você é fissurado no meu cabelo

E se de repente ele acordasse numa manhã de domingo e percebesse que sou o amor da vida dele e ainda me ligasse, tropeçando entre os móveis do quarto, perguntando por que é que demorei tanto para aparecer em sua vida e, obviamente, gritando inúmeros "sim" como resposta dos meus até então falhos pedidos de namoro? Eu sei que pode ser ilusão, mas ninguém me disse que acorda-se pensando em miragens após uma noite de uísque gratuito. Cortesia de Doyoung e Yuta, claro, sempre úteis no quesito cirrose e conselhos extravagantes. Eu queria era ter ficado no pub, sinceramente...

Porque, como sempre, Yuta tinha um pouco de razão daquela vez em que deixou Chittaphon irado com a informação de que acordaríamos numa única cama e pelados. Quer dizer, parcialmente certo. Não estamos nus, mas quase. E só eu acordei na cama. Honestamente, eu nem sabia que os dois idiotas estavam na minha casa até eu tropeçar na perna do japonês ao tentar chegar ao banheiro e botar pra fora o Han que tenho aqui dentro do corpo. E se não bastasse isso, ainda encontro Doyoung jogado no sofá com a gravata enrolada na cabeça e, sendo sincero, não quero nem saber o que aconteceu ontem à noite.

E agora que estamos sentados ao redor da mesinha dobrável de tampo amarelado pela lembrança do uso, percebo que talvez café preto, amargo e puro não seja assim tão bom pra ressaca quanto eu pensei que seria. E todos nós percebemos isso.

— Nunca mais... — resmungo entre gemidos de dor e agonia. Nem quero pôr a cara no mundo hoje. Eu estou horrível. — Nunca mais isso, viu?

— Quanto mais você fala, mais tenho a certeza de que vai se repetir — Yuta violentamente joga três colheradas de açúcar mascavo dentro da xícara e engole certa quantidade de uma única vez.

Bocejo e reviro os olhos, pensando em como uma ducha gelada iria tirar a preguiça de mim nesta manhã. Mas estou com zero força de vontade para nada. Queria estar, sabe. Queria sair um pouco, mas as circunstâncias me dizem que é melhor ficar em casa.

— Pois tenha certeza que não vai — asseguro, crente de que isso virá a ser verdade algum dia. Mas Doyoung apenas solta um som com os lábios e agarra o telefone, arrancando-o rapidamente do carregador.

— Vamos tomar aquelas sopas pra ressaca. Tem um lugar ali na frente ótimo para isso — sugere ele, mas eu nego com a cabeça. Quanto mais eu puder evitar o mundo, melhor. — Você vai, sim.

— Mas eu estou tão cansado! — exclamo, espreguiçando-me. Yuta me joga um olhar de repreensão.

É óbvio que eu acabaria indo com eles, de um jeito ou de outro. Visto-me com pressa, jogo o cabelo bagunçado sobre a cara e sigo com eles para o tal lugar. Doyoung insiste em dizer que a noite foi incrível, com excessão do querido momento em que, segundo deles, praticamente me arrastaram para fora de tão bêbado e eu, sem um pingo de lembrança deste fatídico acontecimento, neguei a todo custo.

Eu particularmente gosto de sair com eles. São o tipo de amigos que não julgam muito, porém são um tanto exagerados demais. Doyoung se considera o mais responsável e são do grupo, mas acredito que ele seja assim pelo fato de não querer cometer deslizes e pisar na bola quanto a MinYoung. Eu entendo-o.

Por isso que quando despeço-me de ambos e sigo para o aconchego solitário da minha casa, penso um pouco sobre os fundamentos teóricos da ideologia de Ten sobre não sentir saudades, repudiar o amor, fugir que situações que irão deixá-lo num mesmo lugar por muito tempo, sobre todos serem efêmeros e a sua necessidade de conhecer coisas novas e se renovar. Porque isso tudo me diz muito sobre ele, mas ainda continuo sem entendê-lo. Não sei.

Olho seu número no registro de chamadas e penso em como foi que fiquei tão hesitante. O sol agora estende-se sobre o céu, agressivo com tudo e todos. E encaro o relógio, querendo saber se ele já comeu ou ainda irá. Se sente saudades de mim ou se ainda está bravo por anteontem. Gostaria de não ser idiota e ligar para ele ao menos uma vez. Procurar ele é perigoso ao meu coração; ele sempre recua, rejeita, não quer, nah, está ocupado. E isso é um tanto triste. Ficar com ele sempre que lhe convém.

Ligo a televisão, estico-me no sofá, bloqueio o celular. Assim que aumento o volume, o telefone toca e eu nem penso muito antes de atender. Ultimamente ele tem lido minha mente e nem sei se isso é bom ou ruim. Fenomenal é receber chamadas que não são ofertas de planos novos de operadora. Na verdade, no caso de Ten, com certeza são sim. Com certeza são planos novos.

— Está tudo bem? — pergunta diretamente, sem um "alô?", deixando de lado "oi" ou "e aí?".

— Oi, estou — respondo, após engolir em seco. — Ahn... E você?

— Também, não se preocupe. Enfim, você... Ah, eu queria saber só isso mesmo — e então ele fica em silêncio e eu não entendo nada. Então ele me ligou só pra isso? Só isso?

— Ah — mordo o lábio e aperto o telefone contra a face. Meus dedos estão formigando, querendo entrar no telefone, ir aonde ele está, abraçá-lo bem forte. Forte para ver se assim passa essa vontade, essa sensibilidade que vem a mim toda vez que escuto sua voz.

— Já comeu? — sua típica pergunta. Eu já até tenho resposta pronta, de tantas vezes que ele perguntou-me.

— Acabei de comer — pareço um robô falando isso. Solto um suspiro e sento-me no sofá. — E você comeu suas bananas?

— Eu vou fazer torta com elas — conta-me com o sotaque forte, então quase não entendo com perfeição. Eu gosto quando ele se sente confortável para conversar comigo do jeito que quer, sem precisar se esforçar para enquadrar-se ao sotaque da língua. Significa que ele não se importa em mostrar o que é para mim. Porque já somos bem íntimos.

— Hm...

— Aconteceu alguma coisa? — ele quer saber e eu fico quietinho, gozando da sensação gostosa que é tê-lo preocupado, presente, insistente e cuidadoso. Sinto que isso um dia vai me escapar. E amo-o demais pra não fazer valer a pena.

— Não, eu só estou meio destruído — digo com honestidade, soltando uma pequena risada nasal para que ele saiba que está tudo bem.

— Você está bravo por eu ter te ligado? —um som de plástico fica como plano de fundo da sua voz angelical. — Era pra eu ter mandado mensagem?

— Não, eu amo sua voz — revelo, me expresso, choco zero pessoas. Ele ri do outro lado da linha e eu gostaria de estar vendo o seu sorriso.

— Enfim, eu... Hoje é domingo, né? — o som de plástico extingue-se.

— Sim.

— Oh, então amanhã eu vou te ver! — sua animação e alvoroço todo no telefone por conta deste pequeno fato me faz sorrir idiota por ele estar, assim como eu, ansioso para quando nos vermos outra vez.

— Sim! — arranco as lascas de couro falso do sofá e fico olhando para o céu atrás da janela. — Que está fazendo agora?

— Eu estava comendo gimbap, mas agora estou no tédio — sua respiração próxima ao telefone causa um pouco de interferência, mas não me impede de entender o que foi dito. — Espere aí, está bem?

A ligação é encerrada e eu espero alguns segundos até receber um pedido de chamada de vídeo vinda dele. Entro em pânico, afinal estou com a cara amassada e a ressaca não tem pena e misericórdia de ninguém senão Chittaphon. Ele deve achar que só porque ele não fica acabado na ressaca significa que com todo mundo isso acontece. Mas, enfim, eu acabo atendendo porque não posso simplesmente ignorar uma chance de ver o rostinho lindo dele.

— Yah, você fica tão fofo com o cabelo bagunçado! — é assim dito por ele quando finalmente atendo e me apaixono pela 193748499392 vez por ele.

Ele está jogado no sofá, sem camisa, com o cabelo em cima dos óculos e um picolé branco na boca (provavelmente de coco?). Enquanto isso, cá estou eu com uma cara péssima, um cabelo horroroso e escondendo a casa bagunçada que os meninos fizeram o favor de deixar assim. Na verdade, era pra eu ter dado um soco na cara de cada pra ver se assim tomam vergonha.

— Por favor, não note isso — jogo uma almofada em cima da cabeça para que ele não fique notando quão horroroso está essa coisa aqui na minha cabeça. Se eu soubesse que ele iria fazer uma chamada de vídeo, pelo menos pegaria um gorro ou tomaria coragem para lavar esse cabelo.

— Tire a almofada, Taeyong — Ten diz ao mastigar um pedaço do picolé.

Nego com a cabeça e fico olhando para sua imagem na tela do celular. Ele fica lindo de qualquer ângulo, de qualquer forma. É tão gostoso sentir tudo por ele, sinto como se estivesse me afundando cada vez mais em nuvens coloridas e nada pode me tirar daqui. E como ele não fala mais nada, fico apenas assistindo-o lamber o picolé.

— Eu estou com muito sono! — resmunga ele, espreguiçando-se. Seu picolé já está derretendo e alguns pingos desabam sobre seu alvo e lisinho peitoral. Eu só fico olhando. Não há problemas em olhar, certo? Mas acho que há problemas em morder os lábios devagar. Porque eu acho que ele percebeu e deve ser por isso que está rindo. Meu rosto fica vermelho, eu quero sumir. — Você nem disfarça!

Puxo a almofada para o rosto e me proíbo de tirá-la até que o ataque ridículo de riso de Chittaphon tenha se extinguido. Porque esse tipo de coisa não deve ser notada nunca! Ele poderia ter ficado quieto, certo? Me deixaria menos envergonhado.

E não é novidade alguma que estou rendido a este ser. Cuido eu dos meus desejos, dos meus desesperos. E convenhamos, a arte da atuação nunca me foi uma dádiva, uma vez que uma simples expressão já é de total entendimento dele. Ele, que sempre me observa comer, sempre soube me ler muito bem. Eu não sou surpresa mais para ninguém. Então não é nada pioneiro o fato de ele ter percebido minha atenção para algo um tanto... Como poderei substituir atrativo? Ele sabe disso muito bem.

— Ok, desculpa — jogo a almofada longe e encaro-o sério. — Mas por que você me ligou?

— Nada, ué — ele dá de ombros e a essa altura do campeonato posso vê-lo lamber do palito os restos mortais do picolé. — Queria ver você.

— Já me viu, tchau — finjo que vou desligar, então ele se desespera e senta-se no sofá, repetindo que não é para eu fazer isso. — Ah, por que não? Estou cansado, sabia? Vou dormir um pouco.

— Você já dormiu demais. Doyoung me contou que você está acordado há apenas uma hora, porque todos vocês dormiram a manhã inteira — ele explana a fofoca do Kim e eu finjo surpresa por ter sido traído pelo meu melhor amigo.

— Pois ainda continuo com sono — coço os olhos e levanto do sofá, caminhando vagarosamente até meu quarto. — Ei, ei, ei! Por que está prendendo o cabelo? — praticamente grito ao deitar os olhos na tela e encontrá-lo juntando o cabelo para fazer um coque.

— Porque estou com calor — Ten solta o prendedor e muda o celular de posição. Provavelmente tenha deixado-o apoiado em alguma almofada ou afins, pois o aparelho está paradinho e agora consigo enxergar todo o seu corpo. Ele está usando apenas uma samba-canção.

Jogo-me na cama e fico vendo-o prender o cabelo: seus bíceps contraídos enquanto os dedos puxam os fios para trás num coque fofo e maravilhoso. Ele logo percebe minha atenção fixada e sorri daquele jeitinho que amo, apertando os olhos enquanto ajeita a lateral do cabelo para baixo e me pergunta que é que foi.

— Nada, só estou vendo seu cabelo — respondo timidamente, outra vez pego com a boca na botija. Ele aproxima o rosto da câmera para me olhar melhor e eu sinto uma leve (pleonasmo, devo enfatizar) vontade de beijá-lo.

— Você é fissurado no meu cabelo! — deita-se e estica o corpo no sofá, apoiando o rosto no braço, apertando a bochecha esquerda e assim formando um beicinho despretensioso que estou amando muito.

Eu rio, pensando no que responder. Sei que não estamos falando nada com nada, mas é simplesmente agradável estar assim com ele, falando sem script algum, soltando qualquer coisa que nos vem à mente. Não sei se está conversando comigo porque não tem nada para fazer ou porque eu não saio da sua cabeça. Espero de verdade que seja a segunda opção, mas eu sinto que às vezes é bom não pensar muito no assunto.

Porque, nossa, olha só como ele sorri para mim! E quando ele me beija, senhor... É como se ele estivesse beijando minha alma! Tudo em mim sai do lugar, treme um pouco, fica meio fora da casinha. Sei que não tenho muito o que oferecer pra ele, sei que merece mais que um tteokbokki mais picante que o normal, mas infelizmente é tudo que posso oferecer senão minha presença. Queria me sentir suficiente para ele.

— Ten, eu sou fissurado em você.

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