Capítulo 09 - Torta de Limão


Ingredientes

Base da Torta::

200 g de biscoito maisena

150 g de margarina (ou 3 colheres - sopa - cheias)

Recheio (mousse de limão):

1 lata de Leite condensado (395g)

1 caixa de creme de leite (200g)

Suco de 4 limões

Raspas de 2 limões

Cobertura:

3 ou 4 claras de ovo

3 colheres (sopa) de açúcar

Raspas de 2 limões para decorar

Modo de preparo:

Base da torta:

Faça uma farofa com o biscoito maizena no liquidificador ou processador

Junte a margarina e bata mais um pouco

Despeje numa forma, obrigatoriamente de fundo (aro) removível (27cm diâmetro)

Com as mãos (principalmente as pontas dos dedos), espalhe essa farofa no fundo e nas laterais da forma, cobrindo toda área, como um copinho (um berço) para receber o recheio e a cobertura - aperte até ficar uniforme e grudado

Leve ao forno pré-aquecido por aproximadamente 10 minutos antes de receber a mousse - fogo brando

Recheio:

Bata todos os ingredientes no liquidificador (exceto as raspas de limão, que deverão ser misturadas à mão) até obter um creme liso e espesso (uma mousse)

Coloque sobre a base de biscoito maisena, após ter passado pelo forno

Por cima da mousse, vá espremendo as claras batidas em neve - se não tiver o saquinho com o bico de confeitar, é só improvisar um saco plástico limpo com um pequeno corte na ponta

Cobertura:

Bater as claras em neve

Acrescente o açúcar e bata mais um pouco, até obter um ponto de suspiro

Conforme já explicado no item anterior, as claras serão usadas por cima da mousse, em forma de gotas ou não, já que poderão ser espalhadas e mexidas irregularmente, dependendo da criatividade de quem elaborar

Feita a cobertura, leve ao forno novamente até dourar o suspiro

Deixe esfriar e desenforme sem cutucar, apenas elevando o fundo falso, lembrando que o fundo da forma não pode ser retirado, senão a base quebra.

Antes de espremer os limões na elaboração da mousse, rale-os para obter as raspas

~

O dia do meu casamento foi realmente lindo. Havia saído cedo, pro meu dia de noiva, presente dos meus padrinhos, e só vi rapidamente a movimentação do pessoal da decoração, na área da piscina da casa dos meus pais, onde seria a cerimônia.

O Léo me deixou no salão e foi buscar o terno dele. No fim da tarde, meu pai e a Júlia me encontrariam, levando o vestido e os acessórios que ficaram separados em casa.

O dia passou voando, e pela janela do carro do meu pai, eu via o sol se pôr no horizonte, me fazendo pensar que, assim como o sol vai embora e volta todos os dias com o amanhecer, naquele momento, estava a caminho de uma nova vida, onde o meu amanhecer, seria um recomeço pessoal e profissional, num país distante, ao lado apenas daquele a quem eu escolhera pra ser meu marido.

– Nervosa, filha? – o pai estranhou o meu silêncio.

– Não. Feliz. – Respondi com um sorriso.

A Júlia desceu do carro antes e foi avisar da minha chegada. Logo ouvi a música escolhida pra entrada dos padrinhos e dos nossos pais.

A Cláudia e o Fernando, irmãos do Léo, eram os padrinhos dele, e foram os primeiros a entrar. Em seguida a Júlia e o Júnior, meus padrinhos, e depois minha mãe, com o pai do Léo. Outra música começou a soar, e eu sabia que agora era a vez dele, que entraria com a mãe. Eu e meu pai descemos do carro e nos colocamos em nosso lugar. Quando a música mudou novamente, sabia que era a minha vez, e, ao som de: "Ah, só eu sei, quanto amor, eu guardei, sem saber, que era só para você...", entrei, acompanhada pelo pai, meus olhos fixos na única pessoa que me interessava ali.

A cerimônia foi linda, a festa foi perfeita, o Danilo não apareceu, mas os pais dele sim. Meus pais, meus sogros e o Léo se divertiram, que era só o que eu queria, então estava despreocupada.

Como iríamos pra Espanha, achamos melhor não fazer lista de presentes, porque sairia muito caro levar tudo de avião. Apenas pedimos que nossos convidados doassem uma cesta básica, pras obras de caridade do pai, assim muitas pessoas poderiam ser ajudadas.

Quatro dias depois, embarcamos rumo a nossa nova vida.

O apartamento era ainda mais aconchegante do que aparentava nas fotos enviadas pela minha amiga. Ficava numa espécie de vila residencial, com uma rua larga coberta por pedras retangulares, separando dois lados de uma fileira de prédios idênticos um ao lado do outro. Cada prédio, com um apartamento no térreo e um no primeiro andar, com entradas separadas. Na verdade, pareciam duas casas, uma em cima da outra, completamente independentes.

Ainda na rua, uma pequena fonte enfeitava o lugar, e diversas crianças brincavam livremente.

Uma escada externa nos levava ao apartamento, cuja porta ficava na lateral. A sala era pequena, mas não apertada, e continha apenas uma televisão, um sofá de dois lugares e uma mesa minúscula com duas cadeiras. Na frente, uma varandinha que dava pra rua. Do lado, a cozinha, pequena, pra quem estava acostumada com o espaço que eu tinha, com um fogão, um armário e uma geladeira. E atrás, uma suite espaçosa, um armário simples e uma cama confortável, o que compensava o tamanho dos outros cômodos.

Após tomarmos um banho e nos ambientarmos um pouco, minha amiga nos levou pra dar uma volta pelo bairro, mostrando onde era o ponto de ônibus e a estação de metrô mais próxima, a cerca de um quilômetro de onde estávamos alojados. Passamos em frente à universidade onde o Léo ia estudar, e depois fomos jantar uma típica paella espanhola.

Nossa ambientação foi bem mais rápida do que imaginava. Confesso que, nos primeiros dias, não me preocupei muito em estudar ou procurar trabalho, estava curtindo tanto a cidade, que só queria saber de passear. Me senti muito atraída por Madrid, muito mesmo, era como se precisasse matar a saudade, antes que ocupasse meu tempo, e embora nunca tivesse ido a Europa antes, era essa a sensação que tinha, que estava matando saudades.

As aulas do Léo começaram, e ele passava muito tempo na faculdade, me deixando ainda mais livre pra perambular por Madrid. Pra me localizar e me comunicar melhor, decidi fazer um curso básico de Espanhol.

No curso, conheci muita gente, e, juntando com o pessoal do doutorado do Léo, em pouco tempo tínhamos uma vida social bem mais intensa do que quando morávamos no Brasil, uma vez que não estávamos amarrados por horários de trabalho, e queríamos conhecer o máximo possível da cultura espanhola, e de outras também.

Tanto no meu curso, como na faculdade do Léo, tinha gente de diversas nacionalidades, inclusive um conterrâneo, que nos apresentou uma cafeteria tipicamente brasileira, num bairro um pouco distante do nosso "apertamento", como dizíamos, mas que adorei. Fizemos logo amizade com o proprietário, que morava há anos na Espanha, e em pouco tempo ele confessou estar preocupado, pois a responsável cozinha estava grávida e ia sair de licença maternidade.

Em segundos aquilo virou uma oportunidade, e falei da minha experiência com gastronomia e do interesse em um emprego de meio período. Na semana seguinte fiz um teste e fui contratada, e assim ocupei a maior parte do meu dia, com a cafeteria pela manhã e o curso em parte da tarde. Ganhando algum dinheiro e me comunicando melhor, decidi que era hora de procurar um curso de culinária. Não consegui matrícula em nenhuma escola de renome internacional, porque essas faziam algumas exigências, como cursos em escolas de nível nacional, que eu não tinha ainda. Decidi então, começar por uma escola nacional, pra no ano seguinte tentar novamente uma internacional.

E assim, nossa vida foi seguindo. Durante a semana, da minha parte trabalho e estudos. Do Léo, aulas e pesquisas, e nos finais de semana e feriados, quando dava, a gente viajava, às vezes pela própria Espanha, e às vezes por outros países da Europa.

No nosso primeiro aniversário de casamento, passamos uma semana na França e uma na Inglaterra, que foi sem dúvidas nosso melhor passeio. Mas conhecemos também Portugal e Itália. Áustria, Alemanha, Irlanda e Escócia. Descobri que viajar era minha terceira maior paixão, depois da cozinha e do Léo, claro.

Já estávamos por lá há dois anos, e nesse meio tempo, fomos ao Brasil apenas uma vez, visitar nossas famílias, por que eles preferiam vir, já que aproveitariam para conhecer um lugar novo e ganhariam de brinde dois guias turísticos. A Cláudia veio com o Vítor uma vez, o Fernando veio com a namorada, também uma vez. Os pais do Léo vieram duas, uma vez sozinhos, e uma vez com a mãe, que veio novamente, dessa vez trazendo o pai e a vó Zildinha.

Larguei o trabalho no café, porque o Léo ganhou uma bolsa da faculdade que pagava bem mais do que eu recebia, então, ele decidiu repassar pra mim, assim eu poderia fazer dois cursos simultâneos, e enriquecer ainda mais a experiência. Com o dinheiro do salário dele de professor e essa bolsa, a gente se mantinha numa boa, mas vivendo sem luxos. Nossas únicas ousadias eram as viagens, que acabavam nem saindo tão caras, porque aproveitávamos a baixa estação. Além disso, meu dinheiro, que estava investido, rendia, o que possibilitava que eu conseguisse tirar um pouco de vez em quando, sem me prejudicar.

Já estava estudando numa das mais famosas escolas de culinária do mundo, que ficava um pouco distante do nosso "apertamento", me obrigando assim a pegar o metrô e depois um ônibus. Mas não achava muito ruim, porque a paisagem era deslumbrante, e aproveitava cada segundo do percurso.

Em uma das voltas pra casa, entrei no ônibus e sentei rapidamente, só aí reparei numa senhora que olhava diretamente pra mim, com um sorriso enigmático no rosto. Retribuí o sorriso, mas ela continuava na mesma posição, me encarando sem pudor nenhum, e comecei a me assustar.

Tentei reparar na paisagem, mas volta e meia eu a olhava, e ela continuava na mesma posição, até o momento em que olhei e o lugar anteriormente ocupado, estava vazio.

~

– Oi, amor meu... – Léo já estava no apartamento quando cheguei. Pendurei o casaco e a bolsa atrás da porta e sentei no colo dele, que estava na mesa estudando, me aconchegando pra um abraço – Como foi hoje? – indagou enquanto distribuía beijos suaves pela minha boca.

– Bem. – Respondi encarando-o, e reparando no quanto eu estava com saudade dele, que ultimamente só tinha olhos pra tese do doutorado. Comecei a desabotoar a minha camisa sem deixar de olhá-lo – Quer tomar banho de banheira comigo? – convidei com o pensamento cheio de malícia.

– Eu... – Engoliu em seco – Deveria cuidar disso aqui... – Tentou dizer.

– Tudo bem. – Não insisti, mas não parei de provocar. Levantei da cadeira e desabotoei todos os botões, abrindo a camisa e expondo o sutiã – Tirei a saia devagar, gostando de torturá-lo, e quando fiquei apenas de roupas íntimas rocei a coxa e a lateral do quadril levemente no braço e no ombro dele, enquanto ia em direção ao quarto – Vou relaxar um pouco e depois preparo algo pra comermos.

Não deu tempo sequer encher a banheira quando o Léo já despido me agarrou no banheiro. Começamos a fazer amor ainda de pé, apoiados na parede fria, e terminamos dentro da banheira. Já saciados, trocando carinhos inocentes, lembrei da cena que houve no ônibus.

– Aconteceu uma coisa tão estranha hoje, Léo.

– Defina estranha...

– Estava no ônibus, e uma velhinha ficou me olhando e sorrindo para mim, como se me conhecesse.

– Deve ter sido impressão sua. – Comentou sem abrir os olhos, a cabeça apoiada na beirada da banheira. Depois mudou de assunto, e começou a falar sobre a pesquisa. Nem me importei com a mudança brusca. Eu adorava vê-lo falando sobre o doutorado, seus projetos, seus sonhos. O Léo me fazia bem, estar com ele me transformava em alguém menos egoísta, menos focada em mim, no que eu queria, no que desejava, mas sem me sentir anulada. É como se pra mim, fosse igualmente importante que nós dois fôssemos felizes, sem diferenças, sem abismo, sem anulações. Léo e eu éramos um casal equilibrado: sem rompantes de ciúmes, sem exageros, sem brigas, sem espaço pra bobagens. E isso era o que eu precisava.

O tempo foi passando e voltei a ver a mesma mulher no ônibus outras vezes. Sempre com o mesmo olhar. Não via maldade ou sentia nada negativo com isso, mas algo naquela mulher mexia comigo.

Até que um dia, resolvi tentar entender aquele comportamento e tomei a decisão de falar com ela, na próxima vez em que nos víssemos, mas, ironicamente, não a vi mais. Decidi então, descer no ponto onde ela sempre ficava, e caminhar pelos arredores, tentar sondar alguma coisa.

Isso se repetiu por uns dias, e acabava chegando mais tarde em casa do que de costume, o que começou a intrigar o Léo.

– Ainda não desistiu de procurar por essa mulher? – indagou em mais uma noite que demorei.

– Acho que hoje desisti. – Confessei. Já estava cansada daquela procura infrutífera – Mas queria tanto entender!

– Entender o quê? – ele não compreendia porque ela mexia tanto comigo, e na verdade, nem eu.

– Não sei, Léo! Só sei que ela me olha de um jeito... Sei lá, de uma forma que ninguém mais me olha, como se me conhecesse.

– Mari, diversas pessoas te conhecem, e te olham.

– Mas é diferente! É como se ela visse algo além, algo que nem eu conheço. – Léo me olhou de um jeito estranho, como se duvidasse da minha sanidade mental. Realmente havia reparado no absurdo que acabei de dizer, e decidi esquecer aquilo tudo – Não vou mais procurar aquela mulher. – Decidi, indo para o quarto.

– Quer sair para comer alguma coisa? – sugeriu.

– Tô sem fome. – Respondi, confusa e decepcionada com aquela situação.

Dias depois, estava no ônibus voltando para casa. Era fim de tarde, chovia e estava um pouco frio. Apoiei o braço na lateral e baixei a cabeça, pois estava muito cansada.

O ônibus parou pra alguém subir ou descer e a minha cabeça balançou um pouco, o que me incomodou. Quando levantei a face e abri os olhos me deparei com a mesma senhora de sempre, descendo as escadas do coletivo. Sem pensar, levantei apressada e corri, descendo junto com ela.

Ao me ver, ela parou e sorriu, dizendo:

– Até que enfim você chegou, hija.

– Oi? – estranhei a afirmação, e mesmo sabendo que ela olhava diretamente para mim, ainda procurei se havia mais alguém no ponto. Ninguém.

– Você já está casada? – indagou em espanhol. Balancei a cabeça afirmando, sem saber o que dizer – Com o loiro ou o moreno?

Estaquei. Me sentia mais gelada do que o frio provocado pela chuva, como se corresse gelo nas minhas veias. Que tipo de pergunta era aquela? Como ela sabe da minha vida? Sobre características dos únicos homens a quem amei?

– A senhora me conhece? – consegui perguntar.

– Há muitos anos. – Respondeu sentando-se no banco do ponto de ônibus – Eu lhe convidaria pra tomar um chá na minha casa, mas prefiro esperar a chuva passar aqui, abrigada. Senta um pouco. – Bateu de leve no banco – Conversamos enquanto seu ônibus passa, e marcamos o chá pra outro dia, pra o marido não reclamar da sua demora.

De novo o meu marido? E como ela sabe que ultimamente o Léo vinha reclamando do meu atraso? E que negócio é esse de me conhecer se não fazia ideia de quem ela era?

– Como a senhora me conhece? Eu moro aqui há pouco tempo.

– O tempo é relativo, minha filha. Ele é o senhor do universo, e como tal, não nos é dado conhecê-lo de todo. – Me senti uma pateta – Mas não se preocupe. Ele sabe o momento certo pra tudo, é só saber esperar.

– Esperar o quê? – Insisti.

– Os desígnios da vida e do tempo. – Respondeu.

– Não estou entendendo. – Fui sincera.

– Te espero amanhã as três, nesse ponto. – Afirmou – Para o nosso chá.

– Mas...

– O seu ônibus. – Apontou o veículo que não reparei estar se aproximando e deu as costas, andando na chuva.

Entrei no veículo e fiquei observando a velha caminhar. Ela levantou o rosto pro céu, como quem agradece, e depois continuou a caminhada como se não houvesse chuva, ou frio.

Não preciso dizer que mal dormi tamanha a minha ansiedade, preciso? Na manhã seguinte, em meu curso, cheguei a me atrapalhar no preparo dos pratos, porque só conseguia pensar nesse tal chá das três.

Saí mais cedo da aula da tarde, alegando indisposição, o que todo mundo acreditou completamente, já que não era dada a erros, principalmente os que vinha apresentando naquele dia, e, antes do horário marcado já estava no ponto de ônibus esperando a tal mulher.

As três, ela apontou numa esquina, e fez sinal para mim, sorridente. Caminhei até ela, nervosa, sem nem ao menos saber o que dizer.

– Como está, mi hija? – indagou simpática, me estimulando a caminhar com ela.

– Nervosa. – Confessei.

– Ora, mas que coisa! – ela sorriu – Não há necessidade disso!

– Mas eu nem a conheço. – expliquei – E a senhora me olha de um jeito tão estranho, não sei o que pensar.

– Não pense, querida. Apenas aproveite. Minha casa fica logo ali. – Apontou, me deixando com as mesmas dúvidas.

Após cerca de três minutos de caminhada chegamos a uma casa simples, cercada de verde. Por dentro era pequena e aconchegante, com as paredes em tons alaranjados.

– Fique a vontade. Vou colocar a água no fogo. – Falou e se dirigiu a pequena cozinha, separada da sala por apenas um balcão.

Sentei no sofá e fiquei reparando na decoração, que aparentemente era caótica, devido a quantidade de objetos decorativos que havia no pequeno espaço, mas de certa forma, tudo combinava muito.

Havia muita coisa antiga, porém conservada. A casa me chamava tanta atenção, que nem reparei quando ela voltou, com uma cestinha de bolinhos e o chá.

Ela sentou-se ao meu lado e nos serviu. Depois começou a falar da história dos objetos da casa, na certa por ter reparado no meu olhar curioso. Eu permanecia calada, um tanto absorta, para falar a verdade, e já começando a achar que tratava-se de uma pessoa lunática.

– Venha, quero te mostrar uma coisa. – Me puxou pela mão – Traga seu chá.

Peguei minha xícara pela metade e a acompanhei, me surpreendendo com o que veria a seguir.

Numa salinha contigua a que nós estávamos, o ambiente era ainda mais incomum. Lenços coloridos cobriam as paredes, plantas, para mim desconhecidas, ocupavam vários vasos, além de cristais, incenso, e uma mesa com uma toalha vermelha e um baralho, que parecia ser Tarô.

– Senta. – Indicou uma das cadeiras e sentou-se na outra – Vou colocar as cartas pra você.

– Por quê? – fiquei curiosa.

– Porque sua vida vai mudar. – Respondeu simplesmente – E você precisa se preparar pra isso. Traça. – Me estendeu o baralho, e comecei a misturar as cartas.

Meu lado racional me mandava ir embora, mas a minha intuição dizia para ficar. Ficaria, mas só até aquela história de baralho terminar.

Depositei o monte em cima da mesa.

– Corta. – Ordenou numa voz suave, e obedeci. Juntou as duas partes novamente e pediu que eu dividisse em três montes. Depois, foi tirando as cartas e espalhando pela mesa – Vou falar do seu passado. Me corrija se eu estiver errada.

Assenti com a cabeça e ela começou:

– Filha única de dois pais e duas mães. Crescida numa família grande, com tudo quanto era vontade satisfeita. Vive para tornar saborosa a vida dos outros.

Estava pasma. Dois pais e duas mães, ela devia esta falando dos meus tios, que me acolheram como filha. E a minha família era realmente grande e unida, assim como meus pais sempre me mimaram. E a questão da minha profissão, então?!

– Vejo aqui dois homens. – Continuou – Dois amores. Muita dúvida, indecisão. Nada de novidade. – Disse antes de sorrir – Uma fuga. Na verdade, um retorno às origens. Você atravessou o mar, teve que ficar longe, só assim viveria em paz com o escolhido.

Ela juntou as cartas já lidas e espalhou uma nova linha de cartas na mesa.

– Presente. – Anunciou – Uma fase de transição, que está próxima ao fim. O aprendizado dessa fase vai te acompanhar pelo resto da vida. Vejo uma criança também, você está grávida? –indagou.

– Não. – Respondi rápido. Eu e o Léo pensamos que seria melhor esperar voltar pro Brasil antes de pensar em filhos.

– Então não demora. – Afirmou, o que tirou um pouco da minha credibilidade. Tomávamos todos os cuidados. Não havia chance de ocorrer uma gravidez não planejada.

– Vejo uma fase difícil depois da criança. Uma vida chega e uma se vai. Muita dor, muitas lágrimas. Mesmo assim, essa criança vai te dar muitas alegrias. Ela vai te levar de volta para o lugar certo, mesmo que pareça errado.

Estava pálida e trêmula. Não gostei de ouvir aquilo. Arrepios percorriam o meu corpo e só pensava em ir embora.

– Beba um pouco do chá, hija. – Aconselhou e juntou o baralho, apoiando as mãos na mesa e encarando de forma tranquila – Não é preciso medo. Você está indo muito bem. Está resgatando as suas dívidas passadas, tenha calma. Um furacão passará pela sua vida, mas você está preparada para enfrentá-lo, tenha fé.

– Preciso ir. – Disse, já levantando.

– Claro. – Não se opôs – Te acompanho até a porta, hija.

Tentei me despedir com pressa, mas ela me abraçou de forma carinhosa, e, apesar da estranheza, aquele abraço me tranquilizou.

– Se um dia você voltar à Espanha, – recomeçou a falar – traga o marido aqui.

Estranhei o pedido, principalmente porque sabia que o Léo jamais iria até aquela casa, se soubesse o que aconteceu. E pensar no Léo, me despertou uma vontade absurda de estar em casa, de estar ao lado dele. Caminhei com pressa até a avenida e peguei um táxi, querendo chegar o mais rápido possível.

O Léo estranhou o jeito que cheguei. Perguntou várias vezes o que estava acontecendo, mas eu desconversava. Se ele soubesse que encontrei a mulher estranha do ônibus, e que ainda tinha ido à casa dela, acabaríamos discutindo, e isso era tudo o que não queria. Inventei uma indisposição, misturada com saudade do Brasil, e o convenci a ficar deitado ao meu lado, abraçado a mim, pra que meu coração pudesse serenar.

Peguei no sono e só acordei na madrugada, meio desorientada e com fome. Comi algo na cozinha e voltei pra cama, tentando cochilar mais um pouco antes da hora de ir pro o curso, o que não foi possível. As lembranças da tarde anterior voltaram com força total, e me esforçava para entender o que a velha tinha dito. Pensei em voltar lá e exigir explicações. Pensei em não ir ao curso naquele dia, achava que continuava sem cabeça para nada. No entanto, decidi ir, necessitava justamente focar meu pensamento em algo, pra não ficar alimentando as besteiras que ouvira na tarde anterior.

Sim, eu já tinha uma conclusão pra tudo aquilo, não passavam de besteiras de uma velha gagá.

Fiquei grudada no Léo até a hora em que o despertador tocou, depois tomamos um banho e preparei o café da manhã antes de sairmos. Fomos juntos até a estação e lá tomamos metrôs diferentes, ele pra faculdade e eu pro Centro de Gastonomia.

No meio de receitas, ingredientes e novas técnicas, consegui não pensar na mulher e nas perguntas e previsões estranhas. Mas na hora de ir embora, voltei a ficar tensa, com medo de encontrá-la no ônibus. Para evitar isso, decidi caminhei até a estação do metrô, e acabei pegando uma chuva típica daquela época do ano, o que me rendeu uma gripe fortíssima e uma laringite sem precedentes. Passei uma semana em casa, a base de antibióticos, anti-inflamatórios e antitérmicos, além de chás e vitaminas. Tive febres altíssimas, o que deixou o Léo apavorado, ele nunca tinha me visto tão mal desde que nos conhecemos.

Mas o mais estranho de tudo, foram os sonhos que tive durante essa semana, e sonhava muito, já que com tanta medicação, sentia bastante sono. E nesses sonhos, me via em lugares que jamais vira antes, como se tivesse vivendo um filme de época, com pessoas que também não lembrava de ter visto, mas que me pareciam próximas. Um dos sonhos mais nítidos, acontecia numa espécie de castelo medieval, onde eu me via sendo obrigada a casar com um homem, que tinha o rosto do Léo. Acordei bastante assustada, e a partir daí fiquei com receio de dormir de novo. Mas, felizmente, os sonhos cessaram.

Poucos dias depois que fiquei bem, o Léo sugeriu que fizéssemos uma viagem. Não pensei duas vezes, achava que uma viagem iria ajudar a esquecer de vez a lembrança daquela mulher.

Decidimos alugar um carro e viajar pela Espanha mesmo, tinha muitos lugares que queríamos conhecer e que ainda não havia dado tempo. Fomos então pra uma cidade histórica, a cerca de cinquenta quilômetros de Madri, que nos foi bastante recomendada.

A cidade era linda! Uma reminiscência da Espanha medieval, com vários castelos que agora eram imóveis turísticos. Ficamos hospedados num dos castelos, que era todo decorado de forma tradicional da época, mas claro, com a tecnologia e o conforto necessário.

Passeamos muito, aproveitamos para conhecer mais a cultura local, e o engraçado, é que eu me sentia muito familiarizada com tudo aquilo, como se morasse há anos ali, ou como se sempre tivesse morado. Até cheguei a comentar isso com o Léo, e ele confessou que também se sentia da mesma forma, que a única coisa que o remetia ao Brasil era a saudade da família, se não fosse isso, talvez passasse bem mais tempo fora.

No sábado pela manhã, fomos conhecer o maior castelo da região, que tinha se tornado um museu. Primeiro demos uma volta pelos jardins com o guia, que nos explicou que lá eles mantinham tudo como era há quase um século, e o passeio seria como um mergulho na história. Uma vez por ano, inclusive, era realizado um baile típico, onde as pessoas se vestiam com os trajes da época, as músicas eram executadas como antigamente, assim como as comidas e bebidas servidas.

Os jardins que circundavam o palácio eram perfeitos. Os tipos de plantas, a forma como elas estavam dispostas, o cheiro que a natureza exalava... A minha vontade era deitar na grama e passar o dia ali, sentindo o calor do sol na pele.

Mas a surpresa maior aconteceu quando entramos no castelo, porque simplesmente eu reconheci aquele lugar. Estava exatamente no mesmo local que sonhei várias vezes quando estava doente. Tudo me remetia muita familiaridade, os cheiros, os objetos, as paredes, era como se já tivesse vivido ali.

E o mais bizarro é que estava como uma sensação muito, muito estranha. Um nervosismo sem razão, uma espécie de medo, e ao mesmo tempo, uma certeza de que nada de ruim iria acontecer.

Eu espantosamente, reconhecia cada cômodo em que entrávamos. Comecei a me testar, e antes de entrar em algum lugar, deixava o guia e o Léo irem na frente e fechava os olhos, tentando imaginar o que viria em seguida, e absurdamente, quando abria os olhos e entrava, visualizava algo muito parecido com o que vinha na minha mente. Não estava entendendo absolutamente nada, e não queria correr o risco de comentar com o Léo e ouvir algum comentário debochado, então mantive aquilo tudo só para mim.

Percebi que um dos quartos me despertou um sentimento muito opressor, meu coração ficou apertado e me bateu uma sensação de tristeza, desesperança e impotência. Tentando fugir disso e não deixar que o Léo percebesse, me aproximei do janelão de pedra que havia na parede, na tentativa de que a paisagem do jardim me fizesse esquecer daquilo, mas ao me aproximar, a sensação de familiaridade aumentou, e me veio a sensação de já ter passado longas horas naquela janela, o que era no mínimo insano. Balancei a cabeça e desisti de expulsar todas aquelas sensações loucas, decidindo voltar para o lado do meu marido. Quando passei por um espelho, ao olhar de relance vi refletida uma imagem diferente da minha, o que me fez soltar um grito, assustando tanto o guia como o Léo.

– Mariana? O que houve? – ele indagou, me olhando sem entender o motivo do grito.

– Me assustei com o espelho. – expliquei sem graça, dando um passo pra trás e retornando para tentar ver novamente a imagem, mas me deparei apenas com meu reflexo – Podemos ir pra outro cômodo? – pedi ao guia, já torcendo que aquele passeio louco acabasse.

Apesar desse acontecimento inexplicável, nossa viagem foi boa. O Léo estranhou meu comportamento, porque me mantive muito calada e introspectiva, o que não era normal. Mas como falar com seu marido cético sobre aquela experiência? Como explicar a sensação de familiaridade tão forte? E a imagem no espelho? Espíritos? Assombrações? Nem eu acreditava nisso, imagina um cara da ciência, professor e pesquisador.

Tentava incentivar o Léo a conversar sobre assuntos que ele gostava, assim, podia me manter em silêncio e fingir estar atenta, enquanto na verdade, ruminava tudo aquilo sem saber a quem recorrer.

Nosso passeio turístico acabou e nossa vida voltou ao normal, aliás, quase ao normal, já que pouco tempo depois que chegamos no nosso apartamento comecei a me sentir muito mal. Vivia nauseada e sem energia, me arrastando pro o curso e sem coragem pra nada. Comia pouco, quando conseguia comer, e o Léo teve que fazer todas as refeições na rua porque não tolerava sequer pensar em fazer comida em casa, já não bastava as receitas do curso que eu testava de máscara pra não sentir qualquer cheiro. Estava sem paciência para aquele mal estar, e decidi finalmente ir ao médico de novo.

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