Ten se acalmou um pouco ou continua soltando fogo na cozinha? Espero que ele esteja bem, não gosto desse lado impaciente dele.

O crítico faz pedidos, anota algumas coisas, observa e silenciosamente julga. Ele pousa o olhar em mim por uma fração de segundo e eu nem sei como descrever quão cagado estou. Passa, tempo. Só passa, tempo. Passa e leva esse homem contigo. Amém. 

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