você compreende que teu sorriso também é arte?

Terceiro dia na França e temos que lidar cada um com sua ressaca. Ele está com a cara amarrada, pois sua ressaca é infinitas vezes pior que a minha. Estamos tomando café, quando Ten suspira impaciente com nada em específico e recosta-se na cadeira.

— Ei, quando é que você vai parar de fingir que está comendo? — sua pergunta pega-me de surpresa.

A xícara bonita que estou a segurar pousa suavemente na pires e eu dou uma lambiscada no meu lábio inferior com resquícios da bebida escura.

— Eu não estou fingindo — não tenho pressa para responder. — Eu realmente não estou comendo.

Ele suspira impaciente outra vez e me serve algumas porções. Pede, por favor, para que eu coma de uma vez por todas e deixe de teimosia. Ele está olhando em meus olhos e o brilho do sol vindo da janela está clareando teus olhos castanhos a ponto de parecerem mel. Eu não refuto, não reluto.

— Sério, desculpa por estar tão mal hoje... — ele coça os olhos e afasta o cabelo do rosto. Ele parece maior que antes. — Eu bebi além da conta.

— Está tudo bem — mastigo antes de assegurar-lhe.

Ele não secou seu cabelo com o secador como de costume, por isso muitas partes estão mais úmidas que outras. Não há um total ar de ressaca no homem à minha frente, somente uma densa aura dorminhoca que evidencia sua péssima noite de sono. Será que devo dizer que ele é lindo até de ressaca?

— Muito obrigado mesmo por ontem — ele diz. — Ou hoje, tanto faz.

Ele faz movimentos circulares com os ombros e enfim noto quão bem ele fica nesse sobretudo caramelo. Seus ombros caem, ele está cansado.

— Hm. Ok — sou breve, mas apenas para terminar de comer tudo isso de uma vez.

— Mesmo que tudo pareça um borrão, eu ainda me lembro de quando cheguei e você cuidou de mim. Eu costumo me virar sozinho quando estou em situações como essa, porque as pessoas sempre se aproveitam... — sua voz perde a intensidade de antes e eu percebo que ele não irá continuar se eu não falar algo.

— Entendo — bebo outro gole do meu café.

— ... E você malmente olhou para mim — conclui. Eu sei o que ele quer dizer. — Obrigado.

— De nada — dou por encerrado meu café e checo na minha jaqueta preta de couro onde raios se meteu meus cigarros. Eu não estou encontrando-os.

Ok, isso é absolutamente estranho. Eu me lembro que fumei ontem e guardei-os na calça. Da calça, coloquei a caixa sobre a bancada e hoje de manhã enfiei-a no bolso da jaqueta, antes de vesti-la. E não é a primeira vez que isso acontece, me recordo perfeitamente que um dia uma caixa sumiu no restaurante de Ten e nunca mais a vi. O universo está mesmo contra mim?

— Vou comprar cigarro — aviso ao me levantar. Ao passar ao lado de Ten, ele segura o meu braço e me impede de ir.

— Eu quero te levar ao Louvre hoje — ele se levanta também. — Em troca, você fica um dia sem fumar.

— Não é algo assim tão difícil de se fazer — dou de ombros. — Sobretudo porque eu perdi meus cigarros e, a menos que você me solte, eu não poderei comprar novos.

Opa, acho que isso saiu muito grosso da minha parte. Respiro fundo, já que aparentemente ainda estou bravo por Ten inventar mil e uma regras entre nós dois que me impedem de amá-lo livremente quando, ironicamente, para as demais pessoas do globo nada disso existe. Nunca vou esquecer daquele cara no seu pescoço.

— Só não faz isso até a viagem acabar, que tal? — ele recolhe a mão do meu braço e enfia-a no bolso largo do seu sobretudo.

— A troco de quê? — aproximo meu rosto do seu, desafiando-o. Ele se assusta e dá dois passos para trás. Acho que ele não gosta mesmo de mim.

— Eu te levo ao Arco do Triunfo e ao Louvre — seu nariz ergue e ele está se achando um gênio por isso. — E à Torre Eiffel, já que a gente só passou na frente, ontem, e foi com pressa.

Senhor, onde fica o Louvre? — pergunto em francês. Ten revira os olhos. — Eu posso perguntar isso a qualquer um.

— Você tem estudado — ele observa. — Você ainda está puto?

— Um pouco. Sabe, poderíamos ser mais honestos um com o outro. Somos amigos, afinal. Eu não sou um cacto — encolho meus ombros. Isso está doendo em mim. Por que a palavra amigo se tornou tão pesada para mim?

— Ok, então. Eu te levo a qualquer lugar e podemos nos divertir com o que você quiser. Em troca, você fica sem fumar até o final da viagem e comerá toda vez que eu comer — parece justo, mas não é tão legal assim.

Ten é um monstro comendo, parece que a cada trinta minutos ele está mastigando alguma coisa. Eu não quero passar por isso, muita comida e muita informação. Se ele começar exagerar nisso, eu também vou exagerar. Ele não gosta de perder, então vai parar de me atacar. Eu conheço-o muito bem.

— Certo — concordo.

— Certo? — ele sorri para mim.

— Certo! — eu sorrio também, não resisto.

Sua mão pequena alcança meu pulso e, animado, ele me puxa para fora e juntos nos apressamos pelas ruas de Paris. O clima está ótimo e eu tenho uma câmera fotográfica no meu bolso. Pegamos um ônibus e Ten me deixa ficar na janela, nossos ombros estão colados e ele aponta para inúmeras coisas nas ruas. Eu não estou mais puto.

E aqui estamos bem à frente do museu e é de tirar o fôlego. É grande, enorme, alto. É bonito demais, aposto que seu interior também é. É impossível olhar a arquitetura parisiense e não tentar recordar-se de algum movimento artístico ocorrido na Europa. E agora estou prestes a contemplar as artes desses movimentos. Estou tão animado, mal consigo esconder o entusiasmo.

— Você está comigo, vê se não anda sozinho — reclama Ten atrás de mim, irado porque dei no pé sem ele precisar me levar.

— Tira uma foto minha aqui na frente! — empurro a câmera de Doyoung para ele e faço incontáveis poses perto das pirâmides. Ele sorri ao tirar as fotos.

Entramos apresados e cheios de expectativas. Aqui é enorme, extenso, rico em diversas coisas e, dentre elas, a beleza é a principal. Nem sei como descrever estar aqui e com tudo isso. É como se eu estivesse num filme estrangeiro, sem legenda, áudio original e a câmera (meus olhos) ficasse confusa sobre onde e em quê focar. É mágico demais.

E ele ainda está ao meu lado em todos os segundos, rindo comigo quando falo besteiras e comentando sobre qualquer coisa. Então eu percebo que não poderia estar, de jeito nenhum, com outro alguém aqui senão ele. É como se Paris tivesse sido feita para nós dois.

— Então ele põe as cores primárias assim... Está meio espumado e isso é legal — comento sobre determinada obra a qual estamos analisando. Eu nem sei pronunciar o seu título.

Ten se vira para mim.

— Ah, é?

— Sim. É incrivelmente artístico — eu sorrio de alegria.

— Verdade, mas... você compreende que teu sorriso também é arte? — ele já não está olhando mais para mim, e sim para o quadro.

WikiHow não me ensinou o que devo fazer depois disso. O que devo fazer depois disso? Ele está com um sorriso no rosto e as mãos entrelaçadas atrás do corpo. Ele não olha para mim. O que ele quer dizer com isso? É algo poético de artista ou uma cantada?

— A arte imita a vida — é o que decido falar para romper o silêncio romântico entre nós dois.

— A vida imita a arte, boboca — ele me corrige com uma cotovelada fraca e amigável.

— Boboca — eu começo a rir escandalosamente dessa palavra e Ten me acompanha, acertando o meu braço com socos leves ao pedir que sejamos menos chamativos.

Horas andando por aqui, rindo e conversando. É um pouco cansativo, porém divertido. Principalmente quando eu comecei a esculhambar determinadas artes e Ten disse que eu não deveria fazer isso, porque é considerado pecado e desse jeito ninguém vai me querer e o meu sorriso acabará parando no Salão dos Recusados. Claro que não entendi isso de cara, porém agora me recordo de que estudei sobre isso na escola.

Ele me cantou de novo? Porque o Salão dos Recusados é onde ficava as obras recusadas do oficial salão, o Salão de Paris. Acabei de pesquisar isso no seu celular, já que ele foi ao banheiro e deixou-o comigo. Então ele ainda vem com esse papinho de me chamar de arte e tudo mais? Merda. Eu não estou podendo me apaixonar, droga.

— Vamos conhecer a Torre, Mademoiselle — ele aparece repentinamente, me puxando pelo braço para que eu me levante do banco. Ainda bem que excluí o histórico. Gosto de fazê-lo pensar que não sei das coisas.

Mademoiselle é você — dou língua para ele e, no meio do caminho ao ponto de ônibus, ele para na frente de um café.

— Quero beber um frapuccino e você vem comigo.

Ah, eu já tinha esquecido do acordo...

— Só um — ergo o indicador e rio quando ele me puxa para dentro do estabelecimento.

Ele compra o dele e eu prefiro um capuccino. Estamos sentados bebendo, aqui tem um cheiro bom e uma atmosfera aconchegante. Minhas palmas das mãos estão quentes com o copo que quais elas rodeiam e eu não tiro os olhos de Chittaphon. Ele afasta a boca do copo e tem um bigode de espuma extremamente espesso acima dos seus lábios. Agora eu estou rindo, porque ele fez isso de propósito e eu amo-o fazendo qualquer coisa.

Espera. Eu o quê?

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