SEGUNDO CAPÍTULO: QUE MINHA LOUCURA SEJA PERDOADA
- Que vídeo é esse? - Perguntei.
- É você nesse vídeo? - Ele perguntou sério.
- De onde veio esse isso?
- Me responda - ele parecia que estava se irritando.
- Claro que não! Eu nunca matei ninguém! - Falei. E eu nunca cometeria um crime. Nunca mataria alguém.
- Por acaso você tem algum irmão gêmeo? - Ele perguntava se aproximando.
- Não que eu saiba - respondi me encostando na parede. Eu estava encurralado.
- Então já temos nossa sentença - ele falou. E eu pude jurar que os olhos dele brilhavam com uma luz amarelada. - Você é culpado.
- Que conversa é essa?! Você invade minha casa, me mostra um vídeo que eu nunca vi na vida e ainda quer dar uma de juíz pra cima de mim?! Você sabe que você pode ser preso por invasão de privacidade?! - Eu só queria ganhar tempo. Talvez uma onda de coragem para me fazer pular do terceiro andar. Eu posso sobreviver. Talvez eu quebre alguma coisa, mas eu tinha chances de sobreviver.
- Chega de conversa.
Ele veio correndo na minha direção e não sei de onde tirei coragem pra desviar e chutar aquele cara. O que fez ele se desequilibrar e cair pela janela, me arrependi logo em seguida. Olhei pra ver o corpo jogado na calçada. Eu corri pra pegar meu celular e desci as escadas. O corpo continuava lá, mas é claro. Maldição. Ele poderia muito bem ser uma alucinação alcoólica e eu poderia estar no bar ainda passando mal com o Tiago me abanando.
Me aproximo com bastante medo, para ver se ele estava respirando. Aproximo minha mão do nariz dele e quando chego bem perto uma mão agarra a minha. Seus olhos se abrem logo em seguida. E ele diz.
- Ino... cente?!
Eu chutei ele pra ver se ele me soltava e ele soltou. Me afastei e minhas pernas se esqueceram como faziam para correr.
Ele se levanta como se nada tivesse acontecido e olha pra mim com o semblante enrugado. Ele parecia mais surpreso que eu.
- Mas se você é inocente... Como... ?! Quem? - Ele fazia indagações ao ar e deu as costas fazendo as mesmas perguntas. Ele não tinha um único arranhão. Em suas costas havia apenas uma tatuagem de balança com a cabeça de um lobo usando um daqueles chapéus de faraó no topo. E as correntes da balança iam até seus braços e se enrolavam neles.
- Quem caralhos é vocês? - Eu perguntei já irritado.
- Eu?! Eu me chamo Khalid. Eu estava disposto a matar você hoje, garoto. Você tem sorte. Pelo visto você é inocente. Mas será mesmo!?
- Você ia me matar...?
- Ainda to decidindo.
Engoli seco. Eu tinha o celular no meu bolso. Eu poderia correr pra dentro e ligar pra polícia. Corri sem nem pensar uma segunda vez e peguei meu celular. Quando olhei pra trás ele havia sumido, o que me fez parar de correr. Ao virar meu rosto novamente me deparo com ele bem na minha frente.
- Garoto, não sou seu inimigo. Mas essa história tá muito mal contada.
- Você é da polícia por acaso?! Hein?!
- A Polícia aqui não tem poder algum, garoto. Você não tem ideia dos segredos que essa cidade esconde. Você cometeu um grande erro vindo pra cá.
- To vendo agora. É cheio de gente maluca.
- E você não viu nem a metade. Mas nós nos falamos amanhã, Hórus. Pela manhã eu venho aqui - e se afastou. - Não pense em fugir da cidade. Eu encontro você.
Eu me sentei no chão sentindo meu coração muito acelerado. Aquele era um péssimo momento pra minha loucura aparecer. Eu só precisava voltar pra casa. Que noite mais estranha.
Ao entrar no meu apartamento eu fico virando de um lado ao outro na cama. Depois passo a noite andando de um lado para o outro. Me perguntava que vídeo era aquele e quem era aquele cara tão parecido comigo. Será que eu tenho mesmo um irmão gêmeo?! Não. Acho improvável. Meus pais teriam me falado. Mesmo se eu tivesse, a probabilidade de ele estar na mesma cidade que eu, era quase impossível. Tem alguma coisa errada nisso tudo. E quem era aquele homem que foi morto? Quem é esse tal Khalid? E que tipo de pessoa sobrevive a uma queda de três andares sem nenhum arranhão?
Eu fiquei fazendo esses questionamentos até cair no sono em cima da mesa.
Fui acordado com o cheio de café sendo feito. Olhei lentemente quem estava na cozinha e tentei discernir as vozes conversando. Uma delas era de Tiago.
- Ai, acordou? - Disse ele. - Eu passei a noite preocupado contigo, mas parece que tua noite foi melhor que a minha.
Ele não estava irritado. Parecia ligeiramente chateado e preocupado. E também não fazia ideia do que estava dizendo. Aquela foi uma das piores noites da minha vida. Na verdade, acho que foi a pior noite que já tive em toda minha vida.
- Espero que sua noite tenha sido melhor que a minha - resmunguei como resposta.
- Acho difícil. Você tava em melhor companhia - ele falou num tom de voz malicioso, o que me fez abrir meus olhos inchados para olhar para a cara dele. — Você não tinha me dito que tinha um primo tão bonito. A beleza parece ser de família.
Primo?! Eu consegui distinguir duas silhuetas. Uma era de Tiago e a outra era de uma pessoa que estava fazendo o café.
- Bom dia, Hórus. Espero que tenha dormido bem - disse a outra pessoa.
Me levantei tão rápido que acabei caindo da cadeira. Tiago correu para me segurar.
- Menino, o que foi que tu usou? - Ele perguntou ao me levantar. - Deveria ter me oferecido também.
- Esse cara...! Ele não! - Tentei falar alguma coisa, mas eu não faço ideia do quê. Só sabia que eu tinha que sair dali, por que era o mesmo maluco da noite passada que estava fazendo o café.
- Meu café não é tão ruim assim, cara - falou o Khalid que parecia se divertir com a situação.
Tiago riu um pouco e me pôs de volta na cadeira.
- Te aquieta aí - ele falou. - Qual é teu nome mesmo?
- É Khalid - disse ele.
- Que nome diferente.
- É egípcio - ele falou. Depois apagou o fogo e levou a panela até a pia para coar o café.
- Hum. Poderoso - falou Tiago. Ele não fazia ideia de como aquela situação era tensa. De como meus nervos estavam explodindo de tanta tensão.
- O café tá pronto. Podem se servir - disse o Khalid animado.
Eu corri até o banheiro na primeira oportunidade. Eu estava sem o meu celular, mas pelo menos eu estava longe daquela loucura da sala. Como aquele cara consegue ser tão cara de pau?!
- Hórus, eu to indo pra praia - gritou Tiago. - Juízo por aqui.
Eu saí correndo do banheiro no mesmo instante.
- Você não pode ir! - Gritei pro Tiago.
- Você não costuma ser tão carente, bebê - disse ele.
- Eu vou com você!
Ele me encarou de forma duvidosa e disse.
- Então vamos, né.
- A gente já tem compromisso, Hórus - disse Khalid tomando café numa xícara.
- Tem?! - Perguntou Tiago.
- A gente vai encontrar uns parentes - disse Khalid me encarando.
Eu tinha medo do que ele poderia fazer se eu negasse aquilo. Mas ainda tentei transmitir todo o meu desespero no meu olhar, só que não funcionou.
- Tudo bem. Divirtam-se - disse ele e saiu. - Eu vou tá muito bêbada na praia pra ligar.
- Melhor você comer alguma coisa - disse Khalid.
- O que você quer de mim? - Gritei pra ele.
- Quero ajudar você a provar sua inocência.
- Por que, caramba?
Ele puxou uma cadeira e se sentou.
- Aquele homem no vídeo parece muito com você. Se ele não é você, quem ele é?! E se eu confundi vocês dois, outras pessoas também podem.
Ele parecia sincero. E também estava sóbrio, o que duplicava minha tendência a confiar nele. Ele tinha razão. Eu precisava de ajuda, por que se outro justiceiro aparecesse e não fosse tão justo como Khalid, certamente eu iria morrer por um crime que não cometi.
- Tudo bem - falei quase me arrependendo em seguida. - Me ajuda a provar minha inocência.
- Ótimo - disse ao se levantar. - Vamos até a cena do crime.
- Como é que é? Você acha uma boa ideia!?
- Claro que sim - Se pôs a olhar o chão, procurando alguma coisa. Pegou uma maleta preta que eu nunca tinha visto na vida e a levantou. - É lá onde eu moro.
Já estávamos do lado de fora quando um carro preto chegou. O vidro do lar do motorista foi baixado lentamente e no volante estava um jovem de longos cabelos castanhos e um claro olhar de tédio. Tinha os olhos inchados de quem não teve uma boa noite de sono e a barba estava por fazer.
- Achei que você tinha morrido - ele disse num tom não tão preocupado.
- Mano, tá longe desse lobo do mar descansar - falou Khalid abrindo a porta de trás e pedindo para eu entrar. - Entre em nossa embarcação, marujo.
Eu entrei sem fazer perguntas, por que minha vergonha alheia já estava estampada em meu rosto. Khalid entrou logo em seguida. No banco da frente havia outro homem. Ele fumava um cigarro calmamente e soltava a fumaça pela janela.
- E o Ramon já tá com o câncer dele? - Perguntou Khalid.
- Eu falei pra ele já - falou o motorista manobrando o carro para sair dali. - Ele já tá bem pertinho de morrer.
- Você me respeite que eu só fumei um hoje - reclamou Ramon.
- Claro. Um quilo - respondeu o motorista já saindo da rua onde eu morava. Tiago já deveria estar na praia. Se eu fosse morto e desovado em algum canto ali perto, pelo menos ele havia visto o rosto de um deles.
- Quem é esse bicho assustado aí do teu lado? - Perguntou o motorista.
- Então, Capitão Linus, esse é o Hórus. Ele é idêntico ao assassino do nosso mestre, mas não é ele - disse Khalid simplesmente. O carro deu uma parada súbita fazendo eu ir para frente e quase fazendo eu me chocar contra o vidro.
- Que merda você tá falando? - Perguntou Linus.
Ramon logo olhou para mim com uma raiva crescente em seu olhar. Ramon tinha o cabelo cortado em estilo militar, a pele morena e olhos quase tristes, que naquele momento pareciam prestes a me fuzilar.
- Deixa que eu mato ele - disse Ramon.
- Ei, ei - gritou Khalid me puxando para perto dele. - Não foi ele!
- Que tanta certeza é essa? - Perguntava Linus.
- Eu usei o Julgamento nele. Ele é inocente.
Ramon só deixou de me encarar após ouvir Khalid dizer aquilo.
- Se você tá dizendo. Mas mesmo assim - falou Ramon parecendo triste. - A porra do meu cigarro caiu.
- Relaxa que quando a gente chegar em casa, eu te pago uma carteira pra tu acabar com esse teu pulmão - falou Linus.
- Isso sim é amigo.
O carro voltou a andar e por um momento de distração quase atropelamos duas garotas que atravessavam a pela faixa de pedestre.
- Oh, tá maluco filho da puta?! - gritou a mais alta de cabelos cacheados e usando uma blusa florida.
- Foi mal aí, Luzia - gritou Linus.
- Ala quem é o merda - gritou Luzia ao se aproximou do carro para falar com ele. - O que os vira latas andam aprontando por aqui?
- Nada de interessante - falou Ramon.
A outra garota de cabelos castanhos lisos e pele clara, ficou segurando seu colar enquanto olhava para a janela do carro. Ela parecia conseguir me ver por trás do vidro fumê e o olhar que ela fez foi o mesmo que o das outras garotas. Mesmo por trás dos óculos dela, ela ainda transmitia uma espécie de medo. Tanto que nem se aproximou do carro.
Luzia deu uma olhada em todos os passageiros, mas não conseguiu me ver, o que achei que foi algo bom, por que mesmo sorrindo, ela ainda parecia ameaçadora.
- Cuidado por aí, Linus. To de olho em vocês - disse Luzia se afastando do carro.
- Sim, senhora - disse Linus se afastando no carro.
As duas ainda observavam o carro se afastar. E o olhar de Luzia rapidamente mudou para preocupação quando a outra garota se aproximou dela.
O que tinha de errado com as pessoas daquela cidade?! Ou será que o problema era eu?!
- A Luzia me dá medo - disse Ramon.
- Não é de se espantar sendo que ela poderia acabar contigo sem muito esforço - provocou Linus.
- Mas é bom ter cuidado mesmo. Sem brincadeira. Já vi ela dar uma surra em quatro caras por que estavam causando problemas na boate da Samantha - disse Khalid.
Eu não fazia ideia de quem eram aquelas garotas, mas o medo que ela fez surgir neles me deu uma esperança. Talvez eu fosse atrás dela, caso eles tentassem me matar.
Pouco tempo depois de quase atropelarmos as duas garotas, já estávamos parados bem a frente de uma casa com muros bem altos e mato cobrindo as grades. O portão era de ferro retorcido e bem no centro tinha a figura de uma cruz e no centro dela a figura da cabeça de um lobo. Dentro da cruz algumas formas como laços tomavam espaço e forma. E embaixo da cruz, uma placa, na qual estava escrito "COLEIRA OU CÓLERA."
- Bem vindo ao local do crime, Hórus - falou Khalid abrindo a porta.
Desci meio receoso e os outros também desceram. Olhavam a casa em silêncio. O olhar deles parecia triste e tiveram dificuldade de caminhar até a entrada.
- Sempre é difícil entrar depois daquela merda - disse Linus abrindo os portões com uma chave que tirou do bolso.
Ele abriu revelando uma casa enorme. Com vários equipamentos de exercícios, uma pista de corrida e um grande campo de gramado. O lugar era tão grande que nem parecia uma casa. Andamos um pouco até eu ver a frente de uma casa familiar. E perceber que aquele era o local do crime.
- Então foi aqui? - Perguntei.
- Infelizmente sim - disse Khalid se aproximando.
Ramon acendeu um cigarro e foi se sentar mais afastado. Ele vestia uma camiseta justa branca e calça jeans, tinha o porte físico de um atleta e parecia mais velho que os outros dois.
Enquando Linus tirava do bolso um celular e fones e os colocava. Khalid era o único que continuava encarando aquele lugar, como se ainda estivesse vendo o acontecimento bem diante dos seus olhos. E ele ainda carregava a estranha maleta preta em sua mão.
- Eu lamento muito pelo que aconteceu - falei me dirigindo a Khalid.
- Não lamente. Ele precisa que a gente encontre o responsável e faça ele pagar. Pagar como se deve.
Era possível ver um fogo no olhar de Khalid. Aquilo era raiva de verdade. E fez minha loucura dar uma leve vacilada e minhas mãos tremeram.
- Onde fica o banheiro, por favor? - Perguntei.
- Entrando, dobra a esquerda, segue no corredor e a primeira porta a direita. Não tem erro.
Corri até o banheiro e tentei buscar meu controle que parecia ir embora pela pista de corrida que ficava ao redor da casa. O que tava acontecendo comigo não era normal. Do dia anterior até aquele momento, eu não havia descansado e eu também estava com fome. E todo aquele estresse só aumentava. Sentia que eu ia ficar fora de controle ali mesmo. Lavei meu rosto com a água da pia e acabei ouvindo um barulho alto de algo quebrando do lado de fora.
— Tá maluco? — gritava Khalid para alguém.
Eu saí do banheiro devagar, bem a tempo de ver Khalid sendo jogado pela porta e caindo bem na minha frente. Sua camiseta estava queimada e ainda saía fumaça bem no meio.
— Pega — disse Khalid jogando a maleta pra mim. — Agora corre daqui.
Não pensei duas vezes antes de obedecer. Corri para dentro da casa e acabei encontrando uma porta dos fundos. Corri mais um pouco até perto de uma árvore e me esforcei para subir nela com uma maleta em minha mão. O que estava dando certo, até meu sapato escorregar no tronco e eu cair por cima do meu ombro. Ainda pude ouvir um "crack", que eu imaginava que não fosse um bom sinal. Uma dor aguda veio logo em seguida.
E com a queda, a maleta acabou abrindo. Em seu interior, tinha uma espécie de tecido escuro, num tom de roxo, e era meio felpudo. Parecia a pele de uma animal. O que fez eu me perguntar por que ele iria pedir para eu cuidar daquilo.
Estiquei a mão para fechar a maleta, mesmo sentindo uma estranha energia vindo daquela pele.
De repente algo agarra meu braço. Tinha alguma coisa dentro daquela pele e eu sacudi meu braço para afastar, o que só fazia aquilo se enrolar mais ainda no meu braço. E quando percebi, eu estava sendo envolto por alguma coisa. Antes mesmo que eu pudesse gritar por ajuda, minha visão se apagou.
Depois senti meu corpo tremer, senti um frio percorrer todo meu corpo e meu rosto parecia dormente. Mas logo começou a esquentar e em seguida senti uma raiva enorme explodir dentro do meu peito. Minha loucura parecia ter tomado conta de mim finalmente.
Mas, diferente das outras vezes, o som que veio a seguir, não foi de algo quebrando, mas sim um estranho uivo próximo demais de mim.
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