você está interpretando errado
Eu não estou chorando. Eu realmente não estou chorando e me surpreendo com isso. Mas estou afobado, ansioso para que meu ônibus chegue logo. Checo o horário na tela do celular e dou uma olhadela para a direção de onde o ônibus virá. Só vejo carros, táxis e ônibus que não servirão para mim. Não quero ir andando até a próxima estação de metrô, não quero ter de mudar de linha. Quero ficar sentado e ver o tempo passar.
Não consigo esquecer o modo como nos conectamos naquele escritório. Não consigo esquecer de quão bom foi e doído também. Eu até tento ligar para Doyoung, mas a linha está ocupada. Era o que faltava agora. Eu só queria dizer que, se ele quiser beber comigo hoje até esquecermos nossos nomes, eu estou imensamente a fim de fazer.
Trincando os dentes com amargo, batuco o tênis freneticamente no chão. Estou tão cansado que acho que o ato de descansar cobrará muito de mim. Encosto a cabeça no vidro atrás do banco do ponto de ônibus e sacudo a cabeça. Graças a Deus eu trouxe um fone, vou tentar acalmar esse vendaval com um pouco de arte.
Acontece que há muito tenho almejado este sentimento que tanto apresenta-se nas canções. É lindo, puro. Queria ser especial para alguém, queria ser idiota com alguém — não por alguém —, queria apenas me sentir bem com alguém. E de repente veio tudo errado, tudo confuso, tudo histérico e problemático. Meu cupido veio de Chernobyl e me arranjou um amor da deep web.
Fecho os olhos, me perco na batida, na voz, nas palavras que embrulham mensagens de que eu deveria pensar em mim um pouquinho. Só um pouquinho. Talvez eu devesse dar um jeito em mim primeiro, mas eu estou é com um enorme vazio interno e nada parece preencher. O amor é a porra de um ácido que corrói todos os órgãos e bebemos achando se tratar de água.
Sinto algo encostar meu braço e tomo um susto ao encontrar Ten sentado ao meu lado, balançando as perninhas dele com uma expressão fofa no rosto. É melhor ele parar, estou com raiva dele.
— Tteokbokki — diz, assim que retiro um lado do fone do ouvido. — Vamos comer um pouquinho, eu quero conversar com você.
Ele se levanta e fica de frente para mim, com as mãos dentro dos bolsos grandes do sobretudo caramelo dele. O mesmo que fora a cabaninha para o nosso primeiro beijo.
— Eu não quero mais conversar com você — cruzo os braços, escutando uma melodia de violão do lado esquerdo do ouvido. Eu não vou pausar minha música por conta dele.
— Vem, besta. Deixa de drama — ele agarra meu braço e tenta me levantar. — Você está interpretando errado... Eu não quis dizer que...
— Problema seu. Vou ir embora — me levanto e passo direto por ele. Dou uma fungada enquanto me viro para a direção da estação de metrô. Vou ter que ir andando mesmo, fazer o quê.
— Taeyong... — Ten me segue e segura minha mão. Eu desejo não estar mexido com isso.
— Ten, estamos na Coréia — afasto nossas mãos e olho ao redor. Não quero nenhuma tiazinha gritando no meu pé do ouvido que parecemos cachorros no cio. Santa paciência...
— Oh, desculpe — ele enfia as mãos no bolso como outrora. Caminhamos um pouco separados. — Então... Tteokbokki?
— Poxa, Ten... Por que você é assim? — resmungo com a cara fechada. — Por que tudo para você é tão complicado?
— Eu gosto de me profundar nas coisas, ver detalhes... Coisas que ninguém mais vê. Eu gostaria que você apreciasse isso — ele suspira.
— Eu aprecio tudo em você. Mas não me cobre apreciação de algo que me machuca, por favor — falo baixinho, com calma, amargurado.
— Isso te machuca? — a madame decide fazer a sonsa, a desentendida.
— Eu vou repetir o que falei no restaurante: tem alguma chance de sermos namorados? — olho para meus pés andando pela rua.
— Ter, tem — responde ele. — Se isso for um pedido de namoro... Bem, eu ainda não tenho certeza.
Como não? Passamos por cada coisa em Paris, nos beijamos, dormimos juntos, bebemos juntos, tomamos banho juntos e fizemos inúmeras coisas juntos para um simples "não tenho certeza"? Que certeza é essa que nunca vem?
— Não tem? — repasso essas palavras, mastigando-as para ver se agora descem.
— É que está acontecendo umas coisas, Taeyong... Quer dizer, olha... Eu não vou dizer que não, mas também não vou dizer que sim. Se você me der um tempo, eu prometo que pensarei no assunto e lhe darei a resposta. Tudo bem?
Encaro-o e concordo com a cabeça, por falta de opção do que fazer.
— E o que está acontecendo?
Ele fica um tempinho em silêncio, a ponto de eu desistir da pergunta e concluir que ele não quer falar sobre.
— É algo muito importante, sabe — eu já estava esquecendo da pergunta quando ele finalmente abre a boca. — E eu estou muito ocupado. Por isso vou pensar um pouco nisso, porque eu não quero magoar você.
Ele não quer me magoar. Ótimo. Que irônico. Tão irônico, eu quero rir. Ele acha que eu não estava me magoando esse tempo todo, não estava arrancando um pedacinho de mim de pouquinho em pouquinho. Queria apenas mostrar como estou por dentro, que meu coração está dividido entre amor e mágoa.
— E o que seria isso? — indago, interessado. Ten ri.
— Eu te conto, eu prometo.
— De dedinho? — ergo meu mindinho direito.
— De dedinho — ele cruza o mindinho dele ao meu e selamos a promessa.
Meu caminho se corta, não vou a metrô algum, me vejo seguindo Ten pelas ruas para comermos um pouco. Ele diz que gosta de tteokbokki porque é apimentado e, como um bom tailandês, está acostumado com pimenta. Eu digo que não sou muito fã. Mesmo assim, aqui estou eu sentado à uma dessas mesinhas de calçada, bebendo água feito um sedento para ver se assim dá uma leve amenizada na pimenta.
— Fresco — Ten comenta de boca cheia. Nojentinho lindo.
— Fresco é você — faço uma careta para ele. Estou até um pouco mais feliz depois do que ele disse. Ele vai pensar. Será que ele já pensou?
Finalmente trazem meu frango frito, para a nossa alegria. Ten rouba um de mim e eu rosno para ele enquanto abro uma Coca-Cola — aliás, ambos concordamos de que não vamos beber juntos tão cedo, porque claramente vai dar merda outra vez. Confesso que cogitei uma garrafa de soju ou um copinho de alguma cachaça barata, mas previ que eu sou sem limites quando o assunto é álcool.
— O tteokbokki está bom, mas ainda prefiro o de minha mãe — digo, sacudindo os joelhos como se não estivesse sentindo dor.
Sinto falta da barraquinha que ela tinha, nem sei se ainda existe. Estou há tanto tempo sem visitar minha família que vivo a base de vagas memórias. É um pouquinho longe, próximo de Seul, mas não fazendo parte dela. Meus pais não vêm mais me visitar, eu também não vou lá. De vez em quando penso em voltar, mas eu acho que estou bem melhor aqui do que lá.
— Woah... Sério? — ele pressiona o guardanapo nos lábios, deixando a fala meio embolada.
— Sim. Ela costumava fazer bastante, então eu aprendi um pouquinho. Devo ter esquecido tudo — viro a lata do refrigerante na boca e engulo um longuíssimo gole. Faço uma careta por conta do gás acabando com meu estômago.
— Quero provar — enfia os dedos nas mechas de cabelo e empurra-as para trás. Pela primeira vez, funciona um pouco.
— Vai ficar querendo — falo antes de morder meu frango frito. Nossa, incrivelmente crocante! Valeu a pena ficar com fome o dia todo para comer isso no final.
— Nnhaa! Poxa, Taeyong... — Chittaphon faz um beicinho e meu coração decide dançar twerking. Seus lábios estão melados com o molho, porque ele simplesmente se suja todo a cada vez que põe um na boca.
— Poxa nada, você sabe que sou horrível na cozinha.
— Sei não — o moreno que me acompanha rouba mais um pedaço do meu frango e eu respiro fundo.
— Sabe, sim.
— Não, não.
— E o Carbonara? — relembro-o daquela desgraça que foi o meu macarrão e faço Ten se engasgar com um pedaço de frango. Ele se recupera rapidamente, felizmente.
— Jesus, é mesmo... — então ele ri e eu finjo que não saquei ele concordar comigo.
Encostamos nossos joelhos e não nos importamos com isso. Mesmo que o meu ainda doa, gosto de sentir como nos damos bem assim.
— Abre aqui — me empurra a Fanta dele, porque ele não estava conseguindo de jeito nenhum. Consigo abrir facilmente com uma única mão e ele arregala os olhos. — Então você realmente é o Thor!
Eu fico vermelho instantaneamente e empurro a latinha para ele enquanto abaixo a cabeça de vergonha. Isso significa que ele prestou atenção, ele percebeu a minha cueca super adulta quando estávamos no escritório. Que lindo, hein? Não consigo mais olhar para a cara dele. Claro que se eu adivinhasse que teríamos aquele momento, eu com certeza vestiria a Calvin Klein falsificada que eu tenho guardada a sete chaves.
Mesmo assim, aqui estou rindo e brincando com ele, como se minutos atrás não tivesse saído puto da vida do restaurante e me machucado com aquilo. Às vezes eu gosto da minha dualidade, da minha facilidade em me entregar, de como eu sou inocente por idealizar um cara assim como outros. Mas ele não é como outros. Ele é o melhor de todos.
Ten me disse que não gosta de Coca-cola por conta do gás estrondoso que fode o estômago dele. Disse que não gosta de Pepsi porque o gosto é esquisito. Contou-me que cerveja tem um jeito repugnante de descer pela garganta. Então eu perguntei por que é que não gosta de mim.
— Desde quando? — recosta-se na cadeira e ri, divertindo-se. — Eu nunca disse que não gosto de você, assim como nunca disse que gosto.
Ah, pronto. Ele vai ficar brincando agora.
— Mas você gosta ou não? — quero saber.
— Depende.
— Do quê?
— Depende — ele dá de ombros.
Nem creio. Sério, nem creio que ele está jogando palavras aleatórias para esconder a verdade de mim.
— Que saco você — resmungo, fechando a cara com raiva.
Ten fica em silêncio por algum tempo, raspando o tteokbokki no molho enquanto eu faço um beicinho ao engolir o refrigerante. Mas de repente escuto-o estalar a língua no céu da boca e chamar minha atenção para o que vai falar.
— Eu preparei jantares para você, te levei à França, te beijei, te abracei, fiz de tudo para cuidar de você desde que nos conhecemos. Eu não sei se isso é não gostar de alguém.
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