doze


Quando estacionei o carro na rua da casa do meu avô no outro dia cedo, Bianca já estava lá. Eu tinha mandado uma mensagem insistindo em buscá-la, mas ela disse tanto que não precisava que deixei pra lá.

Desci do carro e guardei as chaves no bolso. Quando me aproximei dela, estendi um dos copos de café que tinha trazido de casa.

— Bom dia.

— Que isso? Veneno? — ela perguntou, olhando desconfiada para o copo com tampa.

— Acertou. Assim que você bater as botas, eu encontro o tesouro e fico com o dinheiro todo para mim.

Ela abriu um meio sorriso e pegou o café, soprando um pouco antes de beber. Seu rosto estava corado e ela respirava depressa, provavelmente cansada pela caminhada até ali. Sua casa ficava em uma das áreas mais afastadas da cidade.

— Vou adiantar parte do seu salário hoje — disse, abrindo o portão da casa do meu avô e a dando passagem para entrar. — Você pode ir na loja do Seu Lucas lá perto da pracinha e comprar uma bicicleta.

Bianca olhou para mim por sobre o copo de café.

— Eu não sei se quero uma bicicleta. Mas aceito o adiantamento.

— Sua casa é longe de tudo, Bianca. Uma bicicleta ajudaria para quando... — Eu ia dizer para quando eu não estiver por perto, mas parei no meio da frase, constrangido com a ideia.

Se ela reparou, decidiu não dar atenção àquilo. Bianca bebeu todo o café e saiu na minha frente pela trilha de pedra.

— Anda logo. Passei a noite inteira pensando em por onde começar!

Eu revirei os olhos e a segui, jogando as chaves quando ela atingiu o topo das escadas da varanda primeiro que eu.

— É essa redonda.

Ela colocou a chave na fechadura e abriu a porta.

A manhã estava nublada, o que tornou o interior já sombrio da casa ainda mais escuro. Apertei o interruptor na parede e a sequência de pequenos lustres que iam da porta de entrada até a parede de espelhos do outro lado da sala acenderam. A gente mal tinha dado dez passos dentro da casa quando Bianca soltou o quinto espirro seguido. Olhei para ela.

— Tem poeira demais aqui — ela explicou, esfregando o nariz com a manga do casaco. — Ataca a minha rinite.

— Vou abrir as janelas para o ar circular. Um minuto.

Quando terminei, me virei para ela. Bianca tinha finalmente parado de espirrar e passava a mão suavemente pelo encosto de um dos sofás vermelhos, distraída.

— Parece a mobília de um museu — ela comentou quando me pegou encarando.

— E olha que você ainda nem viu os outros cômodos... — Suspirei e olhei ao redor. — Alguma ideia de por onde começar?

Ela me encarou com um olhar divertido.

— Eu pensei que você tinha dito que conhecia a casa e que eu acharia as joias mais rápido com a sua ajuda.

— E eu comentei que nós éramos uma equipe, além de que você sabe das joias há mais tempo. — Cruzei os braços e ergui as sobrancelhas para ela. — Algum plano de ação, sabichona?

Bianca revirou os olhos para mim.

— A gente vai cômodo por cômodo. Você tem alguma planta da casa?

— Planta? Esse lugar foi construído há uns cem anos! É claro que não.

— Bom, então o jeito é começar explorando, mesmo. Prefiro que a gente não se espalhe. Um cômodo só já é trabalho demais para uma pessoa. — Ela girou ao redor de si mesma, avaliando cada canto da sala. — Você checa os pisos e as paredes. Procura por pontos ocos e qualquer coisa que pareça fora do lugar. Eu arrasto os móveis e dou uma olhada na lareira. — Ela jogou a cabeça para trás para olhar o teto. — Você tem uma escada?

A encarei, cético.

— Sério que você acha que as joias podem estar penduradas no lustre?

— Não estou disposta a descartar nenhuma possibilidade, sabichão. — Bianca juntou o cabelo rosa e fez um coque no alto da cabeça. — Preparado?

Não, mas eu não ia dizer isso para ela.

Comecei a checar as tábuas de madeira do chão, pegando um castiçal antigo em cima da lareira e testando para ver se alguma produzia um som oco. Fiz o mesmo com as paredes e dei uma ajuda a Bianca com os móveis mais pesados que ela não conseguia arrastar.

O lugar estava mesmo emplastrado de poeira e coisas velhas. Enquanto procurava, me lembrei de como costumava levar todos os meus carrinhos de corrida para aquela sala e fazer de conta que eles voavam de uma superfície a outra, criando pistas improvisadas e me distraindo com aquilo até minha mãe ou meu pai me chamarem para comer e tomar banho.

Eu estava ajudando Bianca a arrastar uma poltrona que ficava perto daquela parede de espelhos quando vi uma pecinha de lego vermelha embaixo dela.

A peguei antes que Bianca visse e a girei na palma da mão.

Meu pai tinha me dado um monte de peças de lego em um Natal. O último que passamos juntos. Eu montava e desmontava todo tipo de coisa o dia inteiro depois daquilo. A casa costumava ficar infestada do brinquedo e vez ou outra eu escutava alguém xingando por ter pisado em uma pecinha perdida.

Aquela ali tinha ficado esquecida por dezesseis anos. Só um pedaço da minha infância, algo escondido no escuro de uma mansão vazia.

Enquanto Bia esquadrinhava cada centímetro da lareira – eu duvidava muito que alguém colocaria joias preciosas num lugar assim, aliás, a gente não estava em nenhum filme preto e branco do século passado – fui olhar um dos móveis perto da mesa de jantar que servia como cristaleira.

Ela não estava tão arrumada quanto aquela que a minha avó mantinha em casa, e havia tanta poeira que as xícaras um dia brancas estavam quase marrons.

Abri as portas de vidro com cuidado e inspecionei a porcelana, me distraindo com os conjuntos finos mantidos ali só por decoração. Minha avó surtaria com tudo aquilo. Se eu tivesse herdado a casa mais cedo, teria lavado cada peça e dado de presente a ela, para que servisse suas visitas com um conjunto de chá diferente todo dia, como gostava de fazer.

Ela teria gostado muito, pensei, pegando uma xícara de rosas azuis meio sem jeito, porque ela era pequena e delicada demais. Eu devia ter dado mais presentes a ela. Devia ter me dedicado mais ao bar enquanto ela estava viva e feito algum dinheiro. Eu podia ter...

A xícara escorregou da minha mão e caiu. Tentei pegá-la no ar, mas ela bateu na beirada da cristaleira e se espatifou em mil pedaços.

— O que foi isso?

Bianca, que estava com a cabeça enfiada na lareira, saiu de lá para olhar para mim.

— Já quebrou alguma coisa, Samuel?

Ela se aproximou, a bochecha com uma mancha de fuligem. Bia colocou as mãos na cintura e estalou a língua.

— Você podia ter deixado essa parte para mim.

Resmunguei qualquer coisa e me abaixei para pegar os cacos maiores do chão.

— Não, espera.

Bianca se aproximou de mim com cuidado e hesitou por um momento antes de pegar minha mão.

— Cortou.

Olhei para o sangue que escorria do ferimento na palma. Eu nem tinha sentido.

— É coisa à toa — disse, mas não puxei o braço.

Bianca ergueu o olhar e sorriu.

— Você pode parar de ser um macho durão e me deixar retribuir o favor daquele dia? Foi você quem disse que machucados podem infeccionar e toda aquela ladainha de enfermeiro.

Ela me levou para o sofá e me deixou sentado ali.

— Pode me emprestar as chaves do seu carro para eu pegar aquele seu kit de primeiros socorros?

Não consegui deixar de rir baixinho.

— À vontade.

Os momentos em que fiquei sozinho na casa sem ela me deixaram inquieto. Olhei por sobre o ombro para a parede de espelhos e bati o pé no chão, consciente da porta que levava ao corredor atrás de mim e dos incontáveis cômodos vazios. Quando Bianca finalmente voltou, soltei a respiração que nem sabia estar prendendo.

Ela se espremeu no espacinho de sofá que eu não estava ocupando e colocou minha mão no seu colo.

— Primeiro, limpa com anticéptico e algodão — disse quando ela olhou para a quantidade de coisas que tinha trazido, sem saber por onde começar.

— Eu já sabia.

Bianca olhou o machucado com toda a atenção do mundo, enquanto eu só conseguia olhar para ela.

O cabelo rosa se desprendeu do coque frouxo e caiu em uma cascata por sobre um dos seus ombros, enquanto suas sobrancelhas escuras franziram em concentração. Ela tinha uma porção de marquinhas de nascença nas bochechas, o que me lembrou as constelações tatuadas no seu antebraço.

— Você tem mãos enormes — Bianca comentou de repente, me fazendo piscar e desviar o rosto depressa.

Dei de ombros.

— Pelo menos sou proporcional.

Ela riu.

— É verdade. Imagina se tivesse mãos delicadas e pequenininhas?

— Pelo menos não viveria quebrando alguma coisa. Tenho que comprar copos e pratos lá para casa de seis em seis meses.

— É só você ter mais cuidado.

— Eu tento, mas não dá.

Ela sorriu de leve e olhou para mim. Não fazia ideia do motivo pelo qual meu rosto estava ficando quente daquele jeito. Acho que não queria que ela me visse como um brutamontes desastrado.

— Tem razão — ela disse, me surpreendendo. — Vai ver o mundo é frágil demais. — Abri a boca para responder, mas não consegui falar nada. Ela voltou a atenção para o machucado. — Agora o band-aid e voilà! — Ela pegou o curativo e cobriu o corte da minha mão com ele, sorrindo satisfeita. — Arrasei, né?

Sorri.

— Arrasou. — Hesitei por um instante até comentar: — Sabe, tem fuligem na sua bochecha.

Bianca tentou limpar com as pontas dos dedos.

— Na outra.

— Aqui?

Ela esfregou no lugar errado.

— Não. Eu... Posso? — perguntei, antes de tocar nela.

Bianca me olhou e assentiu devagar.

— Pode.

Com o polegar, limpei a mancha com cuidado, minha pele áspera em atrito com a maciez da dela. Me demorei no gesto, sem saber muito bem o por quê. Foi só quando me afastei que a postura rígida dela relaxou.

— Pronto.

Bianca colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha.

— Obrigada.

— Valeu por cuidar do machucado. Você aprendeu direitinho comigo.

— Você devia parar de ser assim tão exibido.

Ela se levantou do sofá­­­­­ e bateu as mãos na calça jeans. Seu afastamento brusco teve o mesmo efeito de me tirar de um transe.

— Já são quase dez horas e a gente não achou nada. Não que eu esperava que a gente achasse, mas...

— Vamos continuar procurando. Cômodo por cômodo, até encontrarmos.

— E se a gente não achar?

Eu me levantei do sofá.

— Sério que você já tá desistindo?

— Não! É só que... — Ela suspirou. — Eu quero muito achar essas joias. Por mim, pela minha avó...

— A gente vai. — Eu fiquei de frente para ela e olhei nos seus olhos. — A gente vai, Bia.

Devagar, tão devagar que eu nem vi exatamente quando, sua expressão preocupada se transformou em um sorriso inteligente.

— Bia? Essa é nova.

Eu troquei o peso de uma perna para outra.

— Foi sem querer. Algum problema?

— Não. É assim que todo mundo me chama. Só você insistia em Bianca. Isso quer dizer que desistiu de tentar resistir e já gosta de mim?

Bufei e comecei a andar para fora da sala.

— Nem pensar.

— Ah, vai, você pode admitir. — Ela recolheu os itens de primeiros socorros do sofá e correu para a minha frente, andando de costas para poder olhar para mim. — Eu sou mesmo muito gente boa. É impossível não ficar encantado!

— Quem tá sendo exibida agora?

— Não sou exibida. Autoestima é uma qualidade.

— Em excesso, é pecado.

Bianca revirou os olhos.

— Não me diga que você é um cristão moralista. Nada contra cristãos. Só contra moralistas.

— Meu Deus, quando você começa com uma coisa, não cala a boca nunca mais...

— É que eu sou comunicativa.

— E chata. Se continuar desse jeito, não vou te dar adiantamento nenhum. Aí pode dar tchau para a sua bicicleta.

Ela bateu no meu braço.

— Vou te processar por chantagem no trabalho. E eu já disse que não quero bicicleta nenhuma.

— Você pode parar de andar para trás? Se tropeçar em uma dessas pedras soltas e bater a cabeça, não vou te levar para o hospital.

Foi só eu acabar de falar que ela se desequilibrou. Peguei sua mão antes que caísse e a coloquei virada para o portão.

— Eu avisei. Agora, por que não quer a bicicleta?

Bianca encolheu os ombros.

— Não preciso.

— Bianca, você mora onde Judas perdeu as botas. Uma bicicleta seria ótima para você.

— Já disse que não preciso.

— Mas...

— Eu não sei andar — ela soltou de uma vez, sem olhar para mim. — Não sei andar de bicicleta. Satisfeito, agora?

Eu parei de andar e olhei para ela. Bianca estava vermelha como um tomate.

— Ei, não precisa ficar com vergonha — disse para ela, rindo sem querer. — Muita gente não sabe andar de bicicleta.

— Muita gente abaixo dos dez anos, você diz, né? — Ela chutou uma pedrinha solta. — Meus pais nunca tiveram muito dinheiro, então eu nunca ganhei uma bicicleta. O resultado é que eu tenho vinte anos e ainda é um mistério para mim como alguém pode se equilibrar em duas rodas.

Eu ri. A cara dela... Parecia uma menininha que foi pega fazendo algo vergonhoso.

— Bianca, você quer uma bicicleta? — perguntei suavemente.

— É claro que eu quero. Seria muito útil, principalmente se tivesse um daqueles cestinhos. Mas não sei...

— Não se preocupa com isso. Anda, entra no carro. A gente ainda tem algum tempo antes de eu precisar abrir o bar.

Ela parecia querer protestar, mas eu abri a porta para ela e pulei para o banco do motorista antes que ela tivesse a chance de dizer alguma coisa. Três minutos mais tarde, estávamos na loja de eletrodomésticos do Seu Lucas. Além dos aparelhos, ele era a única pessoa da cidade que vendia bicicletas de primeira mão.

— Essas são as de adultos — ele falou quando eu disse o que estávamos procurando. Eu olhei para Bianca pelo canto do olho. Ela estava rodeando uma com estampas de margaridas e um cestinho preto na frente desde que seu Lucas tinha começado a tagarelar sobre as diferentes funcionalidades de cada modelo.

— E então? Gostou? — perguntei, ficando atrás dela.

— Acho que sim. Essa é linda, mas é cara demais. Não quero desperdiçar parte do meu salário com isso. Eu nem vou saber andar, mesmo.

— Não precisa se preocupar com o salário. Você gosta dessa? É sua preferida?

Ela olhou para a bicicleta amarela, os olhos brilhando.

— É. Mas...

— A gente vai ficar com essa, Seu Lucas — disse para o senhor com um sorriso.

Bianca me beliscou.

— Samuel, eu disse que...

Mas eu toquei no ombro dela e disse para esperar só um segundo enquanto ajeitava o pagamento. Quando estava tudo pronto, convidei Seu Lucas para dar uma passadinha no bar qualquer dia desses e ajudei Bianca a tirar a bicicleta da loja.

— Eu disse que essa era cara demais — ela reclamou quando fomos para a calçada. — Você vai ter que descontar do meu salário aos poucos.

— Não vou descontar nada do seu salário — disse, minha atenção voltada às marchas da bicicleta e aos acessórios que vinham junto. Tive a impressão de que Bianca estava tagarelando alguma coisa atrás de mim, mas não ouvi direito. — Bianca, relaxa, tá bom? É um presente.

— É um presente muito caro! — ela guinchou, quase estourando meu tímpano.

— A gente desconta no valor das joias mais tarde — falei com um sorrisinho. — Agora, o que você acha da gente ir para a lagoa? A pista onde as pessoas correm e fazem caminhada ao redor dela deve estar vazia agora. Só me ajuda a colocar a bicicleta no porta-malas.

Bianca, talvez cansada de brigar, aceitou seu destino e foi comigo até a lagoa, que ficava há três quarteirões de distância da praça principal da cidade.

Quando estacionei, tirei a bicicleta do carro e a empurrei até a pista vazia com exceção de uma ou duas pessoas fazendo caminhada.

— Tá, primeiro você sobe — eu disse para Bianca, que estava parada a uns dois metros de distância, abraçando a si mesma. — Não precisa ficar com medo. Eu vou segurar.

— Eu não estou com medo — ela disse, ofendida. — Só não quero passar vergonha.

— Ninguém vai olhar pra gente, relaxa.

— Sério, Samuel? Eu diria que nós chamamos bastante atenção.

Sorri e dei de ombros.

— Ninguém mandou você ter cabelo rosa.

— Ninguém mandou você ter dois metros de altura e estar segurando uma bicicleta com estampa de margaridas.

Revirei os olhos e a chamei com a cabeça.

— Anda, para de enrolar.

Bianca respirou fundo e se aproximou cautelosa.

— Tá. O que eu faço?

— Sobe.

Ela engoliu em seco e eu me afastei para que se posicionasse em cima da bicicleta. A estabilizei segurando os guidões e olhei para Bianca enquanto falava.

— Por enquanto, só pedala, tá bom? Eu vou garantir que você não jogue a gente dentro da lagoa.

— Isso era para ser um incentivo?

— Você vai tirar de letra.

Bianca colocou as mãos ao lado das minhas e pedalou. Fui a acompanhando durante todo o caminho, deixando com que ela se familiarizasse. Bem aos pouquinhos, a deixei assumir o controle dos guidões.

— Não solta! — ela gritou, o cabelo voando e seus olhos assustados fixos na pista asfaltada.

— Não vou soltar. Tô aqui. — Quando completamos três voltas inteiras ao redor da lagoa comigo ao lado dela, falei: — Vou segurar só na garupa agora, tá bom?

— Samuel, eu não acho uma boa ideia — ela disse, morrendo de medo. Precisei de todo o meu autocontrole para não rir. — Eu não quero me esfolar toda nesse chão.

— Cair de uma bicicleta não é problema, mas de uma árvore tudo bem? — provoquei.

— Se você servir de travesseiro de novo, espertão, por mim tá tranquilo.

Eu segurei o guidão com uma mão e com a outra a ponta da garupa da bicicleta.

— Você vai conseguir. Só mantenha a bicicleta estável e vai reto. Eu vou estar segurando aqui atrás.

Bianca respirou fundo.

— Tá bom.

Ela se posicionou e começou a pedalar. Bianca pareceu prestes a perder o equilíbrio nos primeiros segundos, mas depois de alguns gritinhos e apoio da minha parte, ela se manteve em frente. Eu já estava suando por correr atrás dela.

— Acho que eu tô conseguindo! — ela gritou contra o vendo, rindo. — Tá vendo, Samuel?

— Tô sim — disse entre arquejos. — Muito bem. Continua. Agora, faz a curva devagar.

Bianca fez, sem ameaçar errar nenhuma vez.

Devagar, bem devagar, eu soltei a garupa.

Parei de correr e apoiei as mãos nos joelhos, observando aquela garota maluca que tinha caído de paraquedas na minha vida rir e gritar enquanto andava de bicicleta pela primeira vez.

— Samuel, isso é incrível! Eu aprendi super rápido, não aprendi? Samuel? Samuel!

Ela olhou para trás por um segundo e percebeu que eu não estava lá.

Já estava prestes a correr na sua direção para tentar impedir a queda quando Bianca retomou o equilíbrio que tinha perdido ao olhar para trás. Ela fez uma curva ampla e veio pedalando na minha direção.

— Você soltou — ela disse, parando ao meu lado. Sua pele brilhava de suor, o cabelo grudando na testa. Ela estava ofegante e vermelha pelo esforço. Estava uma bagunça, mas ao mesmo tempo tão...

Linda.

O pensamento me chocou. Bianca não era linda. Ela era o motivo constante do meu estresse, isso sim.

— Eu soltei — disse, tentando colocar meus pensamentos no lugar. — E você se saiu muito bem.

— Eu sou boa em quase tudo que faço.

— É mesmo? — Me aproximei e me apoiei na cestinha da bicicleta. — Não vai nem agradecer ao seu excelente professor?

Ela empinou o nariz, toda cheia de marra.

— Acho que eu já era boa naturalmente nisso. Você só deu um empurrão.

Sorri de lado.

— Da próxima vez, te deixo pedalar direto para a lagoa.

Bianca riu e acionou o sininho da bicicleta, me fazendo gargalhar.

— Agora você vai saber quando eu estiver prestes a chegar no bar a dois quarteirões de distância. — Bianca passou as mãos pela bicicleta novinha em folha e olhou para mim. — Se você continuar desse jeito, Samuel, vamos ter um problema. Tá ficando um pouquinho difícil te odiar.

Sorri e fiz uma imitação fajuta de parecer convencido.

— É impossível me odiar.

— Deus, você soou muito como eu agora.

— Eca. Estou sendo contaminado.

Minha respiração ficou presa na garganta quando Bianca tocou minha mão por sobre o guidão da bicicleta. Ela se inclinou para mim e me olhou bem nos olhos. Com toda aquela claridade, eu sabia que ela via a diferença explícita nas íris. Resisti ao impulso de encarar o chão ou qualquer outra coisa para esconder. Eu não gostava nem um pouco daquele traço em mim, e o modo como Bianca me olhava quase como se estivesse prestes a me dissecar não me deixava exatamente confortável.

Ridículo.

Quase vinte e três anos e eu ainda podia agir como um imbecil perto de uma garota. Não era surpresa que meus dois relacionamentos anteriores tivessem terminado em fracasso.

— Obrigada pela bicicleta e por me ensinar — Bianca disse. — Estou disposta a admitir que você é muito gentil, Samuel.

Engoli em seco e me forcei a retribuir o olhar.

— Você também não é totalmente insuportável — falei.

Bianca balançou a cabeça e riu baixinho.

— Você sempre foi assim tão bom com elogios?

— Vou tentar melhorar.

Ela apertou minha mão uma última vez e se ajeitou na bicicleta.

— Bem, eu vou indo para casa. Te vejo mais tarde no trabalho.

— Tem certeza que consegue chegar sozinha?

— É claro que consigo.

Olhei para ela desconfiado.

— Tá bom. Mas cuidado com as ruas de pedra.

— Ah, que fofo, você tá preocupado comigo?

— Não. É só que hoje eu contratei um cantor da cidade para tocar violão ao vivo lá no bar e o movimento vai ser grande. Não posso me dar ao luxo de perder uma garçonete porque ela caiu de cabeça no meio-fio.

Bianca mostrou a língua para mim.

— Tá bom, insensível. Até mais tarde.

A observei pedalar para longe de mim, um pouco em ziguezague, meio insegura, mas sempre em frente. Só entrei no carro quando a vi virar a esquina.

Conforme dirigia para o bar, meu coração batia acelerado.

De alguma forma, soube que algo maior que a caça às joias tinha começado naquele dia.

______________________❤️__________________

Dedicado à sunsxchild

Oii, gente!!!! Como vocês estão??

Domingo chegou e com ele o capítulo doze dessa história!

Tô doida pra saber o que vocês acharam!! Toda a cena da bicicleta não estava planejada, mas aconteceu por um impulso do Samuel de ser tão absurdamente gentil com a Bia❤️

Com o capítulo novo, também veio a capa nova do livro para vocês apreciarem!! Será que conseguem notar todos os detalhes? (os olhos do Samu e a tatuagem da Bia são meus preferidos)

Vejo vocês em breve com um novo capítulo,

Ceci.

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