você está estranho
A verdade é que Ten tomou um susto tão grande com o lance do biscoito quase queimar que, infelizmente, esgarçou-se toda a vibe de antes. Foi o que ele contou. Que tem um pequeno trauma com coisas que queimam na cozinha e que o cheiro de algo queimando fez com que ele desacordasse — se assim posso me expressar. Então comemos assim que terminei o café.
Descansamos um pouco, brigando sobre o canal da televisão, e no final não assistimos nada. Atrapalhados, tropeçamos um no outro pelo corredor para tomarmos banho. Ten ficou pistola comigo quando lhe empurrei debaixo d'água e disse que não deveria ter molhado teu cabelo. Mas bastou um beijinho para ele ficar calmo outra vez.
E então estamos aqui, jogados à cama, vestindo apenas um short fino ao receber a lambida geladinha da brisa noturna vinda da janela escancarada. Acendo um cigarro, ele tira a franja úmida da testa. Ele não parece ligar para a fumaça, talvez porque eu esteja grudado à janela. E ele está falando sobre algumas coisas, sobre muitas coisas, não para de falar.
Eu olho para a rua, para o motel com as luzes ligadas do outro lado da rua. Não estamos sendo banhados pelo teu brilho, uma vez que as luzes do quarto estão acesas. Então viro meu corpo para a cabeceira da cama, onde jaz um moreno levemente bronzeado que me transformou num idiota ridículo. Talvez eu sempre tenha sido um idiota ridículo. Então sorrio com o cigarro na boca quando nossos olhares se cruzam. Sabe, eu gostaria que tudo estivesse em câmera lenta agora....
Acho que se tudo estivesse em câmera lenta, eu poderia facilmente encharcar minha memória com tua imagem jeitosa, largada, brilhante. Por mais que estejamos com sono e embolamos as palavras sem querer, ainda é fácil compreender todo seu falatório empolgante sobre qualquer coisa que envolva culinária ou França ou arte ou pinturas ou como meu teto precisa de pintura ou como ele poderia me ajudar se eu lhe chamasse como ajuda... Sabe, eu gosto quando fala assim, sem freio, quase sem querer.
Tuas palavras são melodias. Vez ou outra comete erros, troca a fonética, substitui palavras de maneira errônea. Mas eu gosto é disso mesmo, do meu short de bolinhas coloridas que fica tão bem nele — provando, assim, que teu corpo não foi feito só para shortinhos de cetim, por mais que sejam mais gostosos de se passar a mão —, uma coisa tão retrô, antiquada, tão sensual também, com essa bundinha espremida pelo 80% algodão. Ele tem um dos joelhos dobrados e não para de sacudir. Teu riso parece eterno, suprindo meus desejos abestalhados de escutá-lo sempre e em qualquer lugar.
— Mas sabe de uma coisa, Taeyong? — fala, mexendo na tromba do meu elefante de pelúcia que enchi de beijos na noite que em nos amamos pela primeira vez neste colchão. — Está bom assim, sabe? Bem vintage.
Dou três tapinhas no cigarro sobre o cinzeiro e olho para o teto, para depois encarar Ten sacudindo as pernas sem parar. Minha cama é pequena, mas incrivelmente cabe nós dois aqui. Tuas pernas sobre as minhas, seu corpo miúdo ocupando o lado da cabeceira, enquanto me encontro afastado para não lhe irritar com o cigarro. Em cada trago, eu trago: mais amor, um fresquinho, docinho, molinho e quente. Um amor que veio da terra, foi moldado, posto no forno e está prontinho para ser consumido. E é doce sentir isso.
— Taeyong... Posso te fazer uma pergunta? Tipo, é bem aleatória...
— Manda bala — e então puxo a nicotina com uma inspiração profunda.
— Que acha de relacionamento à distância? — teus braços envolvem a pelúcia enquanto o corpo vira-se para o lado da parede, onde estou sentado.
Fico alguns segundo olhando seu rosto inundado pelo cabelo, até finalmente perceber o que ele quer dizer com isso. Ao menos o que eu acho que seja.
— Relacionamento à distância? — repito. Ele gira o corpo, fica de barriga pra baixo, enfia o rosto num dos meus travesseiros e me deixa livre para ver a nudez das costas e o contorno da bunda. Estica-se para alcançar a bancada e de lá surge com o celular em mãos. — Eu sei lá, Ten. Bem aleatório mesmo... Mas se isso tem alguma relação com a China, está tudo bem. Como não vai ser muito tempo, acredito que sejam alguns dias, é de boa para mim. Eu acho estranho, vou ser sincero.
Será que ele quer fazer com que nosso namoro dure mais de um dia? Deveria eu surtar com isso?
— Estranho? — por cima dos ombros, ele me lança um olhar de curiosidade.
— Sim. Digo... Através de uma tela não tem graça alguma, só serve pra alimentar a saudade. Além disso, é fácil enganar alguém de longe, até mesmo com a questão de sentimentos também — vou explicando, sacudindo o cigarro no ar.
Ten volta a prestar atenção na liquidez da rede e eu fico aqui mesmo, passando a mão na sua perna, fazendo-lhe um carinho calmo.
— Mas, tipo... — retorno com a conversa. — Você só vai levar alguns dias lá, então por mim está tudo bem. Agora algo mais longo, como semanas ou meses... Sabe, isso é muito complicado. Eu acho assustador. Me daria mais estresse e dor.
— Entendo... — ele fala baixinho.
— Entende? Ah, que bom... — ponho o cigarro da boca e começo a estralar os dedinhos dos seus pés. Ele tenta puxá-los para longe de mim, todo sensível, mas não adianta muito.
— Mas existe o FaceTime, né? — ele sacode o próprio corpo, como quem estivesse ninando a si mesmo.
— Mesmo assim, eu não gosto — faço um pouco de cócegas no seu pé, mas ele apenas dobra os joelhos ao invés de rir e me chutar. Que estranho, ele não quer brincar. — Que foi? Você está estranho.
— Nada não — bloqueia o telefone e boceja. — Eu só estou cansado. E seu short é meio apertadinho em mim.
— Que culpa tenho eu se você tem uma bundinha grande? — amasso a bituca no cinzeiro e jogo uma última lufada ao engatinhar na cama e passar a mão pela sua bunda. Ele não liga para isso e eu amo muito, mas muito mesmo isso. — Então vamos dormir logo, chega de falar um bocado de coisas... — jogo meu corpo sobre o seu, sentindo-o virar vagarosamente para que fiquemos um frente ao outro.
— Eu posso continuar falando, sabia? — abraça-me forte, fazendo-me cair para os lados e quase despencar da cama. Faço carinho no topo da tua cabeça, lotado de cabelo. As madeixas da nuca estão grandes em demasia até, confundindo a mim sobre ser uma espécie de mullet ou um pré-long-hair (se é que existe tal definição). — Asmr, bobinho. Em francês.
— Quero — ajeito-me na cama e Ten envolve-me por trás, fazendo uma conchinha ao redor de mim. Apago as luzes e então sinto seu calor entrando e saindo do meu corpo.
Antes de começar, Ten ri da minha disposição e acaba por deixar uns beijinhos gostosos no meu ombro esquerdo, rumo ao pescoço. Ele começa falando algo como "je" e o resto não entendo muito bem. Meu vocabulário pobre e insuficiente em francês só me atrapalha. Mas, sendo sincero, é relaxante escutar tua voz sem nem entender o que fala. É bom, é bom. Ele tem uma voz calma, única. E esse hálito quente que cozinha minha orelha.
— Tira o Tedilson daí — resmungo, tentando puxar o bixinho pela tromba. Eu gostaria de estar sentindo totalmente o corpo de Chittaphon, não que a tromba de um elefante estivesse me cutucando no meio da bunda.
— Tedilson? Que nome fudido é esse? — Ten ri, enfiando a mão entre nossos corpos e puxando a pelúcia da minha bunda. Feito isso, chego mais para trás e me encosto nele.
— Não critique o nome dele, por favor — reclamo com um certo drama. — O filho é meu.
— Tu já lavou essa coisa?
— Ele não precisa.
— Avemaria... — e então um dos joelhos inquietos é arremessado para cima do meu quadril, como típico de nós dois. — Enfim, voltemos...
Voltemos, então. Ele volta a falar em francês, eu finjo que entendo. Tua voz de sussurro, suspiro, segredo... tombando em meu ouvido. Gosto quando fala palavras como "rouge" e outras mais com um "r" forte e presente, pois o ar vem bem de dentro antes de bater em mim todo quentinho. Vou me aninhando nestas palavras, de vez em quando reconhecendo os "l'amour" ditos em contextos incompreensíveis para mim. Meus olhos pesam, estou quase a dormir... Não escuto mais tua voz.
— Taeyong, deixa eu ser a concha menor agora — pede com carinho, atrapalhando meu sono. Não tem muito tempo que o tal asmr deu-se como encerrado, visto que eu dormia e acordava incontáveis vezes.
Atrapalhado, viro-me para o lado oposto e aguardo fazê-lo o mesmo. Abraço pela cintura, apoiando meu rosto junto ao teu. Muito grude, sei. Talvez no meio da noite vamos estar cada um num cantinho da cama, pois ele vai bem empurrar-me longe. Mas, enquanto isso, enquanto ele deixa, aproveito sim.
Dou-me conta de que caí mais uma vez no sono quando percebo meus olhos abrirem pela mísera claridade que vem da tela do celular de Ten. Queria saber com quem ele conversa quando deveria estar dormindo, quando me tem abraçado a ti. E assim que meus olhos lentos focam, percebo que se trata do tonto do Doyoung.
Dodo: "Você contou?"
Ten: "não"
Dodo : "E cadê ele?"
Ten: "ta aqui, me abraçando. dormiu"
Dodo: "E você vai fazer o quê?"
Ten: "outra hora eu conto. de verdade."
Dodo : "Você que sabe. Mas lembre que se trata do Taeyong, então tome cuidado"
Ten: "depois falo contigo direito, acho que ele está meio acordado ou prestes a acordar"
Dodo: "Como tu sabe? Pensei que só eu conhecia esses detalhes dele"
Ten: "se ele aperta no abraço e está com a mandíbula travada, está dormindo. eu sei muito bem disso"
Dodo: "Gênio. Tchau então. Conta logo, porra"
E então ele bloqueia o celular, deixa-o sobre a bancada ao lado da cama. Eu finjo que estou dormindo e percebo que talvez ele tenha percebido que não estou num sono profundo. Mesmo assim, suspiro profundamente e fecho os olhos antes de senti-lo virar o corpo na minha direção.
Eu não sei se isso é um sonho, se estou doente ou se é ambas coisas juntas. Só sei que está confuso, sabe? Está estranho também. Estranho o jeito que teus braços me acolhem, me envolvem, me cobrem, me sufocam. Estranho o jeito que tua boca quente beija-me o pescoço, o joelho amarrota meu quadril, tão vadio, sem saber por onde ir direito. E eu aqui, sem saber se estou sonhando ou de fato vivendo teu carinho, o modo que encosta a cabeça em meu peito e sussurra algo ao nos cobrir com o edredom de Star Wars da minha adolescência.
E por mais que esteja bom, dessa vez eu quero que seja um sonho. Um sonho bem idiota, como tantos sonhos que tive com ele — inclusive aqueles eróticos, devo mencionar. Sei não, sei não... Tudo está tão estranho e confuso. Daí, assim que a coragem para estancar meu fingimento estúpido surge, chamo teu nome. Mas eu só recebo a luz prateada do luar como resposta, trazendo consigo as constelações que nunca tive paciência para decorar. São milhões de estrelas, talvez algumas delas estejam mortas, porém ainda posso ver seu brilho.
E se Ten parar de gostar de mim, ainda seríamos a mesma coisa? E se ele sumir de repente, como as estrelas? E se ele sumir de repente e eu nunca souber, pois seu brilho ainda estará aqui? Não consigo pensar nisso. Saber que há estrelas mortas, e eu aqui admirando todas tuas ondas, tuas partículas, tua frequência. Como se estivesse me enganando com algo inexistente. Como os sentimentos de Ten. Chittaphon é uma estrela de uma galáxia distante: quando eu notar a ausência do teu brilho, simplesmente será tarde demais. Muitos anos-luz. Muitos anos-luz para acompanhar, Ten. E eu só tenho vinte e pouquinho, veja só. Tenha dó. É melhor eu dormir.
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