você e eu formamos uma bela dupla

Cara fechada e tênis de lama. Eu me sinto um idiota pérfido desse jeito. Caminhando, caminhando neste labirinto sem nem saber para onde estou indo. O Gato Sorridente estava certo: qualquer caminho serve para quem não sabe para onde ir. Eu não sei onde quero chegar, mas sei que sou estúpido demais, cansado de jogar a culpa na juventude quando, de fato, é de besteiras que se cresce nesta vida. É de besteiras que se cresce um galo na cabeça. De besteiras que surge uns hematomas no joelho. De besteira que se escorrega e rala o cotovelo. A vida é uma besteira. Eu fumo para ver se passa.

Contatos são luxos, coisas esquisitas que nos levam ao paraíso sem nem deixar a Terra. Acontece que nosso psicológico é fraco e instável. Não é possível que um mínimo toque possa despertar um gosto, um sentimento de que não deva em momento nenhum estancar-se. Tudo em mim é esquisito.

O moço de olhos azuis me encara por trás das lentes grossas da sua armação de aro dourado. Eu olho para as minhas mãos sobre o balcão. Grudo meus tênis sujos e meus joelhos exaustos. Queria estar fumando. Queria estar fumando e gritando.

Minha franja platinada esconde meu galo, escorre pela minha testa, cobre minhas sobrancelhas. Pouso uma cédula no balcão transparente e arrasto-a na direção do rechonchudo de bochechas flácidas e suspensório. Gostei do suspensório. Odiei a camisa. Respiro fundo.

— Só um? — pergunta-me, com aquele típico olhar de comerciante de que vai lhe empurrar contra a parede e tentar convencer-te de que é melhor não um nem dois, mas quatro só por precaução. Ele quer vender o peixe dele, claro.

— Sim — aquiesço.

Pego meu band-aid, o hemostático e o pacotinho de algodão. Recebo meu troco no exato momento em que Ten aparece para adicionar novas compras. Eu fico quieto. Joelhos grudados e um olhar perdido. Me arrependi de ter posto um short hoje, mas é que eu pensava que o band-aid que eu tinha no bolso de uma calça seria o suficiente para esconder todo meu hematoma. Bem, não foi. Agora eu tenho outro problema: um ferimento no cotovelo direito.

O tic-tac infernal do relógio atrás do homem me traz uma agonia profunda. Ten compra algumas besteiras, eu continuo no mesmo lugar. Finalmente saímos da farmácia, lugar o qual tivemos de ir após eu ter tomado uma queda e aparentemente não ter me arrependido de correr atrás dele. Agora estamos sentados num banco.

É claro que sou fresco, mas a ardência é horrível. Que é isso, @queridos_fabricantes? Será que esse tal hemostático estanca o sangramento ou arranca a alma? Eu sinto que a morte está próxima, depois dessa.

Odeio o fato de ter um psicológico inquieto. Ele gosta de fazer-me gostar de coisas bestas e idiotas. Contatos. Por que gostamos de contatos? Por que sou viciado em contatos? Está doendo, meu cotovelo está em chamas quando Ten tenta limpá-lo. Mas a mãozinha dele me fazendo carinho para acalmar-me tira toda a dormência do local. O amor é uma porcaria. Eu me sinto enfeitiçado.

— Viu? Você aguentou o tranco, boboca — ele fecha o recipiente do líquido que, na verdade, deveria se chamar "ticket-grátis-para-uma-ida-e-volta-pro-inferno". Aquilo não é de Deus.

Afrouxo meus dedos que apertavam o recosto do banco, com meu nervoso pela ardência. Relaxo os músculos e espero Ten pôr o band-aid em mim. Ele é muito cuidadoso comigo e abre-o enquanto olha nos meus olhos.

— Vai passar rapidinho, ta bom? — encontra a melhor posição e finalmente gruda-o no meu dodói. Aperta um pouquinho, então eu gemo tentando afastar o cotovelo. Sim, está ardendo muito e essa área parece estar um tanto dormente.

Ele beija o band-aid e faz um carinho no meu cabelo. Eu sorrio que nem um idiota. Vejo-o arrancar uma caneta hidrocor da bolsa e inclinar-se para escrever algo no meu band-aid. Não é como um gesso no braço, visto que o espaço é inúmeras vezes menor. Mas ele escreve e, quando ele guarda a caneta, eu tento entender o que ele escreveu. Eu não sou muito bom em ler algo de cabeça para baixo.

Consigo finalmente entender: "TxT :)". Era simples, nem sei porque tive dificuldades. E agora que li isso, sei que posso estar me iludindo mais ainda, mas não consigo parar de pensar em como seria incrível se namorássemos. Eu gostaria de sempre agradá-lo e tratá-lo da melhor forma possível, compraria flores — porque é a isso que ele cheira — e qualquer coisa clichê que os casais normais fazem.

Mas não somos.

Mesmo assim, não tenho muito o que fazer, a não ser aproveitar que estamos aqui. Cabelos molhados e experimentando perfumes femininos para saber qual Min Young gostaria de receber. O lado bom é que Ten está usando minha jaqueta e eu estou a perguntar-me se caso eu estivesse com ela eu ainda ralaria meu cotovelo. Eu acho que não. Tenho certeza que não.

Escolhemos um doce, porque a MinYoung é muito amorzinho, mesmo eu não indo tanto assim com a cara dela. Mas vida que segue. O dia está passando tão rápido, nem percebi que já estamos escolhendo o goró de Doyoung. Algo bem forte, eu sugiro. Mas estamos checando garrafas que não sabemos nem do que se trata. Eu não estou entendendo nada. Ten não entende muito do universo francês de cachaça, o que nos põe praticamente no mesmo nível.

— Vamos pela cor — sugiro. Ele concorda.

— Tem esse, esse e esse — aponta rapidamente para três garrafas coloridas, com exceção de uma marfim. Eu tenho medo do que sejam todas elas.

— O nome dessa é bonito, vamos levar — escolho a última. Ten não objeta.

Vamos almoçar logo após as compras, porque meu querido Chittalindo decidiu comprar roupas. Ele deve ser viciado em comprar roupas, uma vez que me obrigou a ficar uma fucking hora plantado no provador para dar opinião dos outfits caríssimos dele. Ok, talvez eu esteja um pouco traumatizado por ver ele tão bonito e não poder nem dar um beijinho — porque eu percebi que, se ele não der brechas e eu for por conta própria, ele foge, recua, reclama. Afrodite, quando é que essa merda vai parar?

Meu cupido é um preguiçoso que me detesta e eu não sei o que eu fiz de errado com ele para fazê-lo me apaixonar logo por Ten. Eu não sei o que deu na cabeça dessa peste.

— Você e eu formamos uma bela dupla — meu moreno comenta, fugindo do silêncio, quando estamos ajeitando nossa mala para a viagem. Nem acredito que vamos de primeira classe.

— Sim. Acho que foi legal eu e você contra Paris, né? — respondo, finalmente fechando minha mala. Jogo-me na cama e espero Ten terminar a dele.

— Acho que se não fosse por mim, com certeza você não sobreviveria. Seu francês precisa melhorar — ele agora deu pra ficar esfregando as coisas na minha cara. Vou fazê-lo lembrar-se de algo também.

— "Ontem é hoje e hoje é ontem" — cito sua confusão de mais cedo, quando estávamos comprando caça-palavras e revistas na banca.

— Isso é filosófico, sabia? — ele puxa a mala para o chão e agarra a bolsa grande que ele veio. Além disso tudo, ainda com o traje chique dele pendurado no antebraço.

— Haha, boa sorte em me convencer que sim — ajudo-o com as malas dele e pego a minha. Já estamos de saída.

— Ontem foi hoje, sabia disso? E hoje será ontem — ele começa a explicar e meu cérebro já dá uma emperrada.

— Pois então vou começar a explicar filosoficamente as pronúncias em francês que, segundo você, estão erradas — abro a porta do quarto para ele sair e desde já apresso os passos para o elevador com o intuito de chegar ao saguão, no andar de baixo.

— Mas realmente estão, Taeyong — ele ainda insiste. Ai, Deus, mereço... — Você não quer um extensivo também?

E então ele me dá, não uma, mas duas piscadelas com um sorriso desgraçado e, vendo que eu não ia sair do lugar — porque, sim, isso mexeu muito comigo e eu estou putamente apaixonado por esse sorriso —, ele passa direto por mim e me deixa plantado no meio do caminho para o elevador.

— Não vou segurar mais um segundo sequer — e então ele simplesmente afasta a mão das portas automáticas e eu corro que nem um idiota para ver se chego a tempo. Mas eu não chego e o elevador se fecha na minha cara. E adivinha a última coisa que vi? A risada diabólica daquela peste linda.

Ok, não vou surtar com isso. Espero, espero e espero o elevador aparecer outra vez. Sou bem paciente. Quando finalmente chego ao saguão, Ten está acertando tudo com a balconista e eu me aproximo calmamente. Não estou entendendo nada e me ocupo em assistir a televisão durante todo o processo.

Enfim, vamos embora. Nosso último dia aqui está chuvoso e eu fico fazendo desenhos na janela do taxi. Ten não está prestando muita atenção, não tira os olhos do celular. Agora ele está conversando com alguém no telefone.

— Não, eu só vou aparecer aí amanhã. Mas não avise, finja que não sabe... Eu sei, eu sei... Confiança é legal e tudo mais... Mas como vou saber que estão mesmo seguindo minhas ordens e não badernando? Eu só fiquei uma semana fora, querido, não foi um mês, não... — provavelmente esteja falando com alguém do restaurante, não sei.

Bem, o legal dessa viagem foi eu ter comprado inúmeras coisas. Ademais, ainda tem as músicas novas que comprei no iTunes de Dodo (rezando aqui para que ele não vire uma fera) e são todas maravilhosas. Ninguém aguenta viver a base de músiquinhas de amor... Onde estão as músicas explícitas, chifre e chororô? Ele precisa de músicas novas, isso sim. Fiz um favor e salvei a pátria.

Percebi que voos são chatos e requerem paciência. Mas quando fazemos o check-in, as mil palhaçadas de segurança e vamos finalmente embarcar na primeira classe (eu sou o verdadeiro significado de "do lixo ao luxo"), sei que estou nervoso. Chittaphon está totalmente relaxado e calmo ao meu lado. Ele já deve estar acostumado com isso.

Senhor, tudo aqui brilha. Não estou exagerando não, é tudo de primeira linha. Além disso, tem um monte de burguês aqui. Quer dizer, não tem tantas pessoas assim. Tem muito menos que a econômica, claro. Mas os gatos pingados que aqui se encontram têm tudo cara de burguês. Tenho medo de encarar e eles me meterem um processo. Sei lá, eu sou paranoico.

Sério, tem muita pouca gente aqui. Dá pra contar com os meus dedos de uma única mão. Nossa, que exagero. Mas eu estou totalmente nervoso, porque só fui saber da companhia quando estávamos no check-in e quase caí de costas no meio do aeroporto. Agora estou duro feito uma pedra, andando feito robô para a minha poltrona.

Não, não é bem uma poltrona simples. A minha é ao lado da suíte de Ten. Ele disse que era suíte, eu não posso discordar. Ou melhor, será mesmo que uma classe econômica teria tanto espaço assim a ponto de você ter quatro janelas só para você? Só para você? Quatro janelas?

— Taeyong, você está escutando? — Ten fala em coreano, chamando minha atenção. Eu estava dando uma checada no meu frigobar exclusivo.

— Não, desculpe — viro-me para ele e enxergo um senhor que aparentemente irá nos servir durante a viagem.

— Como você gostaria de ser chamado? Algum honorífico coreano, monsieur...? Ou só Taeyong mesmo? — ele traduz o que o senhor me diz e eu fico encarando os dois com cara de tacho. Gente, ninguém nunca me fez essa pergunta, não.

Talvez "Miss Senhor Grandiosíssimo Dono Do Universo Lee Taeyong Oppa"?

— Ahn... Somente Taeyong, por favor — respondo em francês, com a voz trêmula. Ele aquiesce, diz algo e sai.

Vamos pousar em Incheon e falta ainda muito tempo. Não é por nada que um voo desse é caro, tem pijama aqui e pantufas. Eu acabei de descobrir um compartimento com um headphone estrondoso e meu frigobar tem tanta coisa que me perco só em contar. Tem um botão para fechar a persiana. Estou brincando com ele.

— Para com isso, Taeyong — Ten pede, pondo a mão na têmpora. Ele está tão elegante com essa calça da Burberry que eu nem sei como dizer que estou tremendamente apaixonado pelo jeito que ele se veste.

— Nah, você é sem graça — reclamo baixinho.

Ten revira os olhos e passa a procurar um filme para assistir. Eu estou um tanto desconfortável com nossa situação. Quer dizer, aqui é tudo do bom e do melhor. Será que mereço isso? Um voo primeira classe da Air France deve ser um absurdo de euros, como é que vou dar esse retorno a ele? A parada de sugar daddy ainda está de pé?

Em falar nisso, devo dizer que tenho provas suficientes para dizer que sim, Ten é meu sugar daddy implícito. Ele está me bancando desde antes da viagem e ainda me pega quando quer, então está claro que estou me vendendo por uma viagem de primeira classe. Se Ten quiser me beijar, me jogar na cama, me chicotear ou me amarrar... Vá em frente, querido. Nunca vou conseguir pagar por isso.

— Nossa, Ten, é tão silencioso... — comento baixinho, com medo de alguém escutar e pensar que nunca andei num desses. Eu vesti minha melhor roupa, a que mais se aproxima de burguês. Espero ter tapeado alguém.

— Sim. Ei, vamos comer? É hora da janta — Ten empurra a tela da TV para trás e eu arregalo os olhos, porque eu nem sabia que fazia isso.

— Vou comer só porque eu nunca mais vou ter uma chance dessa — respondo, espreguiçando-me na poltrona extra confortável. Isso daqui tem muito espaço, acho que supera dois metros. Real.

— Não fale assim, Taeyong... — ele diz e eu já sei que isso é um sermão. — Vou chamar o Roi.

Nunca que eu saberia que Roi é o senhor que nos atendeu antes. Mas ele vem rapidinho, puxa uma mesa do além — sério, ele puxa a mesa de algum compartimento aqui ao meu lado e eu nem sei como ela coube aqui, devido ao tamanho — e começa a trazer prato, copos, talheres... Tudo uma rapidez exorbitante. Tenho muito o que aprender com esse Roi.

A questão é que isso não é primeira classe, isso é zero classe, classe céu ou qualquer coisa cem vezes melhor. Ten me traduz tudo o que Roi diz, eu apenas respondo "ótimo", "obrigado", "perfeito" e "incrível" com minha pronúncia bem trabalhada e impecável para todas estas palavras.

Eu guardo um chocolate pra comer em Seul, porque não sou nenhum besta. Chocolate francês de marca famosa não é fácil de se conseguir, não. Enquanto Roi me serve com um prato de nome esquisito, observo quão Ten está elegante assim, suavemente girando a taça do vinho tinto e, antes de degustar, educadamente sentindo o aroma e comentando um "sensacional" em francês. Eu amo o jeitinho dele, é tão requintado e fofo.

O cabelo dele está dividido, o que significa que não está caindo sobre seus olhos, apenas alcança a pontinha destes. Óculos no rosto: ok. Postura ereta: ok. Piercings na orelha: ok. Pulseira no braço, porque ele não consegue andar sem, no mínimo, um acessório: ok. Meu coração pra se divertir e se distrair quando quiser: ok. Tudo confere.

Estou tentado a confessar, a desabafar todos os meus sentimentos para ele. Contar tim-tim por tim-tim, detalhar o jogo. Mas não sei não, deve ser o vinho branco que Roi me empurrou e eu respondi "perfeito!". Talvez a culpa seja de Roi por eu estar olhando Ten beber o vinho dele encantadoramente, ao invés de prestar atenção no meu amuse-bouche (gente, isso é caviar, eu estou surtando!!). Onde é que tem saída de emergência aqui? Meu coração bate forte, ele quer sair do peito.

— Ten — chamo-o.

Ele pousa a taça na mesa e olha para mim.

— Hm? — ainda está engolindo o vinho.

Treinei um pouco tailandês hoje à tarde, logo após o almoço, quando Ten foi comprar algumas coisas para a família dele e me deixou sozinho por uma hora e meia no hotel. Quero pôr em prática meus minutinhos de estudo no duolingo, tendo que aturar aquele pássaro filho da puta me enchendo o saco.

Então eu respiro fundo e tento me lembrar da pronúncia:

— Eu te amo.

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